Diálogo

— Blá!

— Blá! Blá blá?

— Blá blá, blá blá? Blá blá!

— Blá blá blá, blá. Blá blá blá blá blá? Blá blá.

— Blá blá.

— Blá blá! Blá blá blá blá blá blá. Blá blá blá blá blá blá, blá blá, blá blá blá blá.

— Blá blá blá. Blá blá blá blá, blá blá blá. Blá blá?

— Blá blá, blá blá. Blá blá blá blá blá blá. Blá blá blá, blá blá…

— Blá. Blá blá!

— Blá blá!

Reagan revisitado

Agora que o impacto da morte de Reagan já passou (e Ford morreu e ninguém notou), ficou uma impressão esquisita.

A mais abrangente definição do sujeito é a de “o homem que devolveu o otimismo à América”. Mas isso só é verdade em parte, graças àquela edulcoração que mortos cujos tempos foram melhores que os atuais — e o passado coletivo é sempre melhor que o presente — sofrem à medida que o tempo passa.

Lembro, sim, de uma onda de ufanismo nos primeiros anos de Reagan na presidência. Mas isso se deve menos à sua figura do que a uma reação natural à turbulência dos anos 60 e 70, os anos em que Johnson e Nixon quebraram a magia que sempre rodeou o sonho máximo da democracia americana.

A gente fala que os argentinos são naturalmente saudosistas e dramáticos, mas americanos, em que pese seu dinamismo e seu individualismo, parecem ser, também. A impressão que se tem é que, a menos que tenham feito grandes besteiras, seus presidentes serão julgados muito favoravelmente pela história. Roosevelt foi acusado de comunista e destruidor do american way of life em seu tempo, mas hoje é considerado o homem que salvou o país da Depressão. Eisenhower é o símbolo máximo daquela América rockwelliana dos anos 50, o país da fartura e da liberdade em oposição aos russos tristes (como se um russo pudesse ser triste) e oprimidos. Kennedy e sua Camelot são o símbolo da sofisticação americana.

Todas essas são imagens, embora não falsas, bastante melhoradas da realidade. O país de Roosevelt foi também um país de crise, fome e pobreza; o de Eisenhower, um país onde as tensões raciais chegaram ao seu limite; Kennedy viu um número absurdo de crises diplomáticas, a menor das quais não foi a dos mísseis soviéticos em Cuba.

Agora é a vez de Reagan. Oliver North, John Poindexter são nomes convenientemente esquecidos em suas eulogias. Osama bin Laden é cria sua, mas e daí? A URSS caiu por não se agüentar sobre suas pernas, mas agora Reagan é apontado como o homem que venceu o comunismo.

Resta esperar o que vão dizer de Clinton após sua morte. Talvez lembrem o longo período de expansão econômica, tão longo que se chegou a pensar que as leis da economia haviam mudado. Talvez louvem sua virilidade satiromaníaca. Talvez apontem, no episódio Monica Lewinski, uma ruptura importante na cultura de hipocrisia política americana. Talvez apontem o fato de ele ser um dos mais perfeitos animais políticos de que já se teve notícia.

Como todo bobo que tira conclusões rápido demais, eu não preciso da história para definir minha opinião sobre Clinton. Para mim, ele vai ser o homem que, mesmo vindo da Alagoas de lá, mostrou ao mundo que há mais refinamento em um charuto do que sonha a nossa vã pornografia. E isso é mais importante que qualquer outra coisa.

Notícias estranhas em um blog esquisito (XV)

Um pároco dinamarquês foi demitido por ter afirmado que Deus abdicou em favor em favor de seu filho.

A Igreja deve ter achado isso uma heresia sem tamanho.

Mas, pensando bem, já que Deus é onisciente e vê tudo o que se passa aqui embaixo, essa era a única coisa decente a fazer se Ele tem algum juízo.

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Um professor primário foi preso depois de permitir que seus alunos vissem pornografia no computador da sala.

Pelo visto ele não podia alegar que se tratava de educação sexual.

Agora, o que mais um professor, rodeado por pequenos marginais ávidos de sangue, podia fazer?

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Resolvida uma crise séria na União Européia: as pessoas vão poder levar seus animais de estimação consigo quando viajarem em férias, mesmo que elas não tenham passaporte, conforme exigido por lei.

Nunca mais tiro um passaporte na vida. É humilhação demais portar o mesmo documento que o porquinho de estimação dos outros.

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Um terço dos coroas suecos diziam, uma semana atrás, que uma boa classificação de sua seleção de futebol iria influenciar sua performance sexual.

Eles estão, literalmente, confundindo as bolas.

