Janaína e Valquíria

As valquírias descem do Valhalla em direção aos campos de batalha onde campeia a morte. Montadas em seus lobos, vão buscar os alemães e escandinavos que morreram bravamente. A glória que concedem é apenas àqueles que morreram ao ferir e matar outras pessoas. São uma recompensa ao ódio e à estupidez, e permanecerão imortais e invulneráveis enquanto se mantiverem virgens.

Iemanjá, mãe amorosa de cujos seios nasceram quinze deuses, se prepara no mar da Bahia para buscar aqueles que morreram tentando salvar outras pessoas. Esses ela leva consigo, a eles se dá como esposa, e é por isso que seus corpos jamais serão encontrados.

Eu sou baiano. Eu não gostaria de ser alemão.

Os picaretas sobrevivem

Sempre tive uma queda por aqueles filmes que mostravam impostores no high society europeu, como Paris ou Mônaco. Um sujeito aparecia do nada dizendo ser alguém importante e enrolava os ricos e famosos durante algum tempo.

Esses roteiros eram típicos dos primeiros 60 anos do século XX, época em que monarquias era derrubadas e em que a a aparência podia ser mais fluida do que hoje. O último filme desse tipo a fazer algum sucesso, que eu lembre, foi Three Rotten Scoundrels, com Michael Caine e Steve Martin.

Eu admirava aqueles malandros que se faziam passar por príncipes lituanos ou coisa assim. Mas achava que esse tipo de golpe pertencia ao passado. Não há mais tantas monarquias a serem combatidas e seus membros exilados. E hoje, mais do que sua palavra, o cartão de visitas da “nobreza” é o dinheiro — que pode ter origem obscura, mas tem que aparecer bastante, e ser dividido ao menos entre alguns.

Além de tudo, isso parecia possível em uma época em que as comunicações eram difíceis. Era mais fácil se dizer qualquer coisa, porque era difícil checar. Mas hoje não é difícil achar quaisquer referências a qualquer pessoa. Se você existe, fatalmente está na Internet, de alguma forma. E isso é ainda mais verdadeiro caso você seja alguém muito importante em algum lugar.

Mas esta americana que se fazia passar por uma princesa saudita em Nova York mostra que, se o mundo mudou, a credulidade das pessoas continua exatamente a mesma. Elas acreditam no que querem acreditar, normalmente porque acham que vão ter alguma vantagem nisso. Esse tipo de picareta sobrevive porque os defeitos e a vaidade dos seres humanos continuam os mesmos.

É reconfortante ver que, no fim das contas, o mundo não mudou tanto assim.

A sorte de Lula

Lula é um sujeito de sorte.

Depois de ter feito uma das maiores besteiras de seu mandato, ao tentar expulsar o correspondente do New York Times, conseguiu fazer com que Larry Rohter se retratasse, assumisse seu erro e que todo o episódio terminasse na pizza tradicional da sexta-feira à noite.

E isso um dia depois do programa do PSDB, brilhante em sua estratégia de preparar Serra para a prefeitura de São Paulo e para uma eventual presidência: em vez de seguir o caminho fácil e frágil de insistir no caso Waldomiro, preferiu bater na tecla da incompetência do governo, com números e interpretações difíceis de refutar.

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Eu venho tentando escrever um post com críticas ao Governo Lula já faz algum tempo. Mas sempre sou atropelado por alguém.

Quando um governo recebe tantas críticas assim, principalmente daqueles recém-convertidos que resolveram abandonar seus preconceitos e votar no “paraíba analfabeto”, é porque há realmente alguma coisa errada.

Cada vez mais vejo pessoas insuspeitas insatisfeitas com o governo. E olha que estou numa cidade administrada brilhantemente pelo PT e que deve reeleger seu prefeito ainda no primeiro turno. Se até aqui as pessoas estão reclamando, é porque a coisa está realmente feia.

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Sugestão para o programa do PT: o PSDB bateu no governo Lula dizendo que eles olham para a frente, e não para trás. Talvez fosse de bom tom mostrar por que eles não olham para trás.

Allen Klein e Yoko Ono

Deus sabe que há coisas melhores e mais importantes para se pensar, mas me peguei pensando em Yoko Ono.

Nos últimos 30 anos, as pessoas vêm discutindo se ela foi ou não responsável pelo fim dos Beatles — no que isso possa interessar a alguém; por melhores que fossem, eram só uma banda pop, e há um limite para o que uma banda pode representar.

Para alguns, a presença de Yoko sempre ao lado de Lennon foi um dos principais motivos para o fim da banda. Para outros, isso não importava tanto: o que importava eram as tensões crescentes por outras razões, principalmente financeiras.

Eu estava entre os que não davam tanta importância a Yoko. Achava que a banda tinha terminado porque as pessoas crescem e sua hora havia chegado. Mas agora, pensando nisso, vejo que no fim das contas ela foi fundamental no processo.

