Kathleen Turner

A Veja desta semana traz, nas páginas amarelas, uma entrevista com Kathleen Turner.

Kathleen forneceu combustível para os sonhos de milhões de adolescentes em todo o mundo — inclusive este aqui — nos anos 80, em filmes como Body Heat e Crimes of Passion. Era de uma beleza americana estonteante, e de um olhar que só encontra paralelo em Lauren Bacall e em Faye Dunaway.

Ela fala sobre sua batalha contra um tipo de artrite que quase lhe custou a vida e a carreira. O que importa aqui não é a confissão da doença — lembro que, no início dos anos 90, as revistas de cinema falavam com maldade que ela estava engordando muito, creditando o fato a fracassos de seus filmes. Isso não interessa muito, porque a idolatria por divas do cinema tem pouco a ver com seu cotidiano. O que transtorna é a sua foto, que mostra uma mulher de 50 anos mas aparentando bem mais, prematuramente envelhecida.

Pessoas como Kathleen Turner deveriam ser proibidas de envelhecer. Terminantemente.

Redatores publicitários

No últimos dias tenho dado uma olhada nas comunidades sobre propaganda do Orkut. Mais especificamente, nas comunidades de redatores.

Duas coisas me chamaram a atenção. A primeira delas é o número excessivo de redatores que não sabem escrever. E não estou falando de estilo, de técnica de construção de texto: me refiro a conhecer a ortografia de sua própria língua, mesmo, a escrever uma palavra corretamente, a saber as regras mínimas de uso de vírgulas.

A outra coisa é a forma como as pessoas se atêm ao atual e esquecem a história da propaganda.

Gente como o Neil Ferreira, um dos maiores redatores que este país já viu e que há 30 anos era praticamente um deus, parece ter sido esquecido completamente em seu meio. Washington Olivetto, outro dos grandes gênios, provavelmente só é lembrado por ter sido, na década de 80, o protótipo do “publicitário ideal”, o sujeito que fez com que tanta gente, alguns sem talento ou vocação, resolvesse fazer propaganda — e por ter uma agência que, durante muito tempo, foi a melhor do país. E o Julio Ribeiro, um dos mais completos publicitários da história, é só marginalmente lembrado — e também porque tem uma grande agência, a Talent.

Os referenciais se tornam outros, menores. Isso é ruim, é o resultado de uma cultura do imediatismo entre o pessoal que sai da faculdade deslumbrado porque aprendeu alguma coisa, certamente muito mais do que aprendeu na escola.

Sinceramente: há uns dez anos não vejo uma grande onda de bons comerciais. Não falo de bons comerciais isolados, que sempre existem, mas de um período de tempo em que somos bombardeados constantemente por grandes peças, para os mais variados clientes e das mais variadas agências. A maior parte é o arroz com feijão que necessariamente faz o dia-a-dia de uma agência.

Grande parte disso, claro, vem da crise por que passa o mercado. Crise que não é só conjuntural, mas estrutural. Dizem que o negócio da propaganda está mudando, e ninguém sabe direito para onde vai.

Mas grande parte, também, se deve à falta de preparo do pessoal que sai das faculdades. Um pessoal que não lê, que não conhece o mundo — que não observa as pessoas, como diz a Tata. Gente que é seduzida pelo mundo da propaganda pelo glamour que ela parece ter, e que ainda não sabe que a segunda maior conta de qualquer agência chama-se “Refação” — a atividade extremamente frustrante de refazer uma peça até o cliente ficar satisfeito. Geralmente isso significa “torná-la pior até atender ao padrão asinino do cliente”.

O resultado é o que chamo de Síndrome do Marcello Serpa: uma indústria que se especializou em anúncios com uma imagem interessante, um título engraçadinho e duas linhas de texto. Ou em comerciais com uma piadinha no final. Dizem que é porque as pessoas não lêm mais. Se isso for verdade, o que você está fazendo neste blog?

(Nada contra o Serpa, um publicitário — no mais amplo sentido da palavra — absolutamente brilhante, um dos maiores diretores de arte da história da propaganda brasileira; mas eu sinto falta de uma Síndrome do Neil Ferreira, de gente que sinta prazer em escrever.)