É por isso que o Brasil é pentacampeão e a Suécia não é nada. Para nós, jogo é jogo, treino é treino e sacanagem é outra coisa.

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Antes do jogo contra a Inglaterra pela Eurocopa, quinta-passada, os suíços apelaram para o vodu. Passaram horas alfinetando bonequinhos dos jogadores bretões.

Bobinhos.

Deviam ter pedido ajuda ao Brasil, e poderíamos mostrar a eles as delícias de um ebó para Exu numa encruzilhada à meia-noite.

De novo: é por isso que o Brasil é pentacampeão e a Suíça não é nada.

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Huw Lobb entrou para a história ao se tornar o primeiro homem a vencer um cavalo na maratona desse tipo que se realiza todo ano na Inglaterra.

É preciso ser um povo muito esquisito para, todo ano, precisar medir forças com um cavalo. Já era tempo de terem dirimido suas dúvidas.

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Uma bandeira alemã que um dia tremulou orgulhosamente nos mastros do Reichstag hoje cumpre seu papel em um bordel.

O que não dá para entender é o auê criado em torno desse pequeno fato desimportante. Afinal, um parlamentar não pode dar um presente à sua mãe?

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Um policial holandês foi afastado ao descobrirem que ele plantava maconha em casa.

É nisso que dá essa cultura de liberalismo dos flamengos. Os policiais ingênuos ficam sem saber os fatos da vida.

Não fosse por isso, os policiais brasileiros poderiam ensinar a eles a fina arte de tirar sua comissão dos traficantes.

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Um alemão de 81 anos, suspeito de vários estupros, conseguiu uma vitória nos tribunais ao ser dispensado de testes de potência sexual, exigidos porque ele alegou que não conseguia mais irrigar suficientemente seus corpos cavernosos.

Apesar de ter certeza de que o velhinho tarado é culpado, fica uma pequena dúvida: qual velhinho não ia ter orgulho de ser acusado de tamanho vigor sexual?

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Imelda Marcos (alguém ainda lembra dela?) está tentando banir um documentário das Filipinas, alegando que ele transformou sua vida em piada. Talvez o título do documentário seja “Que melda, Imelda”, sei lá.

Mas ela tem razão. Não é preciso carregar nas tintas. Basta contar os fatos, como seus pares de sapatos e as atrocidades que ela e seu marido cometeram durante sua ditadura.

A vida de Imelda não é uma piada, é uma tragédia. Para os outros, bem entendido.

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Bono Vox acaba de perder o meu respeito.

Ele pediu desculpas por acender um cigarro, um ato horrendo na Irlanda de hoje.

Quer dizer que encher a boca para falar do Terceiro Mundo pode, mas na hora de desafiar os absurdos de seu país é melhor ficar calado, né?

A sorte é que Keith Richards ainda está vivo. Não fosse por ele, o rock and roll já teria se tornado uma piada sem graça.

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Um médico do Oregon vai passar 2 meses na cadeia por ter feito sexo com uma paciente, alegando que isso iria aliviar suas dores pélvicas, e ter tido a cara de pau de mandar a conta para o INSS deles.

Mas talvez a condenação tenha sido exgerada. Sabe-se lá se a mulher era horrorosa, o que justificaria a cobrança?

De qualquer forma, esse é o médico mais cara de pau de que já se teve notícia.

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Emigrantes africanos clandestinos, depois de uma viagem fria e conturbada através do estreito de Gibraltar, aportaram numa praia de nudismo da Espanha.

Alguém já ouviu falar em exemplo mais claro e definitivo de uma viagem sem escalas do inferno para o céu?

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O Canadá tem um Partido da Marijuana.Tem também uma candidata nas eleições do dia 28, Carol Taylor, que ganha a vida como dominatrix. Ela diz que fuma maconha para aguentar uma certa doença neurológica muito, muito dolorosa. Sei.

E depois ainda querem que o resto do mundo os levem a sério.

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Um cemitério na Califórnia está oferecendo “enterros orgânicos“, banindo arranjos florais e o velho e bom formol. Espera aproveitar a onda naturalista e conquistar mais clientes.

Deve se tornar sonho de consumo para todos aqueles que levaram uma vida saudável, sem fumar, sem beber, sem comer, sem comer — e morreram do mesmo jeito.

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Artigo da velha e boa Reuters oferece, sem querer, uma visão de como nascem as lendas.

Os habitantes de Marselha passaram as últimas três semanas procurando uma pantera negra que estava solta na cidade. Ela tinha sido avistada por vários moradores.

