Marketing político

Augusto Nunes em nominimo:

Como os jornalistas, como os advogados, como todos os cidadãos, também a turma do marketing político precisa entrar na roda. Pode um publicitário alugar a cabeça ao candidato que sabe não ser o melhor, que não mereceria seu voto, mas ofereceu vantagens financeiras inacessíveis ao concorrente a quem sobram virtudes mas faltam verbas? O pessoal do marketing político está à margem da ética? Leva quem paga mais? Perguntas desse gênero pedem, aos gritos, respostas imediatas.

O Augusto Nunes faz boas perguntas, mas faltam algumas: eu, por exemplo, queria saber se médicos só devem cuidar de pessoas que admirem, se dentistas só devem obturar dentes de gente em quem acreditam (sem contar aqueles do SUS que simplesmente arrancam os cacos cariados dos que não podem pagar o amálgama), se engenheiros só podem construir casas para pessoas que amem.

Se fossem seguir esses ensinamentos, para fazer um anúncio de absorvente feminino todos os publicitários do mundo precisariam usar Sempre Livre.

A crítica do Augusto Nunes não é justa, mas para mim tem explicação. Apesar de toda a conversa sobre “imparcialidade”, jornalistas costumam assumir posturas ideológicas, tão mais firmes quanto mais firmes forem seus caracteres. Esqueça a teoria. Na prática, bons jornalistas acreditam ter uma missão, a de informar o público e, com sorte, balizar a pauta nacional. Se acostumam a ser agentes políticos, na acepção mais ampla. Por isso uma candidatura, vista da ótica deles, só pode ser defendida por quem acredite nos ideais do candidato. E parecem achar que publicidade e jornalismo são disciplinas irmãs. Não são. O jornalismo deve ser imparcial, a publicidade não. Se fosse para apenas relatar os fatos, não seriam necessários publicitários no mundo: bastaria abrir mais jornais.

Basicamente, marketing político é técnica, e técnica independe de opinião. Por outro lado, política é convencimento. Alguém precisa convencer o eleitor de que é o mais preparado para gerir o Estado ou o município, ou representá-lo no parlamento. Não cabe a um “marqueteiro” definir a política — e qualquer bom jornalista sabe bem que política é muito mais que isso. Não foi o Duda quem inventou o Pitta: foram as circunstâncias. Tudo o que o “marqueteiro” faz é traduzir o pensamento do candidato, dar uma forma atraente ao conteúdo já definido.

O curioso é que até a chegada dos publicitários, os jornalistas eram os principais responsáveis pelos programas políticos. Mas, como eu já disse, jornalismo e publicidade não são a mesma coisa. Para aproveitar tudo o que a TV tinha a oferecer, era preciso gente que conhecesse o meio; e para dar maior ressonância ao discurso do candidato, era preciso gente que soubesse fazer essa tradução. Parece que todo o engajamento de jornalistas comprometidos não era suficiente. Entraram os publicitários na história e, de repente, começaram a chover críticas sobre os tais “marqueteiros”.

Mas a cada dia me convenço mais de que a entrada de gente como Duda Mendonça e Nelson Biondi foi um dos maiores serviços já prestados à democracia.

O avanço técnico das campanhas, a melhoria do nível de qualidade deram uma contribuição imensa ao debate político. Chamou a atenção do povo. E como as pessoas passaram a assistir mais, passaram também a questionar o que viam. Se tornaram mais conscientes do seu papel, e a forma de se fazer política mudou bastante graças a esse espírito crítico, que aumentou porque os programas ficaram mais interessantes. Pelo menos no que diz respeito às candidaturas majoritárias, as pessoas votam cada vez melhor, sim.

E isso, que me desculpe o Augusto Nunes, é mérito dos “marqueteiros”. Talvez porque eles normalmente evitam compartilhar essa opinião elitista de que povo é burro. Povo, meu amigo, é quem sustenta você, seja você quem for. Ele não é burro. Como dizia David Ogilvy, “Não subestime o consumidor. Ele é a sua mulher”.

Quem acha que um mundo sem os tais “marqueteiros” seria melhor, lembre dos programas eleitorais do PSTU. É um programa sem nenhuma participação dos malditos “marqueteiros”, feito por gente que tem um compromisso ideológico muito grande com a candidatura. Vejam como foram bons, como foram longe, como convenceram mais e mais pessoas a votarem em suas propostas de não à Alca, não a isso e não àquilo. Como acrescentaram tópicos importantes ao debate político nacional. Nas próximas eleições votem neles, porque contra burguês, vote 16.

É por isso que cada dia mais vejo essas críticas dos jornalistas como um elogio, infelizmente exagerado. Eles parecem acreditar que o pessoal que faz marketing político é capaz de milagres, de ressuscitar Lázaros e curar leprosos. Não são. Mas eu é que não vou dizer isso a eles. Vou é tentar aumentar meu cachê na próxima campanha. Porque milagre custa mais caro, sabe como é.

***

Há um aspecto interessante em tudo isso. Olhando pesquisas qualitativas, salta aos olhos o fato de que são apenas as classes A e B que fazem referências aos “marqueteiros”. O tempo todo, na verdade; eles olham o programa não como se fosse do candidato, mas da equipe que o produz. Obviamente, se acham mais espertos por isso.

