O dia em que roubei um poema para mim

Mestre Rafael pergunta,
se temos medo do fato
de a vida virar defunta.
Essa coisa de morrer,
não tem como socorrer:
é um defeito que é nato.

Nasceu, tá pronto pra viagem.
É questão de dia e hora;
é regressiva a contagem.
Pode ser lá no futuro,
depois de homem maduro,
pode ser aqui e agora.

Nascemos e nos enreda.
Não carece de ter medo
de algo que é tiro e queda.
Por isso, tô preparado,
o contrato afiançado:
na hora agá, me escafedo.

Mas dois desejos carrego,
com os quais durmo agarrado.
Ao corpo peço, e não nego,
com o máximo vigor:
agüenta um pouco de dor,
mas não padece entrevado.

O meu segundo pedido,
depois do qual eu me aquieto,
dou o pleito por cumprido:
criar bem os meus filhotes,
e, o mais precioso dos dotes,
beijar meu último neto.

Por ser pouco o que assesto,
dou como certo que a vida
atenderá sem protesto
a petição que revelo.
Pouco mais que um caramelo,
é quase nada a pedida.

Então, planejar a vida
é necessário, por vezes.
Espichar minha medida,
com sutil aditamento:
o meu último rebento
mal completou oito meses.

***

Normalmente, textos escritos por outra pessoa são copiados aqui entre aspas. Esse poema do Roman, no entanto, é publicado sem elas, porque eu gostaria que fosse meu e a partir de agora, sempre que alguém me perguntar o que é isso, eu vou dizer com modéstia fingida que fui eu quem escrevi, mas que é isso, não é nada de especial, é só o meu jeito de dar à indesejada das gentes, tema tão chato e tão batido, um lirismo que quase a faz desejável, e então vou encerrar o assunto com um sorriso encabulado e repleto de modéstia pia.

Não vou dizer que, embora impressionado com o lirismo simples do poema, ele não foi exatamente uma surpresa. Nem que é algo que o Roman já vem fazendo no Blog-dos-Ventos há bastante tempo, porque se eu disser isso vão descobrir que eu sou apenas um sujeito com uma baita inveja do poema e que tomei ele para mim.

12 thoughts on “O dia em que roubei um poema para mim

  1. Muito bem roubado, Rafa. Lindo poema. Assim q o li nos comentários, vi sua beleza e simplicidade. Parabéns ao Roman!
    Beijão!

  2. Que conste: o poema está escrito inteirinho em impecáveis redondilhas maiores (versos de 7 sílabas), uma das métricas mais difíceis e traiçoeiras em língua portuguesa. Esses gaúchos são foda.

  3. Eu chamaria este poema “A insustentável leveza do morrer”. Vai combinar profundidade e leveza assim lá na casa do …”

  4. se vc fosse uma mulher eu diria:

    Pensar em vc, vida imaterial, é uma
    graça verbal.
    Opa!!!
    Acho que defini a poesia.
    De teus olhos me assaltam muitas palavras.
    Queria ser abençoado por Deus para rimá-las
    com as que revestem todo o meu pensar…
    MAs não fui, não sou e talvez nem hajam razões
    que por ventura me façam ser! Pois tenho medo
    de ao escuro, no silêncio de teus gritos, me perder como o passarinho de J.G. Rosa que
    desapareceu de cantar sem ao menos repetir sua professia…
    Isso é apenas uma informação.
    Entoar um canto de silêncio no escuro de si mesmo
    é um verso de Alexsandro F. da Silva.
    Versar é uma graça verbal.
    Poetizar é, sobretudo, afogar-se em rio de palavras…

Leave a Reply to Roberta Febran Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *