Mulher de um homem só

Eu tinha esquecido que “Mulher De Um Homem Só” era tão bom.

Li o livro há alguns anos. Uns cinco, acho. Foi logo que conheci o Alex, e na época “Mulher de um Homem Só” circulava pela internet livremente. Li, gostei acho que comentei sobre o livro com o Alex.e o livro passou para a galeria daqueles livros que você leu. Talvez o fato de me tornar amigo do Alex tenha contribuído para isso, esse excesso de familiaridade intelectual.

Reli agora, impresso, e fiquei impressionado com o tanto que tinha esquecido. E com o quanto o livro é bom.

“Mulher De Um Homem Só” é um livro maduro, bem pensado. Dentro dos limites da obra, esgota com propriedade as suas possibilidades narrativas.

O livro conta a história da relação entre Carla, a narradora, e a melhor amiga do seu marido, Julia. É um livro carioca sobre o ciúme, narrado do ponto de vista feminino. E é nessa narração que está um dos grandes trunfos do livro. Em Carla, Alex cria uma personagem crível, rica, e explora bem suas possibilidades. É aqui que o Alex demonstra ser um excelente escritor: ele tem perfeito domínio da voz feminina da Carla. É esse o grande segredo do livro. Durante anos o Alex vem insistindo na questão da onisciência de sua narradora. É a chave para a compreensão de “Mulher de um Homem Só”. Estritamente, essa é uma história que só existe na cabeça de Carla. Alex faz um grande trabalho ao assumir a voz de Carla. Todas as incongruências, todas as incompatibilidades desse discurso são expressos admiravelmente pelo texto do Alex.

Eu gosto de imaginar a Carla como uma mulher de seus 30 anos internada numa clínica de repouso, contando entre um surto e outro de esquizofrenia uma história que mistura realidade e ficção e que não respeita limites de tempo e de espaço.

É também um livro carioca ao extremo, um detalhe de uma classe média alta espremida entre os morros. É outro grande trunfo do livro: embora carioca, está longe daquela “literatura urbana” que deriva imediatamente de Rubem Fonseca e que, nos últimos anos, se tornou praticamente sinônimo de literatura feita naquelas plagas.

Umas poucas coisas me incomodam no livro. Uma delas é um trecho em que Julia dá a entender que décadas se passaram entre os acontecimentos narrados e a narração em si — e então a Carla se mostra como uma mulher que não aprendeu absolutamente nada depois de tanto tempo, algo razoavelmente improvável. Além disso, mesmo admitindo-se que o objeto do fixação de Carla é a Julia, e mesmo entendendo que o personagem é definitivamente filtrado pelo seu olhar — o que é um dos trunfos do livro –, ainda assim Murilo poderia ser construído de maneira mais elaborada. Finalmente, o último parágrafo não apenas me parece abrupto, mas também desnecessário dentro do contexto do livro.

São poucos defeitos para um livro inteiro. O que “Mulher de um Homem Só” prova é que o Alex é exatamente aquilo que ele vem dizendo ser há tanto: um escritor. E um bom escritor.

5 thoughts on “Mulher de um homem só

  1. Carla, mulher de 30 anos “Carla, uma mulher que não aprendeu absolutamente nada depois de tanto tempo, algo razoavelmente improvável”

    Quase que a minha biografia… rs

    Vou ler!

  2. rafinha… infelizmente, cada dia mais e mais vejo as “coleguinhas” aos 30 e tantos, sem aprender nadaa mesmo, mantendo o mesmo modus operandi dos 15; e pior que cada vez que eu vejo uma dessas eu imagino voce comentando: ishh, olha aí, passando recibo…
    beijocas

  3. Boa resenha! Tive muitas dessas impressões também, mas gostei do final, incluindo parágrafo abrupto e tudo. Detalhes, detalhes… 🙂

    Até!

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