Feliz ou infelizmente, não são: a consciência de que os programas dos candidatos são feitos por “marqueteiros” raramente altera sua percepção do que foi dito. Podem até achar que sabem mais. Mas no fim das contas avaliam as coisas como o povão; o que influencia seu julgamento são outros aspectos, que não dizem respeito ao programa em si. E se engana quem acha que povo, as classes C e D, olha um programa eleitoral como idiotas. Ele costuma ter uma percepção acurada de suas necessidades e das propostas apresentadas, e muitas vezes surpreendem a nós, que julgamos saber quase tudo.

Nas próximas eleições, esqueça que existem “marqueteiros”. O programa não é deles, porque máquinas de escrever não escrevem livros. É do candidato. Faça como o povo, que sabe disso há muito mais tempo.

8 thoughts on “Marketing político

  1. Perfeita sua resposta, e foi uma lapada no Augusto Nunes. Achei aquele texto dele tão “jornalisticamente-arrogante” que nem terminei de ler, pra falar a verdade. Achei chato, acho muito chato esses rufares “éticos” que se ouve em quase qualquer colunista de qualquer jornal ou mesmo um mero site de internet.

    Eles se acham melhores do que todo mundo, diga-se a verdade. Se acham melhores do que gente que conhece muito mais o assunto sobre o qual escrevem. Acham que sua consciência “ética” o torna imunes a erros, mesmo com todas as críticas óbvias de todos os (numerosos) media watchers de todas as latitudes.

    Fazem-se de mocinhas ruborizadas perante qualquer coisa que cheire a “política real”, ou seja, debate, disputa, acertos, discurso finamente sintonizado, etc, etc. Editam manchetes que dizem: “política não presta, só nós podemos defender vocês”.

    Cansei disso. Toda a sujeirada da política pode ser vista com olhos lúcidos sem alguém berrando isso do nosso lado. Todo discurso falso pode ser assim entendido por aquele povão que acham que não sabe votar.

    Você devia publicar isso no Observatório da Imprensa. Não sei se seu blog é suficientemente visitado pra repercutir isso. Eles precisam ler essas coisas.

    Fiz dois anos e meio de jornalismo. Tive um ótimo professor, Lúcio Flávio Pinto, que já trabalhou no Estadão. O resto passou como se não existisse. Acabei largando e não me arrependo.

  2. Completando o comentário do Marcus Pessoa: Os jornalistas têm a possibilidade diária da crítica e podem fazê-lo em doses homeopáticas. Uma matéria com tais afirmações deve prever um direito de resposta com igualdade de condições. Advogados também têm a obrigação de dar o máximo da própria competência para livrar o cliente das acusações. Nem por isso são menos respeitados quando defendem criminosos. Talvez você tenha tocado o ponto, quando lembra que eram eles a coordenar campanhas em tempos que esperamos ser cada vez mais remotos.
    Ciao.

  3. Se o “marqueteiro” aparece muito, não é por culpa do profissional, mas por falta de consistência do candidato. Talvez o preconceito venha de o profissional de marketing fazer o papel de “advogado do diabo”. Ele tem que dourar a pilúla, apresentar bem o produto. Porém a essência do produto continua a mesma, e a população tem acuidade necessária para ver isto. Quanto a Duda ter prestado grande serviço à democracia acho exagero. Quando vende o sabão plin-plin Duda não presta serviço à saúde pública. Vende simplesmente. Abraço Rafael.

  4. A discussão é realmente boa. E esse teu primeiro parágrafo pôe as coisas de maneira bem simples, o que é ótimo. Só discordo da tua conclusão. Porque essa opção que te parece absurda é o que se coloca para qualquer profissional em qualquer profissão. Vais advogar que causas? Tratar de que doenças e doentes? Escrever discursos para quem? Fazer reportagens sobre o que? Negar que essa questão ética é fundamental e definidora do teu papel no mundo pode até ser liberador, mas também é cínico. Não que eu concorde com o Augusto Nunes, a postura de vestal que alguns “coleguinhas” assumem não me parece correta, talvez seja o oposto também nocivo dessa pretensão de que não há escolha possível.
    Não chegaria ao exagero do Marquinho de dizer que os jornalistas se fazem de “mocinhas ruborizadas”, isso seria emprestar ao Donald Trump umas tranças de Polyana. Vou procurar uma imagem melhor que expresse a minha maior crítica a esse comportamento: de fato, o eleitor não existe para jornalões e assemelhados.
    A propósito, sou jornalista.

  5. Você sabe que eu não quis generalizar a crítica para todos os jornalistas, Helena. Eu apenas acho que gente do estilo Augusto Nunes está cada vez mais presente nas redações da grande imprensa.

  6. Que discurso! gostei muito de suas palavras,e a de todos os comentários.cabe ao Augusto Nunes rever o que escreve…quem sabe pretendia fazer uma campanha politica e foi trocado por especialista n area.
    sei que faz tempo este texto, mas aqui está o meu pensamento.
    obrigada por sua atenção

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