O que me preocupa nisso é que a publicidade tem uma tendência grande a se alimentar de si mesma; e quando o alimento se torna escasso, cedo ou tarde vem a morte por inanição.

Relendo o Diário de Bordo

Embora o único cearense (oi, Sergio!) a comentar aqui tenha concordado com a minha avaliação meio dura de Fortaleza, recebi alguns comentários privados que mostravam uma certa revolta com a minha óbvia má-vontade para com o Ceará.

Não acho que seja sem razão, embora aquilo fosse só uma generalização, o que quer dizer que é cheia de exceções e claramente parcial.

O Ceará teve o seu momento de glória. A Guerra de Secessão americana fez a economia do Estado, baseada no algodão, dar um salto; e com crescimento econômico sempre vem algum desenvolvimento cultural. Mas durante a maior parte do século XX ele simplesmente se arrastou. Um dos maiores palavrões por lá é “bicudo”, nome da praga sobre cujas costas jogam a culpa por não terem acompanhado a evolução tecnológica da produção têxtil.

Tem uma história bonita, também. É conhecido como Terra da Luz por causa do Dragão do Mar, um jangadeiro que transportava escravos fugidos. Libertou os escravos antes da Lei Áurea. E foi palco de casos engraçados como, durante uma época de indignação nativista, algumas famílias terem adotado nomes “legitimamente brasileiros”, como Pessoa Anta.

O Ceará é um Estado como vários outros. E, como eles, tem qualidades e defeitos. O fato de eu prestar atenção aos defeitos não quer dizer absolutamente nada.

Racismo
Pode ser só impressão, mas sempre me pareceu que os cearenses tinham um certo orgulho excessivo em ter poucos negros no Estado.

Prezam a brancura da pele como um valor absoluto. O detalhe é que a pele do cearense é naturalmente escura; não poderia ser diferente com um sol daqueles e com tanto índio em sua composição genética. Mas eles querem negar a si mesmos, e o fazem independente da realidade.

O exemplo mais patético que conheci foi o de um sujeito com a pele bem escura, cabelo “ruim”, que alardeava o seu racismo pelos quatro cantos. Acreditava, pelo visto, que o escuro de sua pele vinha dos índios, não de negros. E não parecia perceber que, visto a uma distância superior a 3 metros, ele era só mais um “neguinho” como aqueles que desprezava. Com o agravante da cabecinha chata socada em um corpo pequeno e gordo, que dispensava o luxo de um pescoço.

Arquitetura
Fortaleza, claro, tem muitas coisas bonitas. O Passeio Público oferece uma vista quase comparável à do Belvedere da Sé, em Salvador, mesmo com suas putas em fim de carreira. Há prédios bonitos espalhados pela cidade, principalmente neo-clássicos — inclusive a antiga Associação Comercial, que fica em frente ao Passeio: afinal, aquela é uma área de comércio.

Mas hoje é uma cidade que enterra suas tradições em busca de um ideal sulista. É um desejo que, a propósito, não é exclusivo de Fortaleza.

O Rio de Janeiro em sua melhor fase quis ser Paris. Se você vier do centro em direção à Zona Sul, por exemplo, preste atenção ao terceiro (ou quarto, não lembro) edifício depois do Hotel Glória (pelo Aterro; pela praia não dá para ver direito). É um exemplo dessa fase; e é naquela cobertura, que busca imitar as mansardas parisienses, que eu gostaria de morar. Depois, durante o Estado Novo, a arquitetura pública da cidade passou a ter nítida inspiração alemã, mas que a mim parece mais novaiorquina. Foi o começo da decadência da cidade, que já tinha perdido a primazia econômica para São Paulo. Um breve momento de luz em que Niemeyer deixou pequenas marcas, e então veio a degradação mais abjeta: hoje, a cidade mais bonita do Brasil quer ser Miami.

Se o desejo de ser algo que julga imediatamente superior não é uma singularidade fortalezense, a indignação diante de quem quer que fale isso é típica de cidade pequena. Por exemplo, escreva “Aracajú” diante de um sergipano e ele vai se revoltar diante da sua ignorância, e se achar superior a você porque ele pode morar em um cu-de-mundo, mas sabe ortografia. Cidades pequenas costumam ter problemas de auto-estima; e em muitos aspectos, Fortaleza ainda é uma uma delas.

A inteligência cearense
Acho o povo burrinho, sim; não apenas se conformam com a mediocridade, mas vêm méritos nisso. Além disso, nunca tinha visto tantos analfabetos numa capital. Mas não dá para esquecer que a cidade produziu alguns gênios, mais que a maioria das outras cidades do Nordeste. Que produz até hoje, aliás. Uma coisa não invalida a outra, e não é por ter grandes nomes que o povo em geral fica mais letrado ou mais inteligente.

Cabeças chatas
Acho que tenho todo o direito do mundo de falar das cabeças chatas dos cearenses.

Minha filha é cearense. E foi um bebê bonito.

Quando saíamos com ela, as pessoas paravam para comentar. Mas não falavam de sua beleza, nem do olhar inteligente que ela sempre teve.

— Olha que cabeça linda!

Eu não resistia: “É que ela é metade baiana, sabe?”

O problema com as cabeças chatas não é meu. É dos cearenses. Nem todos os cearenses são assim, claro. Mas esse é um tipo bem representativo do povão — aquele pobre, que pega ônibus, que fala com sotaque mais carregado e que é o único que me importa.

Finalmente, eu gosto da cidade. Nunca me senti em casa como me sinto em Salvador, no Rio ou mesmo em Aracaju; mas é uma cidade agradável. Apesar de achar — e falem o que quiserem — que Canoa Quebrada é uma fraude.

O fim de Ronaldinho

Para ninguém dizer que a internet não tem memória, o no.com.br, pai do atual nominimo.com.br, mesmo depois de anos desativado mantém online seus arquivos — e essa é uma das coisas mais louváveis já vistas.

Foi graças a esses arquivos que pude achar, novamente, um artigo de João Wady Cury intitulado “O fim de Ronaldinho“, publicado em 29/11/2001.

Eis o primeiro parágrafo:

Ronaldinho acabou. Aquele rapaz mirrado, que saiu do subúrbio do Rio e acabou ganhando fama e fortuna a partir de sua carreira no Cruzeiro, de Belo Horizonte, não existe mais. Pior que isso, vive da benevolência de repórteres esportivos hipócritas, que a cada dia criam mais um motivo de esperança para a volta aos gramados daquele que um dia foi craque. Ronaldinho é hoje um ex-craque e deveria pelo menos ter coragem de encarar isso de frente, da mesma forma como enfrentava implacavelmente seus marcadores. Quem sabe até Ronaldinho devesse se propor a fazer uma declaração pública para dizer com todas as letras: “Eu acabei. Eu não existo mais, nem quero mais saber de futebol. Me deixem em paz. Quero levar minha vida jogando golfe, aparecendo nas fotos da revista Caras nas praias da Europa e ser reverenciado como personalidade, um verdadeiro pop star – e não mais ser reconhecido como um jogador de futebol”.

Vale a pena ver também a resposta de Léo Jaime a esse artigo.

João Wady Cury vai passar à história como o autor das linhas mais infelizes já escritas sobre o futebol.

Sinonímia

Puta
n substantivo feminino
Uso: tabuísmo.
1 m.q. prostituta
2 Uso: pejorativo.
qualquer mulher lúbrica que se entregue à libertinagem

