Boyz N The Hood

O cinegrafista prepara a câmera para filmar uma passeata no centro de Aracaju.

Um menino de rua de seus 11 anos, gordinho, fica parado em frente a ele, com expressão séria.

“Ô, guri, sai da frente.”

“Você não vai filmar aqui, não.”

O cinegrafista suspira e se volta para o outro lado, esperando que o menino se canse e ele possa trabalhar em paz.

“Você filma o lado de lá. Mas desse lado você não filma.”

O lado bom de Jayson Blair

Tenho cá minhas dúvidas quanto à malignidade de Jayson Blair, o repórter que causou uma crise no New York Times por ter inventado boa parte das histórias que publicava.

Não se trata aqui de parâmetros internos do jornalismo. Para um jornal a meta tem que ser a melhor reportagem de maneira absolutamente verídica. Isso não está em consideração.

Mas boa parte da crítica sobre Blair veio de gente que não tem nada a ver com jornalismo. Gente que se sentiu enganada e traída porque uma reportagem que provavemente não leram não era restrita à mais absoluta verdade, checada e confirmada. E esses talvez estejam se apegando demais a um parâmetro que na verdade lhes diz muito pouco.

Por exemplo, imagine uma reportagem sobre alguma coisa relativamente pouco importante na numa vila perdida no interior do Butão. É só uma história de cunho humano; digamos, uma família e sua luta para sobreviver diante de um fato específico e restrito ao lugar, o que talvez seja incompreensível se você não mora no Butão.

Isso não vai mudar sua vida. Você, provavelmente, vai esquecer os detalhes da matéria assim que virar a página da revista. Você não vai tomar nenhuma decisão em função da miséria de uma família butanesa. Nada de ruim vai acontecer em sua vida por causa dessa reportagem. Então, por que se preocupar se o sujeito realmente foi lá e entrevistou a tal família ou algumas outras pessoas?

Mas uma história bem escrita, com alguma imaginação, pode lhe ajudar a pensar melhor sobre o mundo em que se vive. Lembre-se de quando era criança: a África e Tarzan e do Fantasma, imaginária e irreal, lhe interessava mais ou menos do que a África dos tutsis e dos hutus?

Uma cena imaginada pode ser mais verdadeira do que uma real, porque pode alcançar alturas que a realidade raramente atinge. Principalmente porque, por ser imaginária, não precisa deixar de ser verdade.

Não sei se era Marx ou Engels que dizia ter aprendido mais sobre a França da primeira metade do século XIX com Balzac do que com livros de história. A ficção pode dar uma dimensão maior às coisas, disso ninguém tenha dúvida. E pode ajudar a compreender a realidade, no que é realmente importante, de uma forma muito mais completa que uma noticiazinha escrita sem nenhum brilho.

carreirasolo reloaded

O carreirasolo, um dos blogs mais interessantes da blogosfera nacional, mudou. O endereço é www.carreirasolo.org.

O carreirasolo traz uma série de dicas para o pessoal que, como o título avisa, se aventura na carreira as vezes doce, às vezes amarga — mas sempre difícil — do que os americanos chamam de free agent.

Pessoalmente, acho que vale também para quem tem um emprego certinho.

Afinal, nunca se sabe.

Maluquices

Só atualizando: o Fred Silva publicou nos comentários um link para um fotolog com fotos da tal “louca dos shoppings”, que já tem um nome: Velha Punk. Como disse a Isadora, é a cara do Michael Jackson. Mas seu sorriso triste é mais simpático. Outra diferença é que ela parece ser consumista demais para ser comunista, ou seja: não come criancinhas.

E o blog vai sair, sim, Reginaldo. Só não agora, por absoluta falta de tempo. Mas no começo de outubro, no máximo, ele está no ar. Eu acho uma boa idéia, o mais perto que eu consigo chegar da poesia.

Tata, que tal fazer um favor a este seu eterno apaixonado e dar de presente um layout para o blog?

Carlos Zéfiro e eu

Em 1981 um sujeito foi até a agência onde meu pai trabalhava.

Era ilustrador e tinha uns 50 anos. Havia trazido algumas peças, e tinha carinho especial por um jornal ilustrado, ou algo parecido, que estava tentando lançar e cuja boneca trazia consigo. Talvez trouxesse outras coisas de que não me lembro. Eu dormia às 8 da noite, e já tinha dormido em algum canto quando ele chegou. Acordei umas duas horas depois.

Eu tinha 10 anos, e naquela noite aprendi muitas coisas. Uma de suas histórias era sobre um pracinha brasileiro que, na Itália da II Guerra, sofria de “paúra” — foi quando li a palavra pela primeira vez. A capa do seu jornal trazia um alferes Joaquim José da Silva Xavier jovem, bonito, barbeado. Ele explicou que a iconografia tradicional de Tiradentes era uma mistificação, que por ser alferes Tiradentes seria necessariamente enforcado com a barba feita, em respeito à honra e hierarquia militares. Sua barba, seus cabelos longos eram apenas a tentativa da história oficial de aproximá-lo de Cristo e criar um herói nacional de caráter semi-divino e inspirador.

Pelo que consigo lembrar dele, o sujeito era um grande desenhista, de traço acadêmico, mas extremamente sólido. Pertencia a uma geração em que o respeito à anatomia e ao desenho, ao detalhe, eram fundamentais; uma época em que artistas primeiro aprendiam a técnica para só então se aventurarem a quebrá-la. Os que conseguiam transcender se tornavam estrelas; os que não conseguiam se restringiam à batalha cotidiana.

Mais tarde foram comer algo num restaurante que ficava no térreo do edifício Sulacap, na praça Castro Alves. Àquela hora, madrugada avançada, eu estava em um novo mundo. E sempre aprendendo: ele falaria que tatu transmite lepra, coisa de que jamais esqueci.

Depois daquela noite eu nunca mais veria o sujeito. Ele não conseguiu os freelances que queria, e eu só não esqueceria dele porque, afinal, tinha aprendido muito naquelas poucas horas.

10 anos depois, a Playboy trazia Ísis de Oliveira na capa e, no miolo, uma matéria revelando a identidade de Carlos Zéfiro. Era um funcionário público e co-autor de alguns sambas, como “A Flor e o Espinho”, chamado Alcides Caminha.

Junto com o furo de reportagem ela trazia outra, desta vez não tão interessante: um baiano tinha tentado aplicar um golpe na revista se dizendo passar por Carlos Zéfiro. Mas a revista foi avisada a tempo e revelou a fraude que tinham tentado lhe aplicar. O engraçado é que o sujeito tinha um traço infinitamente melhor que Carlos Zéfiro. Mas, infelizmente — embora tenha provavelmente desenhado algumas histórias pornográficas –, não era Zéfiro.

E minha mãe, ao ver o nome do sujeito, comentou comigo: “Você lembra dele, Rafael? Ele foi uma vez na agência, atrás do seu pai.”

A canalhice da Telemar

Ontem cancelei minha conta na Globo.com. Migrei para o Fácil, que oferecia acesso DSL gratuito. Estava esperando apenas transferir os textos do meu blog antigo.

A exigência de provedor para o Velox é uma excrescência canalha, feita para roubar o usuário. A rede utilizada é a da Telemar, e a exigência de autenticação por um provedor é só uma maneira imoral de garantir os lucros dos provedores. Você paga uma fortuna por um serviço que dura, se tanto, dois segundos. E se você não desconectar o computador, paga por um serviço que não utiliza hora nenhuma.

Hoje, há alguns minutos, a Telemar simplesmente cortou o meu acesso. Sem aviso. E só depois de me deixar esperando horas no suporte técnico do Velox me explicaram que eles haviam rescindido o contrato com a Fácil.

De repente, eu fiquei sem internet banda larga.

Certo.

Adorei.

Adorei ainda mais porque, por outro lado, quem usa o Velox Empresarial não precisa de provedor. É autenticado diretamente na Telemar. E por algum erro daquelas sumidades, o mesmo número de usuário e senha (especificamente o número da linha) pode ser utilizado por duas pessoas diferentes, em duas linhas diferentes, ao mesmo tempo. E parece que a Telemar não tem como corrigir esse problema.

O que mostra que a canalhice legal é pior do que parece.

Peter Parker

Peter Parker é um poodle, mas não sabe disso.

Talvez a culpa seja de minha sobrinha. Desde que ele chegou, ela o pegava no colo como um bebê — e é provavelmente daí que vem a sua incapacidade de saber que é um cachorro.

Peter não gosta de dormir em sua cama; prefere o chão, no verão, ou um sofá ou poltrona, no inverno. Tampouco dorme enrolado sobre si mesmo como outros cachorros: se estende no chão, às vezes com a cabeça sobre um dos braços esticados, como uma pessoa faria.

