Hunter Davies

Anos lá atrás publiquei o que chamei de edição definitiva de uma pequena bibliografia dos Beatles.

Mas de umas semanas para cá, ela está me incomodando.

Olhando agora, é uma boa lista. Ou melhor, seria, se eu não tivesse cometido um erro crasso: deixei de incluir “The Beatles”, de Hunter Davies. Na verdade, até incluí, mas o coloquei num saldão final com vários outros, dizendo a seguinte barbaridade:

“The Beatles”, de Hunter Davies, foi a primeira biografia de verdade da banda, definiu a sua história oficial e foi a mais completa até o lançamento de Shout!. Mas não apenas é extremamente sanitizada como chega a insistir em mentiras deslavadas, como as verdadeiras razões pelas quais Lennon espancou Bob Wooler na festa de 21 anos de McCartney; seu valor é meramente histórico.

É uma das maiores besteiras que já escrevi sobre os Beatles neste blog, e por ela eu peço perdão e rasgo minhas vestes e me cubro de cinzas e choro com as mãos na cabeça como uma velha palestina. Enquanto isso, tento entender como cheguei a esse ponto de estupidez.

“The Beatles” foi o segundo livro sobre a banda que li, depois do de Geoffrey Stokes, livro bobo pelo qual, ainda hoje, tenho um carinho imenso — porque ainda lembro do garoto de 15 anos carregando extasiado um livro envolto em papel celofane vermelho, como era o costume da Civilização Brasileira, da rua do Tesouro até Nazaré, e de como ele leu e releu e releu e investigou cada foto de maneira quase obsessiva.

Alguns anos depois veio parar nas minhas mãos o livro de Davies, em sua primeira edição brasileira de 1968, num exemplar já sem capa. Li rápido porque era livro emprestado.

Com o passar dos anos vieram novos livros e matérias e entrevistas e filmes e textos na internet, e o volume de informações aumentava e se cristalizava, e minha visão em retrospecto sobre a obra de Davies foi ficando cada vez mais negativa, mais ou menos como aquele novo-rico que se obriga a gostar de coq au vin e passa a desprezar o pirão de galinha bem-feito que o fez crescer forte, sadio e feliz.

Foi essa a impressão que se cristalizou: era dispensável diante de tudo o que veio depois, porque estes continham as informações do livro de Davies e ainda traziam coisa nova. Além disso era uma biografia autorizada, bastante editada e censurada, repleta de mentiras e conveniência. Por alguma razão, suas falhas foram criando vida própria na minha cabeça, e pelo visto se descolaram da realidade.

O livro teve duas novas edições. A de 1985 acrescentava um pós-escrito que incluía um desabafo de McCartney feito num telefonema ao autor em 1981, onde ele reclamava de acusações de Yoko Ono e dizia que Lennon podia ser um “porco manipulador”. Essa reedição ganhou as manchetes naquele ano.

Em 2009 saiu outra edição, com uma nova introdução e um apêndice sobre os personagens do livro que já tinha morrido.

Foi pouco depois disso que finalmente comprei o meu exemplar, mais para completar minha biblioteca do que para reler o livro. Li rapidamente a nova introdução e o pós-escrito, e o deixei na estante onde permaneceu intocado até há pouco tempo.

Aí, dia desses, resolvi passar os olhos pelo livro, e algumas coisas que vi contradiziam a minha impressão sobre o livro, e agora não tinha mais jeito: eu tinha que relê-lo.

Pois é. Bem que dizem que cabeça vazia é escritório do diabo, e isso era algo que eu não devia ter feito, porque agora estou aqui, envergonhado, com raiva de mim mesmo, me sentindo um picareta por ter escrito essa vergonha sobre o livro.

É verdade, é uma biografia autorizada e partes dela foram realmente censuradas por algumas pessoas, principalmente a tia que criou Lennon, Mimi Smith. Além disso, o próprio autor teve o cuidado de não exagerar nas partes picantes, para não ofender as esposas e parentes. Ele nunca diz que Brian Epstein era gay e masoquista, embora deixe pistas suficientes para que se perceba isso; e as partes mais picantes sobre a temporada em Hamburgo são deixadas de fora, já que todos eles eram casados ou noivos na época.

O problema é que nada disso, em nenhum momento, compromete o livro. E relendo o danado agora, mais de 30 anos depois, me pego tentando entender como cheguei ao veredito que dei a ele nos últimos anos.

Porque “The Beatles”, escrito por Hunter Davies, é um livro fundamental para a compreensão do fenômeno. Ao contrário do que passei a achar, é bastante honesto. Só não entra sempre em detalhes — e sim, ele diz claramente por que Lennon espancou Wooler: “Ele me chamou de bicha”, embora não explique que foi por causa da viagem que Lennon e Epstein fizeram à Espanha enquanto uma Cynthia Lennon recém-parida cuidava do filho, o que ele menciona pouco antes Não faltam, por exemplo, as referências necessárias ao consumo de drogas. Há algumas omissões, claro, pequenos erros aqui e ali, e o livro não pretende fazer alguma análise da música, ainda que mínima. Mas o que realmente importa está presente, e o livro mostra seres humanos falhos, inquietos, em um momento em que tinham chegado ao auge de suas carreiras e se sentiam perdidos e sem saber o que fazer da vida.

De qualquer forma, não é isso que faz do livro uma obra basilar.

A questão é que The Beatles tem algo que nenhuma outra biografia tem, nem jamais poderá ter: é a única construída a partir de depoimentos em primeira pessoa de John, Paul, George e Ringo, de seus pais e colegas, por alguém que conviveu com a banda e seu entorno durante mais de um ano. Davies frequentou suas casas, esclareceu fatos diretamente com eles. Isso jamais vai ser repetido novamente, e já devia bastar para que “The Beatles” seja sempre incluído em qualquer lista de melhores livros sobre a banda, o primeiro de todos — e na verdade sempre basta, porque essa minha lista é a única, que eu saiba, idiota o bastante para não incluí-lo.

Sua importância é tão maior do que eu percebia que uma insuficiência sua definiu a estrutura de todos os livros que se seguiram. Escrito no período do Sgt. Pepper’s, ele não alcançou a crise do “Álbum Branco”, a Apple, não viu as consequências da morte de Epstein e a entrada de Yoko se fazendo sentir e ajudando a levar à dissolução da banda. Por isso o livro se estende e muito sobre seus anos iniciais. Essa estrutura e alocação de tempo estabeleceram o padrão obedecido por todas as biografias que se seguiram: biografia de Lennon até formar os Quarrymen, biografia de McCartney, biografias de cada membro narradas a partir do momento em que se encontram, e maior parte do livro contando o início e a ascensão da banda. É como se todos os autores posteriores se baseassem no livro de Davies, e escrevessem profusamente sobre o período entre 1956 e 1966; e ao se deparar com o que ele não cobriu — os anos finais da banda — se tornam mais resumidos, concisos, mais ou menos como os produtores da série Game of Thrones meteram os pés pelas mãos ao terem que se virar sem os livros de Goerge R. R. Martin.

E aí fico com esse pepino na mão. Por que diabos coloquei o “edição definitiva” no título daquele post? Como posso corrigir esse erro vexaminoso sem que pareça a 217ª turnê de despedida de algum artista caquerado que busca descolar uns trocados antes o que o Alzheimer o consuma totalmente, como Elton John ou The Who?

Então resolvi apelar para a safadeza. Meti a mão no post e simplesmente editei, apaguei aquela referência vergonhosa, coloquei o livro no seu devido lugar. Ninguém vai notar mesmo. E eu vou me sentir menos envergonhado. Não, eu jamais negaria a esse livro o seu devido lugar na história, nunca fiz isso, basta você olhar lá na minha “Pequena Bibliografia dos Beatles — Edição Definitiva”.

Histórias da Gente Brasileira

Andei lendo os dois primeiros volumes de “Histórias da Gente Brasileira”, de Mary del Priore, que tratam da vida cotidiana durante os períodos colonial e imperial. Não me animei a ler os seguintes.

Noves fora, a série parece ser pouco mais que um bom resumo do que já se escreveu sobre a vida privada no Brasil, feito com critério e sensibilidade. A obra e a visão de Gilberto Freyre, dono do que é provavelmente a mais importante bibliografia nesse campo, se destacam entre o cipoal de historiadores, viajantes e escritores, e isso não é ruim — é sempre bom ver o velho reacionário de Apipucos reconhecido num tempo em que se tornou a regra colocar a expressão “democracia racial” em sua boca.

Mas o livro não se anima a fazer disso um trampolim, o início de uma reflexão nova, e esse me parece ser o seu grande problema.