Sinônimos:
alcouceira, andorinha, bagaço, bagageira, bagaxa, bandarra, bandida, barca, bebena, besta, biraia, bisca, biscaia, biscate, bocetinha, bofe, boi, bruaca, bucho, cação, cadela, cantoneira, caterina, catraia, china, clori, cocote, coirão, cortesã, courão, couro, cróia, croque, cuia, culatrão, dadeira, dama, decaída, égua, ervoeira, fadista, fêmea, findinga, frega, frete, frincha, fuampa, fusa, galdéria, galdrana, galdrapinha, ganapa, horizontal, jereba, loba, loureira, lúmia, madama, madame, marafa, marafaia, marafantona, marafona, marca, mariposa, menina, meretrice, meretriz, messalina, michê, michela, miraia, moça, moça-dama, mulher-dama, mulher-solteira, mundana, murixaba, muruxaba, paloma, pécora, pega, perdida, perua, piranha, piranhuda, pistoleira, piturisca, prostituta, quenga, rameira, rapariga, rascoa, rascoeira, reboque, rongó, solteira, sutrão, tapada, tolerada, transviada, tronga, vadia, vaqueta, ventena, vigarista, vulgívaga, zabaneira, zoina, zorra; e as loc.: mulher à-toa, mulher da comédia, mulher da rótula, mulher da rua, mulher da vida, mulher da zona, mulher de amor, mulher de má nota, mulher de ponta de rua, mulher do fado, mulher do fandango, mulher do mundo, mulher do pala aberto, mulher errada, mulher perdida, mulher pública, mulher vadia etc.

Vulgívaga. Vulgívaga é um belo nome.

O fundamentalismo nas Laranjeiras

Ia escrever um post sobre a atitude de Rosinha Matheus ao ofender o Zé Eduardo Dutra (que, levando-se em consideração seu temperamento, foi extremamente educado em sua resposta) no caso das plataformas da Petrobras.

Um jornalista sergipano, no entanto, escreveu sobre o assunto antes e melhor do que eu poderia, na edição de hoje do Jornal da Cidade:

A MULHER QUE SURGIU MESMO DAQUELA COSTELA DE ADÃO
Luiz Eduardo Costa

Nas escolas do Rio de Janeiro, por determinação da lúcida, iluminada governadora Rosinha Garotinho, trevosos professores fundamentalistas ensinam que a raça humana descende mesmo de Adão e Eva, e que a mulher surgiu a partir de uma costela retirada daquele que foi o primeiro homem.

Esses mitos sobre a criação do universo e o surgimento do homem existem em todas as culturas, e são belíssimos alguns deles, recolhidos das histórias contadas e recontadas pelos nossos índios, que chegaram aos ouvidos atentos de indigenistas ou antropólogos dedicados a investigar hábitos e costumes das tribos em processo de extinção. As diversas religiões do mundo incorporaram esses mitos, em alguns casos até como forma um tanto poética de explicar a criação, como por exemplo nos livros dos Vedas e dos Upanishads dos hindus, ou na Bíblia dos cristãos, no Corão dos muçulmanos, no Torá dos judeus.

A própria Igreja Católica não se atrita mais há muito tempo com as teorias científicas que buscam explicar o universo e o ser humano, entendendo que o essencial é a crença em um Ser Supremo, que para alguns seria o Deus criador, para outros até a sublime harmonia da mecânica universal. Deus é algo assim intuitivo para o ser humano, pequeno e assustado como Blaise Pascal diante da imensidão do universo. Um grande teólogo e religioso católico, Teilhard de Chardin, deu valiosíssima contribuição às ciências do homem e do universo.

Em qualquer escola onde o pensar não seja proibido, nenhum professor iria ousar impor aos alunos a crença de que a mulher saiu de uma costela de Adão, ou a maçã devorada seria o fruto proibido do pecado que levou a raça humana a perder o paraíso. As igrejas cristãs preferem hoje entender e interpretar a Bíblia à luz da constatação de que os textos são antiqüíssimos, e contêm narrativas que incorporam lendas e mitos. Isso não se faz em detrimento do valor e da importância do livro maior dos cristãos.

O fundamentalismo é algo trágico, retrógrado, resultante daquele clima de ignorância, ódio, vingança, dominação e medo, nascido lá no fundo dos séculos mais tenebrosos da História humana.