No fim das contas, era só um gato doméstico grande e gordo. Agora, todo mundo sabe disso. E assim, graças à ubiqüidade da informação nesses dias, o mundo se vê privado de mais uma lenda, a da “Pantera Negra de Marselha”. Mundo chato, este, em que não podemos mais criar lendas fantásticas como nossos antepassados, graças à objetividade fria dos meios de comunicação.

Do jeito que vão as coisas, talvez isso venha a provar um dia que o sasquatch, na verdade, é o Tony Ramos visto por um míope bêbado.

Shrek 2

Fui assistir a “Shrek 2” com a minha Febem particular.

O Marmota achou o filme melhor que o primeiro. Algumas críticas dizem que é um projeto “autoral” de Jeffrey Katzenberg, uma espécie de cutucada nos seus desafetos da Disney ao desconstruir os contos de fada que fizeram sua fama.

Talvez seja, mas limitar o filme a uma pequena vingança pessoal é menosprezar o talento imenso de Katzenberg, achar que ele seria capaz de fazer de um projeto milionário mero veículo para suas idiossincrasias. O deboche sobre os contos de fadas, ao contrário, mais que um chute na Disney me parece justamente a compreensão acurada de que o início do século XXI permite esse tipo de abordagem com sucesso.

É um grande desenho, e a julgar pelo trailer de “Nem que a Vaca Tussa” deve ser o melhor do ano. Há algo errado quando se anuncia com estardalhaço que as músicas de um filme são de Alan Menken. Se isso é o melhor do filme, é melhor não esperar muito dele.

Para quem gosta de cinema, é uma brincadeira à parte ficar identificando as citações de filmes famosos, e mesmo de situações clássicas do cotidiano americano. O. J. Simpson é um dos citados, por exemplo. Dessa vez elas são em maior número e mais sutis que no primeiro, e perfeitamente inseridas no contexto do filme. Mas é algo bastante restrito a cinéfilos e a americanos (ou pseudo-americanos).

(Um detalhe: os filmes clássicos da Disney tinham versões feitas exclusivamente para o Brasil, o que incluía letreiros em português. Shrek não tem isso, o que é algo fácil de fazer. Falta de consideração.)

Eu achei o primeiro melhor, mais inventivo, e mais coeso em sua proposta de subverter o mundo dos contos de fadas. O segundo tem todas as características de seqüência, e se torna menor. Bom divertimento, claro, mas isso o primeiro também era. Com a diferença da novidade. (E Shrek 3 está previsto para estrear em 2006.)

Mas a opinião que conta aqui, afinal, é a dos meus senhores das moscas. Eles gostaram, sim, mas não tanto quanto gostaram do primeiro. As referências mais engraçadas, infelizmente, são adultas demais — e “Shrek 2” é um daqueles desenhos que perdem de vista sua platéia original para atingir, em cheio, aquela platéia adulta que procura nesses desenhos peças feitas para eles.

E o final é falso.

O finado JB

O Tutty Vasques faz um panegírico ao finado Jornal do Brasil em nomínimo, datando sua morte a partir do cancelamento da coluna do Alberto Dines. As razões, embora não ditas, são óbvias: o jornal não tem condições de bancar críticas duras ao governo do Rio. Como quase todo jornal brasileiro, vive na UTI. Mas se a maioria deles aprendeu a viver assim, parece cada vez mais difícil que o JB volte a ter a mesma glória que teve nos anos 70, quando era a tradução do Rio em rotativas.

É um jornal que morreu e espera apenas ser enterrado.

O curioso é que a lembrança que me fica do JB é a da melhor matéria internacional que já li. Era a cobertura da prisão do prefeito de Washington, Marion Barry, preso fumando crack. A matéria contava a notícia com detalhes e abria dois boxes para explicar o contexto, o passado de Barry e as implicações da prisão na política americana. Era tão boa, tão completa, que guardei aquela página. Não lembro agora do primeiro nome de seu autor, mas era um Nascimento Brito, o que talvez mostre que nepotismo não é a pior coisa do mundo.

Fico sabendo agora, lendo o Tutty, que aquilo era o final da administração Marcos Sá Corrêa, último alento de brilho do jornal. De lá para cá, o JB apenas decaiu, perdendo credibilidade e matéria-prima humana. Seus colunistas emigraram em busca de tempos melhores; sua credibilidade foi vendida há muito tempo em troca de piedade deseus credores.

Há uma lenda em torno do JB que persiste. Até mesmo hoje, algumas pessoas dizem que é um jornal melhor que O Globo. Há pouco tempo me disseram que a edição dominical era melhor, e resolvi tirar a prova. Nem de longe. É um jornal que morreu, apesar da impressão de sobrevida dada por um Tostão ou um Armando Nogueira.

