Ratz e homens

Até agora não entendi por que estão fazendo tanto auê com o Papa Ratzi, de uma forma que fica parecendo que com ele começa o fim dos tempos.

Bento XVI vai ser um papa de pouca importância na história. Pode-se alegar (como o Ina, em um papo via MSN) que João XXIII foi eleito em circunstâncias semelhantes; mas além da saúde frágil que o deve levar para o caixão de pinho em relativamente pouco tempo, Ratzinger não representa muito mais que a continuidade da linha teológica central de Wojtyla.

Em primeiro lugar, estão dando a Bento XVI uma importância que ele não merece por uma analogia falsa com João Paulo II. Esperam daquele uma atitividade e uma influência semelhantes às de Wojtyla. É como se este tivesse redefinido, de maneira imutável, o papel do Papa no mundo.

Mas basta comparar uma foto dos dois e ver que isso é impossível. Não dá para negar a impressão dissonante que os dois causam: João Paulo lembra um avô saudável e bem sucedido em sua aposentaria confortável enquanto esquia; Bento parece apenas um velho sibarita viciado em morfina criado nas masmorras do Vaticano.

Numa época em que imagem é quase tudo, isso deve ter alguma importância. Seu passado vinculado à Juventude Hitlerista — menos importante do que pode parecer à primeira vista — no máximo é um ponto a favor: é até possível que, em uma necessidade dialética de negar seu passado, Bento se torne um dos papas mais ecumênicos da História, superando inclusive seu predecessor. E mesmo isso é irrelevante: seu eventual ecumenismo vai ser muito mais um resultado de exigências históricas do que uma tentativa de apagar essa mancha em seu passado de sargento Schultz dizendo Ja wohl, Mein Kommandant.

Mas o principal, mesmo, é que a Igreja, no fim das contas, não tem toda essa importância. Ela é contra o uso de preservativos e as pessoas continuam se protegendo com camisinhas; é contra o sexo fora do casamento e não consta que motéis andem vazios; é mais fácil uma pia senhora rezar uma Ave Maria antes de deitar-se languidamente. Essa postura católica está perfeitamente exemplificada na piada publicada pelo Barnabé e republicada pelo Velho do Farol (de volta após longo e tenebroso inverno).

Isso não quer dizer que ela não possa ser melhor do que o que tem sido. Ela tem a obrigação de se adequar aos novos tempos. É por isso que o Alex errou no seu último post sobre a Igreja. Ela é um movimento civil, sim. É composto por pessoas que se organizam em função de idéias comuns; que elas julguem tomar suas decisões a partir de inspirações do Espírito Santo não faz diferença. Além disso, as pessoas sempre mudaram de religião; o cristianismo, aliás, só existe a partir de uma mudança dessas, quando judeus decidiram que era hora de novos ventos, mais adequados a uma situação política naquele momento irreversível, o Império Romano. Ao longo da História houve outras, também; citar Lutero é tão natural que chega a ser redundante. Mas mesmo internamente a história da Igreja Católica é a história da mudança. Foi assim que ela sobreviveu: criando novos dogmas, eliminando outros, adequando-se a novas exigências históricas.

Essas mudanças continuam. A diferença é que hoje elas não têm a importância que tinham na Europa do século XVII. Não voltarão a ter. E é por isso que se está dando atenção demais ao velho Ratz.

9 thoughts on “Ratz e homens

  1. Fiel (e um tanto cruel) descrição de Ratzinger, o matutinho de olhares laterais. Repetir João XXIII é só uma possibilidade (assim como existem as negativas). Resta a boa oportunidade de quebrar os resquícios do preconceito que pesa sobre os alemães.
    O que JP II fez em prol dos judeus, Ratzinger pode fazer em causa de seu povo.

  2. Já tenho até resposta padrão para essa questão, é o que tenho respondido a todos desde que JP II morreu e começaram a falar de mudanças na Igreja, papa progressista, etc:

    Com a morte de João Paulo II muito se tem falado sobre a necessidade de um papa progressista e de mudanças na visão e idéias defendidas pela Igreja. Dizem que a Igreja deve se adaptar ao mundo moderno. Quem me conhece sabe que não sou homem de fé, por isso torço por toda e qualquer mudança que contribua para uma evolução social. Mas tenho a consciência de que esse é o ponto de vista de alguém que não crê. Fé é sinônimo de imutabilidade, de certeza, de verdade absoluta revelada por deus. Por isso não admite mudanças, pelo menos não voluntárias. É claro que o tempo faz tudo mudar, mas o movimento é sempre de resistência quando falamos de fé. As mudanças só ocorrem quando simplesmente não dá mais para não mudar.

    Tudo que muda não é mais o que era antes e quão mais profundas as mudanças, maior a descaracterização, até que nada sobre do que era no início. Ou seja, para as religiões que se sustentam em dogmas de fé, mudar é morrer. A própria sobrevivência da Igreja depende de sua intransigência. Aí dirão: “Mas se ela não mudar e se adaptar aos novos tempos sucumbirá”. Errado. No momento em que mudar já terá sucumbido. Não será mais a mesma Igreja, será outra, e a própria admissão do princípio da mutabilidade, derrubando o da certeza da fé, se encarregará de acabar com ela na medida em que o tempo passar.