Acima de tudo, Peter é um encostado. Literalmente. Se senta e se recosta na parede, porque assim é mais fácil de enfrentar a vida. É assim qeu ele olha para casa aprendendo os seus mistérios, aprendendo a conhecer as pessoas. Desconfio que Peter seja baiano. Gosta de travesseiros, e de bonecos de de pelúcia. Como qualquer outra criança de um ano.

Peter tem alguns problemas de adaptação ao mundo. Quando passeia, não costuma olhar para outros cachorros — e quando olha é com a mesma curiosidade que se vê em seus donos. O senso de territorialidade não lhe é exatamente inerente, e ele não faz a mínima questão de marcar sua área a partir de postes e muros. Ao passear prefere olhar o mundo.

Enquanto escrevo isto ele está deitado na porta, olhando para fora, como se estivesse me protegendo. Deve ser porque, no fundo, há ainda um senso canino dele. Por alguma razão que nunca vou poder explicar, Peter gosta de mim. Às vezes vem até aqui e arranha meu braço, pedindo um cafuné. Ele não sabe que eu detesto cachorros.

Ou, o que é mais provável, sabe, sim. Mas ninguém jamais o convencerá de que ele é um poodle.

Please please me, I can't get no satisfaction

Durante muito tempo achei que a canção mais revolucionária da tal swinging London era Satisfaction. A principal razão era a letra:

When I’m driving in my car
And a man comes on the radio
He’s tellin’ me more and more
About some useless information
Supposed to fire my imagination
(…)
When I’m watching my TV
And a man comes on and tells me
How white my shirts could be
But he can’t be a man ‘cos he doesn’t smoke
The same cigarettes as me
(…)
When I’m riding ’round the world
And I’m doing this and I’m signing that
And I’m trying to meet some girl
Tells me “Baby better come back maybe next week,
‘Cos you see I’m on a losin’ streak”

É praticamente um sumário da revolução de costumes dos anos 60, mais forte na Inglaterra que em qualquer outro lugar. Gosto mais dela que de My Generation, por ser menos óbvia, mais irônica. Mais que o conflito de gerações expressa da maneira mais explícita possível na música do Who, Satisfaction trata demonstra esse conflito incidentalmente, enquanto mostra o que realmente incomodava aquele pessoal: a incapacidade de aceitar os valores impostos pela geração anterior e aquela desgraçada que se recusa a dar porque está menstruada. I can’t get no girly action.

Acho que por isso demorei a entender que revolucionária, mesmo, era Please Please Me, dos Beatles.

Não é a letra que importa em Please Please Me. Ela é só uma brincadeira disfarçada sobre sexo oral — please please me, like I please you, da maneira domesticada como os Beatles sempre falaram as coisas. Havia um comedimento natural na forma como eles se expressavam que impedia que suas letras, grosso modo, tivessem a ressonância de um Bob Dylan, por exemplo.

O que há de revolucionário na canção é o ambiente sonoro que ela cria. Toda a música pop inglesa deriva de Please Please Me, nesse aspecto. E nisso até mesmo Satisfaction, agressiva, franca, deve muito a ela. Ali, os Beatles inauguraram a música que, depois de tomar de assalto os Estados Unidos, definiria os caminhos do pop de todo o mundo. A música popular não seria mais a mesma, e não pode haver revolução maior que essa.

Satisfaction, se ainda é uma das melhores canções da história do rock, é menos a deflagadora de uma revolução musical do que a crônica, acurada e brilhante, de uma situação já consolidada. O que não é pouco, nem de longe.

E isso leva a uma conclusão tão óbvia que quase me envergonho de assumir que demorei a tirar: não eram as letras. Era a música.

Balada do Louco

Os comentários maravilhosos sobre os loucos nossos de cada dia me deram uma idéia.

Um blog aberto, em que qualquer pessoa pudesse postar suas próprias histórias de loucos. São narrativas ao mesmo tempo doces e engraçadas. Ou pelo menos enviá-las por e-mail. Um blog sem data, porque a loucura é atemporal. E sem dono, porque pertence a cada um dos que contam as histórias.

O primeiro nome que me veio à cabeça foi Balada do Louco. Porque todas essas histórias, juntas, formam uma daquelas baladas antigas, longas e cheias de peripécias.

É uma boa idéia? Alguém tem sugestões a dar?