O zeitgeist moderno, como é natural, influencia essa narrativa ao mesmo tempo nova e velha. Por exemplo, ao falar da preferência estética por dedos finos e alvos, por pés pequenos e delicados, Del Priore a define como um aspecto da diferenciação necessária dos pés largos e chatos das negras, implicitamente estabelecendo o racismo como base dessa preferência estética. Isso é verdadeiro, mas não é toda a verdade. Na França do mesmo período osso finos eram valorizados em comparação não com negras exploradas, mas com as camponesas louras de dedos grossos e pele vermelha de sol (e também porque indicariam orifícios estreitos, mas essa é outra conversa que não fica bem em um blog de boa família como este). O que é essencialmente uma questão de classe eventualmente enriquecida pelo racismo é mostrado como apenas uma questão racial, negando, aqui também, a complexidade das relações e valores da sociedade. É o tributo que Del Priore paga ao seu tempo.

Mais incômoda é a constatação de que há poucas ideias novas em “Histórias da Gente Brasileira”. Del Priore essencialmente repete as convenções históricas de seu tempo quando poderia tentar se aventurar sobre o que está por baixo delas, ou tirar conclusões a partir de informações conflitantes. Provavelmente é a isso que o livro se propõe: é cheio de ilustrações que atrapalham a leitura mas devem servir de chamarizes para leitores mais jovens ou menos desasnados. Mesmo dentro desse escopo, no entanto, há defeitos que saltam aos olhos.

O segundo volume, especialmente, realça esses problemas, menos aparentes no que trata sobre a história colonial. Nas páginas sobre sexualidade, especialmente no período imperial, lemos sobre esposas que rezam uma Ave Maria antes de abrir resignadamente as pernas para seus maridos, moçoilas que namoram apenas com olhares e beliscões lusitanos na saída da missa. Diante de narrativa tão rígida, que fazer com as tantas histórias que sabemos que existiram? Dos casamentos apressados em corrida contra a barriga cada vez mais protuberante, das moças mandadas para a corte ou outra província prenunciando a adoção de um primo distante recém-nascido, das pessoas que descobrem um dia serem filhos daquelas que achavam serem suas irmãs?

Não que seja fácil para historiadores abordar essas questões. Escândalos familiares, a vergonha de ter um filho “fresco”, como diziam, são quase sempre devidamente sepultados pelas famílias, não constam em inventários nem testamentos, se tornam segredos de polichinelo que o tempo geralmente se encarrega de esquecer, mais rápido do que esquece de todo o resto. Mas lembrar que a história não é linear e o passado raramente é totalmente passado, reconhecer que a vida íntima do brasileiro tem uma riqueza que extrapola narrativas oficiais e compartimentos temporas, e que nem toda história é registrada, seria um bom ponto de partida para investigar e jogar luzes novas sobre nossa história.

É impossível não lembrar de um dos tantos temas em “A Experiência Burguesa: da Rainha Vitória a Freud”, obra estupenda de Peter Gay, infelizmente fora de catálogo no Brasil e vendida a preços extorsivos nos sebos. Freudiano, Gay lembrava que por baixo do puritanismo e repressão vitorianos as carnes continuavam fervendo, porque da saliência ninguém aguenta abrir mão por muito tempo. Foi assim que Gay conseguiu desvelar uma realidade muito mais rica e mais complexa no período vitoriano e oferecer uma visão renovadora sobre a arte e o comportamento daquele tempo, questionando alguns dos mitos mais persistentes. É o que faz falta aqui.

Assim, é curioso que Del Priore acabe negando à mulher do Brasil imperial o exercício do prazer e do desejo, apesar de em várias partes se referir aos raptos, às fugas no meio da noite, em trechos que parecem tirados de “Sobrados e Mocambos”. É possível supor que a sexualidade, mesmo quando obedecia às regras morais da época, era muitas vezes mais saudável do que a pudicícia historiográfica faz crer. Infelizmente, nos faltam diários e relatos que atestem essa ideia, porque antes das redes sociais e dos reality shows era feio ou ao menos vulgar falar ou registrar os abandonos e desvarios de amor, luxúria e perdição que as paredes caiadas ostentando um Sagrado Coração tanto viram no país d’outrora. É aí que deveria entrar a autora, contextualizando tudo, fazendo as conexões necessárias, até levantando hipóteses. “Histórias da Gente Brasileira” se ressente dessa ausência. Falta lembrar que sim, mulheres gozavam no período imperial.

Além disso, a julgar pelo livro, homossexuais não são gente, pelo menos não gente brasileira. E embora haja alguns livros que tratam do assunto, como o já clássico “Devassos no Paraíso”, o tema não é tratado de maneira clara pela Del Priore. O capítulo destinado a eles tem pouco mais de duas páginas, e mesmo assim se concentra em uns poucos casos pitorescos, que estão muito longe de apresentar um panorama real do seu tempo — o marinheiro que mata o companheiro apaixonado por uma ex-prostituta daria ao menos uma boa fotonovela italiana, mas não é o suficiente para nos fazer entender como se davam as relações interpessoais e com a sociedade. Aqueles que nasceram antes dos anos 80 podem intuir uma parte disso, a partir da observação e extrapolação da sociedade até aqueles tempos, da compreensão de seus preconceitos e subterfúgios encontrados para driblá-los; mas aqueles que nascem agora, em um período de tolerância crescente e inserção social, em algumas décadas não terão mais critérios de julgamento. É claro que é outro daqueles temas difíceis, pela escassez de fontes confiáveis; mas justamente por isso mereceria um esforço maior.