    Mesmo os religiosos que pregam mudanças, não teriam como fazê-lo sem antes questionar o objeto de sua fé. Eles podem continuar crendo nos princípios gerais e nem se dar conta, mas algo já se quebrou dentro deles, sem dúvida. Para adequar a realidade aos seus pensamentos e interesses, os reformadores querem uma “Nova Igreja”. Atingindo êxito é exatamente o que terão, pois “A Velha Igreja” não existirá mais. Essa nova Igreja pode conservar elementos da primeira, mas a essência já terá mudado, a fé será outra e dependendo do tempo e intensidade das mudanças, talvez, um dia, nada reste do que chamamos de Igreja Católica Apostólica Romana, apenas o nome.

    Por isso homens de fé verdadeira são instintivamente conservadores, já homens de fé e inteligência como João Paulo II, entendem bem essa questão, que é filosófica, e defendem a imutabilidade do seu mundo a qualquer custo. É sua missão divina. Para esses homens de fé, a diminuição do número de fiéis é um problema, mas secundário, a defesa da pureza da fé vem em primeiro lugar. Também os resguarda a idéia de que sua verdade foi revelada por deus, que Cristo prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam sobre sua Igreja e que ela duraria até o fim dos tempos. Enfim, perder fiéis é aceitável, faz parte da luta universal entre o bem e o mal, sendo que a todos foi dado o direito de escolha pelo livre arbítrio. Já as mudanças, só ocorrem sob resistência e quando não é possível impedir, nunca como movimento pensado de “adaptação” ao mundo. Para a religião é o mundo que tem que se adaptar a sua verdade e não o contrário. Quem prega outra coisa perdeu sua fé sem perceber ou age “maquiavélicamente”.

    As reformas implementadas por homens de fé são apenas superficiais, nunca atingem dogmas. João Paulo II foi revolucionário no uso da mídia e diplomacia na luta contra a secularização. Buscou manter a influência da Igreja no mundo e atraiu também muitos jovens fiéis com posturas mais carismáticas da Igreja. Sua política foi eficiente dentro dos limites impostos. Não teria como ser perfeita porque as religiões, pela sua própria natureza, nadam contra a corrente do mundo. Cedo ou tarde são levadas. De qualquer jeito é a única reforma que ele se proporia a fazer, mudar a forma, nunca o conteúdo da pregação.

    Descontraindo um pouco, vocês devem ter assistido “O Último Samurai”. Pois bem, toda sua lição de heroísmo é baseada na mesma premissa, defender um mundo que “cremos” ser bom, belo e justo, de toda e qualquer mudança externa ou temporal que possa descaracterizá-lo e, futuramente, destruí-lo por completo. Nesse processo ignora-se a força da história e demoniza-se o antagonista. Isso é fé. Mas, não nos preocupemos, homens de pouca fé, como tudo que é temporal a Igreja muda sim. Se estivermos certos, é tudo questão de tempo, e os que crêem na divindade da mesma é que não se dão conta disso.

  3. … mais importante eh entender que a figura do Papa ainda eh forte para muitas pessoas em muitos países… Provavelmente o Papa Bento terá pouca importância na história … mas há uma certa resistência em aceitá-lo . Vale lembrar que ainda muitas pessoas vivem sobre as regras da Igreja Católica… e as cumprem fielmente… principalmente qto ao uso do preservativo…e ouço cansadamente os mesmos papos de que Deus mandou meus filhos…e o que eh uma causa religiosa se torna algo civil e político … assim… qquer decisão seja desse Papa ou do próximo ( o que eh mais provavel…) …influencia na vida geral de nós todos… * A Igreja ainda sim tem toda essa importância… eh soh olhar com mais atenção… Não eh uma questão de fé… eh uma questão de comando através da ‘palavra da Deus’…
    (bacio)

  4. Rafa,

    Eu tenderia a concordar com você, como tenderia a concordar com o Roger, se não fosse por um motivo: o curioso spin que a política internacional tomou após a Queda do Muro e o 9/11, onde o governo do Império busca legitimação interna, crescentemente, junto aos grupos da direita religiosa, que se acredita em uma nova cruzada. Neste estado de coisas, a possibilidade de um novo ataque terrorista, ainda mais catastrófico e disruptivo _ que é bem real _ pode ter consequências imprevisíveis. Podemos estar diante de um ciclo que se realimenta.

  5. Pra mim e Igrje Católica é tão simbólica quanto a Rainha da Inglaterra. Concordo com o texto escrito!!

  6. Amigo,

    Fique tranquilo porque o grande juiz, que é DEUS , em seu tempo vai te julgar por cada vírgula que vc escreveu !

  7. Não conhecemos Deus por isto sempre nos colocamos no lugar dele e julgamos todos (especialmente onde nossos preconceitos são maiores) e pensamos ser o centro do Universo … ele é Ratz, mas tem muitos ratos poraí … e são mais simbólicos que o pózinho que cheiram …

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