Se é que se pode definir uma causa externa para a separação, ela seria Allen Klein, o empresário que John e Yoko arranjaram para substituir Brian Epstein depois que viram que sua utopia empresarial, a Apple, era um fracasso completo.

Klein era um ladrão de marca maior — os Stones até hoje se arrependem de tê-lo tido como empresário. Foi para a cadeia por roubar dinheiro de George Harrison. E se conseguiu entrar em território fechado como os Beatles, uma banda notória pela sua unidade e impermeabilidade, é porque conseguiu o apoio de Yoko e, conseqüentemente, de Lennon. Ele seduziu Yoko lhe oferecendo a glória artística (e caiu em desgraça junto a Lennon, poucos anos depois, quando passou a dar a Yoko a importância devida — ou seja, pouca). E com isso fez com que Lennon batesse pé em sua defesa; como McCartney queria seu sogro, os dois racharam a banda, sendo que Lennon teve George e Ringo ao seu lado.

Para evitar ser abocanhado por Klein, McCartney se viu obrigado a pedir judicialmente o fim da banda. Curiosamente, foi esse processo e sua recusa em ser empresariado por Klein que salvou a fortuna e a independência dos Beatles. Até hoje McCartney demonstra certa mágoa por nunca ter recebido o agradecimento que acha que merece.

É, acho que preciso pensar em coisas mais relevantes.

Bruna

A Belle de Jour é o pseudônimo de uma garota de programa inglesa cujo blog ficou famosíssimo. Escreve bem, embora com discrição. Dizem que lhe ofereceram um contrato para publicar um livro. Dizem também que ela é, na verdade, um homem.

A Bruna é uma garota de programa paulistana e tem um blog que só fui conhecer graças à matéria do Felipe Voigt no Tiro e Queda.

A diferença entre os dois textos é imensa. Enquanto a Belle de Jour é literária, sofisticada, e tem uma abordagem mais sofisticada em relação à atividade, a Bruna escreve com menos correção e com menos estilo — mas, ao mesmo tempo, passa muito mais verdade do que as outras.

Se a Bruna é um homem “fantasiando ser puta”, como lhe perguntaram em um e-mail, não interessa muito. O que ela escreve passa verdade, sem frescuras. É uma conversa de uma moça sobre sua vida, só isso — e que faz parecer comum uma vida que pode ser tudo, menos isso.

Movable Type 3.0

O Movable Type lançou sua versão 3.0 (este blog roda a 2.661) e os blogs explodiram em indignação.

Até agora o MT era gratuito, embora você fosse incentivado a fazer uma doação. Mas a SixApart, empresa criadora do produto, está cobrando pela nova versão. As pessoas detestaram. Não tanto o fato de o programa passar a ser cobrado, mas o fato de ter preços salgados demais. Acho que se mantivessem os preços em patamares mais aceitáveis a gritaria seria menor.

O sistema de preços adotado pela Six Apart é, para usar uma palavra bonitinha, assustador. A versão mais cara custa cerca de 600 dólares, e como teoricamente é destinado a utilização profissional é passível de discussão; mas a versão pessoal custando 100 é um absurdo. Há uma versão gratuita, claro, que só admite 3 blogs e um autor, e é por isso que vou fazer o upgrade; afinal meu blog é um bloco do eu sozinho, e não penso em publicar mais blogs porque sou muito preguiçoso para ter manias nesse nível. Sendo o mais prático possível, para mim tanto faz quanto eles cobrem, desde que mantenham uma edição gratuita — e ainda por cima me tiraram a obrigação moral de fazer uma doação.

Mas essa é uma decisão arriscada, ainda mais quando há tantas boas opções por aí: b2, WordPress (que é licenciado por uma GPL e não tem chances de vir a se tornar pago), pMachine, TextPattern e agora o Blogger. Tenho certeza de que a SixApart acaba de dar um belo tiro no pé. É difícil que os velhos usuários migrem para outras plataformas, mas é bem provável que se você quer montar o seu primeiro blog você escolha qualquer uma, menos o MT.

A avaliação mais correta é a de que a SixApart criou em seus usuários a expectativa de que o programa seria grátis para sempre, e de certa forma incentivou as pessoas a manterem vários blogs com vários autores diferentes; de repente tiram tudo isso. Gente que fez doações, quando não eram obrigatórias, está revoltada. Com certa razão.

A grande vantagem do Movable Type é a grande quantidade de usuários, desenvolvedores e documentação. Mas isso pode diminuir a partir de agora. Para começar, acho bem provável que muita gente se recuse a usar o TypeKey, serviço de registro para comentários, porque se ele passar a ser pago ( o disclaimer no site do MT diz que você nunca pagará para comentar, mas não fala nada sobre disponibilizar o serviço em seu blog) as pessoas vao ter que procurar outra alternativa. Eu, pelo menos, não vou cair nessa esparrela.