O fundamentalismo, ou seja, aquela forma rígida, sem imaginação, sobretudo inculta de interpretar textos sagrados, responde pela intolerância, pela cegueira do ódio que movem vários grupos religiosos pelo mundo a fora. O fundamentalismo chega ao Rio de Janeiro por obra e graça, ou desgraça, de um casal funesto, os Garotinhos, ele hoje secretário da baderna da segurança pública, ela governadora, todos entronizados, talvez, pela forma equivocada como historicamente os eleitores fluminenses têm escolhido os seus representantes.

A teoria da evolução das espécies está definitivamente vetada nas escolas cariocas. A governadora Garotinho não quer ouvir falar em “struggle for life”, a luta pela sobrevivência das espécies que levou à prevalência dos mais aptos, e desceu das árvores o primata para, andando, definir as funções precisas de pés e mãos, tornar-se humanóide, e conquistar o mundo.

Isso é heresia feia, coisa de inimigos da fé, teoria de excomungados, hereges, que somente escapam da fogueira expiadora das culpas porque, felizmente, os Garotinhos não conseguiram ainda empalmar o poder dos Inquisidores. Mas que eles têm uma enorme vocação para Torquemadas, disso dão provas todos os dias.

Talvez tudo isso explique aquela atitude intolerante, arrogante, deseducada, da governadora Garotinho, ao protestar porque não recebeu da Petrobras o privilégio de ter construídas no Estado todas as plataformas marítimas, como se existisse somente na federação brasileira um único integrante a ser beneficiado. O Rio ficou com mais de setenta por cento das obras que vão ativar estaleiros que estavam parados, empregar milhares de pessoas. Mas a governadora, fundamentalista, intransigente, não aceita que parte das plataformas seja construída também na Bahia, no Espírito Santo, em São Paulo, no Paraná, Estados que têm metalúrgicas paradas ou trabalhando com enorme capacidade ociosa, e também enfrentam o problema do desemprego.

Faz parte do fundamentalismo essa visão unilateral das coisas.

Mas, de qualquer forma, a governadora Garotinho é, ela mesma, a própria demonstração viva, a prova irrefutável de que a mulher, pelo menos no seu caso, saiu mesmo da costela de um homem.

Como o modelo original não era lá essas coisas, o resultado é o que se vê.

James Ellroy

O Miguel citou o James Ellroy como autor noir.

Aqui devo confessar minha ignorância e meu preconceito. Ignorância porque conheço nada do sujeito; preconceito porque, em princípio, olho meio atravessado para qualquer autor que tenha começado a publicar a partir da década de 60.

Antigamente eu lia, muito, e até tinha alguns em alta conta. John D. MacDonald, por exemplo, era um daqueles em que fiquei viciado aí pelo começo dos anos 90. Começou com dois livros publicados pela Companhia das Letras (vendidos a preço de banana numa liquidação da Gutemberg, em Niterói) e prosseguiu em uma série de pocket books achados em sebos.

(Gosto de livros como objetos, principalmente, e prefiro edições bem acabadas. Mas livros policiais são o único caso em que prefiro livros de bolso.)

Acho que no quarto eu já não agüentava mais. Porque era sempre a mesma história, com a mesma estrutura. É provavelmente o que mais me irrita em um escritor noir: quando o “esquematismo” extrapola a construção dos personagens e passa descaradamente para a estrutura da história. Por exemplo, um livro do John D. MacDonald com Travis McGee em seu barco quando aparece uma oportunidade de ganhar um bom dinheiro ajudando alguém. Ele chama seu amigo economista, Meyer, e ambos começam a investigar. Aparece então uma mulher maravilhosa que terá um caso com McGee. No final, crime solucionado, a mulher vai embora.

É isso que acaba um escritor noir para mim. É por isso que coloco Ross MacDonald lá atrás na Santíssima Trindade: seus livros muitas vezes têm um impostor como parte fundamental da trama (o que é melhor que Agatha Christie, que sempre tem um impostor que não sabe o seu lugar na sociedade inglesa; é uma das razões menores entre as que me fazem detestar a velha dama indigna). O que o torna grande é a dimensão psicológica que têm seus personagens e a perspicácia ao adaptar a estrutura do noir aos EUA dos anos 60 (se eu fosse recomendar um livro de MacDonald, entre os que li, recomendaria “O Inimigo Imediato”, o que melhor condensa suas qualidades).