Ultimamente eu só lia o JB quando atravessando a poça pela manhã. O catamarã o oferece como brinde a quem os prefere às barcas. E, mesmo sendo gratuito, às vezes sobra.

Todas as mulheres do mundo

Fui parar por acaso numa página da Cinemateca Brasileira que mostra algumas listas de 10 melhores filmes brasileiros ao longo dos tempos.

Eu gosto de listinhas (até já fiz a minha, devidamente desancada pelo Bia). Mas não poderia fazer uma lista dos melhores filmes brasileiros simplesmente por não ter visto muita coisa.

Por exemplo, de um dos preferidos de todos, “Limite”, de Mário Peixoto, só vi algumas cenas rápidas (e, sinceramente, do que vi não gostei). “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro, nem isso. “Rio 40 Graus” vi há muito, muito tempo.

Mesmo assim, mesmo sem ter moral suficiente para criticar essas escolhas, eu discordo de quase todas. Falta um filme nelas.

As listas incluídas na página da Cinemateca têm uma característica interessante: sempre incluem um filme recente. É por isso que a lista de 1980 inclui “Tudo Bem”, do Jabor, e a de 1988 inclui “Memórias do Cárcere”.

É a única razão para “Todas as Mulheres do Mundo”, de Domingos de Oliveira, com Leila Diniz e Paulo José, ser incluído na lista de 1968, e somente nela.

“Todas as Mulheres do Mundo” é certamente um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Enquanto “O Cangaceiro”, por exemplo, tenta recriar — magistralmente, a propósito, apesar dos péssimos atores e dos diálogos forçados — a estética do faroeste americano a partir do ciclo do cangaço, e “Limite”, pelo pouco que vi, é pouco mais que uma experiência hermética nesse sentido, o filme de Domingos de Oliveira é simplesmente uma história cotidiana deliciosamente contada. É brilhantemente carioca, doce sem ser piegas — Domingos de Oliveira jamais fez algo melhor. É, principalmente, um daqueles filmes que parecem despretensiosamente simples, que se tornam “brasileiros” justamente por não pretenderem fazer de sua nacionalidade um cavalo de batalha. É um filme carioca, muito mais que os “Rio Babilônia” da vida, mas poderia ser ambientado em qualquer lugar do mundo.

Provavelmente é essa a razão para o filme ser tão subestimado. Ele é deliberadamente simples em um meio em que a pretensão é condição sine qua non para que se conquiste respeito. Talvez, se o título fosse “Toda a Problemática das Mulheres do Terceiro Mundo”, o filme tivesse melhor sorte nessa história contada por poucos.

Também acho que “O Pagador de Promessas” lá atrás é um desrespeito a um dos mais brilhantes filmes já feitos no Brasil. Ao menos melhor que “Terra em Transe” ele é.

Soy contra

Tem duas coisas que me incomodam quando se discute o governo.

Uma é gente que não votou em Lula porque ele ia mudar tudo, e agora desce a lenha porque ele não mudou nada. Oposição se deve fazer com um mínimo de coerência.

A outra é gente que, agora, justifica absolutamente tudo o que o governo faz, utilizando os argumentos que, nos tempos de oposição, criticavam sem dó. A situação também precisa de um mínimo de coerência.

Coerência, claro, não quer dizer jogar a culpa pelo país, digamos, insuficiente que temos nas costas do sociólogo. A idéia de culpar FHC por tudo o que há de errado no país é um equívoco meio burrinho, porque se as pessoas votaram em Lula não foi apenas porque achavam que as coisas não iam bem, mas porque achavam que Lula seria o agente dessas mudanças; e por mais que isso doa em quem passou 8 anos criticando o PSDB, até agora o governo Lula tem sido inferior ao primeiro mandato do homem que todos adoravam odiar.

Em muitos aspectos, é um governo covarde, com medo de pequenos avanços, e que parece nem sempre saber a linha divisória entre realpolitik e fisiologismo; em outros é um governo perdido, incorrendo em erros bobos.

Mas há, também, o lado bom do governo, áreas em que se tem conseguido avanços, das quais a política externa é apenas a face mais visível. O pessoal que hoje está na oposição, e que critica com razão o PT por feito oposição sistemática e às vezes prejudicial ao país durante a era FHC, deveria lembrar disso na hora de adotar certas posições e arrotar coerência.

Só para lembrar: o fisiologismo e a corrupção vêm de muito antes de FHC, apesar do que diz aquela parte amalucada do PT, e ninguém que tenha juízo espera que Lula acabe imediatamente com eles, ao contrário do que quer a oposição que os cevou durante tanto tempo.