Cenas do próximo capítulo

Sergipanos não gostam quando falamos mal de sua terra, mas quando eu vinha passar férias aqui aqui os capítulos das novelas da Globo eram exibidos com um dia de atraso. Fim dos anos 70, começo da década de 80, isso. Não havia antena para transmissão direta por satélite, algo assim. As novelas começavam na terça-feira, e as reprises do último capítulo eram na segunda.

Eu odiava novelas. De coração. Odiava porque em alguns dias da semana era obrigado a deixar de ver algum filme ou enlatado americano na TV Itapoan para que minhas irmãs assistissem àqueles dramalhões, na divisão do monopólio da TV que minha mãe foi obrigada a realizar para satisfazer nossos interesses conflitantes.

Mas a idéia de rir da cara dos tabaréus era muito mais atraente. Quando chegava aqui, me divertia em contar o que iria acontecer naquele capítulo. E pelo menos uma vez tive a sorte de chegar no dia do final de uma novela.

Não sei se uma coisa tem a ver com a outra, mas hoje, mais de 20 anos depois, tenho uma facilidade enorme de me situar no tempo a partir da novela que a Globo exibia. Por exemplo, quando passava “Cabocla” eu morava na Barra, mas em “Plumas e Paetês” eu morava na Graça. E essas coisas que eu detestava hoje passam a ter um significado que jamais sonharam em ter. Se tornaram referenciais.

Goste ou não delas, as novelas da Globo fazem parte da vida de cada brasileiro. É como uma música de Roberto Carlos. Você pode não gostar do sujeito mas, se não é surdo, conhece pelo menos umas 20 músicas dele.

É por isso que quando vejo um remake como “Cabocla” sendo feito, algo me dá a sensação de que estão exumando um cadáver que deveria permanecer sob sete palmos. Assisti a um capítulo da novela, e embora tenha visto pedaços do original em 1979 e lido o livro dois anos depois, não lembro de quase nada além de Fábio Júnior e Glória Pires. Me faltam elementos de comparação, e talvez por isso, se eu fosse capaz de um julgamento imparcial, diria que a novela parece muito boa, bem feita, com uma atmosfera agradável. Mas para mim não é, porque não tem Nélson Gonçalves cantando que “teu olhar está me dizendo que você está me querendo, que você gosta de mim”.

Como ganhar a vida escrevendo um blog

Jason Calcanis (via Prints the Chaff) descobriu como blogueiros poderão ganhar a vida com o seu “trabalho”.

Ele prevê — na minha opinião acertadamente — que aí por 2006 os blogs mais populares serão escritos por celebridades. Faz todo o sentido. Vem sendo assim desde o início da internet. Lembro de rir, aí por 96, quando amigos programadores falavam em construir carreira como webdesigners; eu achava que não demoraria até que surgissem ferramentas semelhantes ao desktop publishing que dariam o trono aos designers com formação específica. Foi o que aconteceu (o princípio é o que de que é mais fácil dominar técnicas do que desenvolver senso estético). Também achava graça quando via gente falando que aquelas empresas pure play tomariam o mundo; para mim era uma questão de tempo até as grandes empresas tomarem a internet de assalto. E novamente foi o que aconteceu.

Portanto, gente capaz de escrever decentemente e que tenha algum conhecimento de como funciona essa joça finalmente poderá ganhar a vida fazendo o que já faz de graça, e cruzar a linha que no imaginário masculino separa as galinhas das piranhas, aquela que separa amadores de profissionais. Blogueiros podem virar ghost writers e fazer tranqüilamente o seu trottoir nos blogs da vida.

O conselho que o Tom Mangan, do Prints the Chaff, dá é o seguinte: crie um blog sobre sua celebridade favorita. É preciso que seja um excelente blog. Consiga toda a atenção possível. E quando finalmente os representantes da tal celebridade contactarem você, diga que “adoraria fazer isso em tempo integral, mas…” Aí você dá a facada.

Outra alternativa é profissionalizar o esquema ao máximo. Monte uma pequena estrutura com um redator e um bom designer, que entenda bastante de CSS. E então corra atrás de autógrafos de gente famosa, desta vez em um cheque.

Pensando no assunto, cheguei à conclusão de que se as coisas derem realmente errado eu vou apelar para isso. Vou começar com um blog sobre a indústria do cinema pornô. Não tem como não dar certo. Porque se não der dinheiro, dá diversão. Como dizia uma velha música do Kiss, vai ser rock and roll all night and party everyday.

Depois de escrever esse último parágrafo percebi que, desse jeito, ninguém vai me levar a sério. E eu acabo de destruir no berço uma carreira que se prometia brilhante.