Mas o comentário do Miguel me deixou curioso. Assim que achar um livro do sujeito, eu dou uma olhada.

Manifesto contra a escola pública

Sempre que falo isso sou praticamente apedrejado, mas o fato é que sou contra a escola pública.

Não falo da idéia de educação pública, em que o Estado utiliza os recursos provenientes de impostos para providenciar, de alguma maneira, educação aos seus constituintes. Falo do sistema utilizado. Acho que ele simplesmente não funciona.

Há muito tempo acho que um método melhor que construir escolas, pagar professores e contratar funcionários seria um sistema de vouchers. O governo dava um para cada pessoa em idade escolar e ele que se virasse para escolher a sua escola. Se quisesse uma muito cara, que complementasse o voucher.

E como já vi em alguns Estados onde a competição no setor educacional é muito grande, não demoraria a surgirem melhores escolas com preços mais baixos. Competição é isso.

A idéia parece, a muita gente, uma heresia ultra-liberal. Por confundirem a obrigação do Estado de dar educação com a obrigação de construir e manter escolas, não olham realmente para o sistema educacional, e definem soluções partindo de premissas viciadas e falsas.

É bonito falar na dedicação e no sacrifício dos professores públicos, mas a verdade é que a maioria é preguiçosa, incompetente, mal preparada e mal paga ao extremo. Por outro lado, também é fácil colocar toda a culpa nas costas do Estado e dizer que “professor não tem dinheiro para comprar livro”; mas ele tem para tomar sua cervejinha no final de semana — e quando eu não tinha dinheiro para comprar livro eu ia à biblioteca ou pedia emprestado.

Quem conhece o ensino público sabe o caos que é aquilo. É pior no Nordeste, mas a situação se repete em maior ou menor grau em todo o país. Dia desses, vendo uma reportagem sobre professores de Sergipe em greve, assisti a uma velha que mal conseguia articular palavras deitando um palavreado incompreensível. Aquela mulher está em sala de aula. E certamente está prejudicando as chances de (se ela dá 8 aulas por dia, 5 dias por semana, de uma matéria como matemática) 320 alunos, todo ano.

Que me desculpem a crueldade, mas do ponto de vista social é melhor sacrificar essa senhora do que comprometer o futuro de tantas crianças e adolescentes.

Mas ela não pode ser demitida porque é funcionária pública e tem estabilidade. Isso leva a situações como um diretor de escola pública não poder sequer transferir um professor odiado e desprezado pelos seus alunos — sei de pelo menos um caso de professor clinicamente esquizofrênico que continua em sala de aula. O Estado tem que aturar milhares de pessoas sem a mínima capacidade de lecionar, porque a alternativa à estabilidade do servidor público é ainda mais aterrorizante.

(E sim, há muitos casos de grandes professores na rede pública. Muitos, mesmo. Gente interessada, dedicada, que ama o que faz. Mas percentualmente são minoria.)

O que se tem é um círculo vicioso em que professores mal preparados formam outros professores mal preparados, que recorrem à carreira no ensino público como um meio desesperado de ganhar a vida. Esqueça aquela conversa sobre a nobreza do magistério, aquele papo de sacerdócio, porque ser professor numa escola pública no Brasil, hoje, em termos de status social é apenas um pouco melhor que ser empregada doméstica. Não conheço nenhum adolescente que queira ser professor quando crescer.

Quaisquer soluções apresentadas que respeitem esse quadro, que não impliquem uma ruptura, não resultam em nada. Porque o governo não pode demitir seus professores incompetentes, porque não tem de onde tirar dinheiro, porque não sabe sequer por onde começar.

Quando você pergunta a qualquer professor da rede pública sobre a situação, ele é o primeiro a falar que é gravíssima, e normalmente aponta seus colegas como grandes responsáveis. Mas, se consegue apresentar uma solução, é parcial e paliativa, porque não mexe na estrutura das coisas.

Daí a minha sugestão de acabar com essa palhaçada de eternas discussões que não chegam a lugar nenhum e passar à sociedade a responsabilidade por sua educação.

As escolas existentes poderiam ser transformadas em cooperativas dos professores. E, se conheço alguma coisa do gênero humano, sou capaz de apostar que a leniência que muitos professores demonstram hoje acabaria imediatamente; uma coisa é ser complacente quando isso não afeta, imediatamente, o seu salário. Outra é quando o seu está na reta.

A idéia de que “o ensino público já foi excelente e pode voltar a ser” é falsa, porque se refere a uma época em que ele era elitista e dirigido basicamente a uns poucos ricos — muito mais que as universidades federais de hoje. Além de uma série de eventos como o USAID, a decadência do ensino público é conseqüência direta de sua massificação em um país pobre que nunca teve o bem estar do povo como seu principal objetivo.

Não se trata de simplesmente privatizar a educação pagando a escolas particulares para desempenhar o papel das escolas estatais — até porque, como tudo que gera intimidade demais entre público e privado, ia acabar em roubalheira –, mas de deixar nas mãos do cidadão a responsabilidade pela escolha da escola de seu filho. O voucher evitaria que o dinheiro fosse transformado em comida ou cachaça, mas ao mesmo tempo deixaria a autoridade nas mãos do principal interessado.

Na verdade, isso já é feito. Em Aracaju, por exemplo, as escolas públicas que oferecem o antigo curso primário estão às moscas. Sobram vagas, as salas estão vazias. Porque os pais preferem matricular seus filhos em escolinhas de bairro, normalmente com o mesmo baixo nível, porque é financeiramente mais compensador e porque acreditam que assim estão dando uma educação melhor aos seus filhos. Mas continuam pagando os impostos que financiam as escolas que eles mesmos rejeitam, e assim pagam duas vezes por algo que não vão utilizar.

Que se acabe logo com a hipocrisia e com as defesas veladas de interesses corporativos e se trate logo de tomar uma providência realmente efetiva.

***

E já que é para ser impopular, e já que o post está gigantesco, eu também acho que a universidade pública deveria cobrar de quem tem dinheiro. Matrículas deveriam ser acompanhadas da declaração de renda do responsável. Quem pode pagar, paga, e ajuda a financiar a universidade dos menos aquinhoados. A cobrança dos endinheirados ajudaria a expandir as vagas para os duros — com direito a cotas e tudo o mais que for necessário para diminuir o desnível social absurdo deste país.

E quem não tem dinheiro, em vez de ser tratado como coitadinho, pagaria o seu curso com um período de serviços públicos. É muito melhor que o crédito universitário destinado a enriquecer donos de faculdades particulares. Melhor para os pobres, também, porque pelo menos por um período os recém-formados teriam emprego garantido, ainda que pagando pouco. Eles teriam mais tempo até se tornarem um problema social.

Quando vejo universitários gritando pela universidade pública e gratuita, tenho certeza de que a maior parte está lutando pelo direito das classes média e alta de estudarem de graça, subsidiados pelos pais dos pobres que, no máximo, conseguirão entrar em uma faculdade particular.

A matemática é simples, e pode ser vista comparando-se os filhos de um empresário e de um gari. O empresário sonega impostos e seu filho estuda nas melhores escolas. O gari, que não sonega nada porque não pode, deixa o seu filho na escola pública do bairro. Na hora do vestibular, o filho do empresário vai fazer medicina na USP ou UFRJ, que são financiadas pelos impostos do gari; por sua vez o gari vê o seu filho resignando-se a sonhar com cursos como física (onde alguns entram e nenhum sai) ou com um curso qualquer nas Estácio da vida. Na melhor das hipóteses.

Fiz direito numa universidade federal e nenhum dos meus colegas vinha de escola pública. Todos, no entanto, defendiam a universidade pública e gratuita para todos. E alguns chegavam a dizer que para conquistar esse privilégio tinham gasto muito dinheiro em escolas particulares.