Há outras questões que a leitura suscita. Numa obra que tem o título geral de “Histórias da Gente Brasileira”, é curioso que se dê tão pouca atenção e destaque às diferenças culturais abissais que marcam a geografia do país. Não existe um Brasil único em termos de costumes, nunca existiu. A sociedade das Minas Geraes do século XVIII não era igual à da Vila de Piratininga da mesma época, e bem diferente do que se via às margens do rio Guamá. O Rio de Janeiro de 1850, em seu esplendor imperial, já tinha costumes e perspectivas diversas da Salvador decadente de então. Corte e províncias, capitais e interiores sempre andaram em passos muito distintos, diferença que só há poucas décadas, depois das antenas parabólicas e principalmente da internet, começou a diminuir de maneira significativa e irreversível.

Apesar disso, esta é uma narrativa eminentemente sudestina. O Nordeste está bem presente, graças à importância basilar da obra de Gilberto Freyre na gênese deste livro, mas tem-se a impressão de que o Sul, por exemplo, não faz parte do Brasil. E isso acaba, talvez, dando uma impressão de uniformidade que nunca existiu, e que gente como Evaldo Cabral de Mello costuma deplorar.

Também chama a atenção um dos problemas que parecem afligir a historiografia brasileira desde sempre: a dependência às vezes excessiva dos brasilianistas e seus relatos de viagem, Maria Graham, Saint-Hilaire, uns tantos outros. Talvez não dê para ser diferente, porque esses relatos são às vezes os únicos a cobrir lacunas incontornáveis em um país de gente atavicamente iletrada, que mesmo hoje não costuma registrar o seu cotidiano. Além disso, são indispensáveis porque ao estrangeiro saltam aos olhos aspectos da vida cotidiana que os patrícios muitas vezes não conseguem mais enxergar.

O detalhe é que esses relatos devem ser lidos sempre com certa reserva; Gilberto Freyre dizia que os franceses, especialmente, costumavam ser uns mentirosos safados e sem-vergonha. Mas, principalmente, é preciso lembrar que nenhum olhar é desprovido de preconceitos e de subjetividade. No primeiro volume, sobre o Brasil colonial, isso está bem claro, e Del Priore acerta ao registrar opiniões diferentes: a casa-grande de pau-a-pique, que a um viajante parece apenas primitiva e pobre, a outro pode parecer engenhosa e uma solução ambiental adequada. Comportamentos podem ser julgados de maneiras diferentes, aspectos importantes para uns podem não ser dignos de nota para outros.

Mais que isso: mesmo cumprindo papel importante, nem sempre eles são tão necessários assim. Por exemplo, em determinado momento Del Priore recorre a uma viajante francesa para uma descrição muito sucinta de como aconteciam os casamentos. Talvez essa descrição não fosse tão necessária assim. Era só lembrar da “História da Baratinha”, adaptada por João de Barro em disquinhos infantis coloridos e presente em milhares de lares brasileiros a partir dos anos 1960:

E logo chegou a hora marcada para o casamento.
Numa linda carruagem, forrada de azul turquesa,
Lá se foi a baratinha — era mesmo uma beleza.
Ao seu lado, repimpado, parecendo um general,
Ia garboso o padrinho, o papagaio real.
Mais atrás, em grande fila, e sem carros enfeitados,
Vinham parentes, amigos, e o resto dos convidados.
Só não vinha no cortejo o dr. João Ratão;
Porque como era costume, em tempos que já lá vão,
O noivo e sua madrinha deveriam esperar
A noiva e seu padrinho desde cedo, ao pé do altar.

Às vezes, as conclusões a que Del Priore chega parecem mudar ao longo do livro de acordo com o autor citado. Fica a impressão de que falta uma visão unificadora e mais crítica — ou seja, a intervenção da historiadora. Por exemplo, ao falar do papel do pai na sociedade imperial, Del Priore cita Capistrano de Abreu: “pais soturnos, mulher submissa, filho aterrado”. Mas apenas algumas páginas antes ela citou um certo James Wells, que descreveu crianças mal-educadas e petulantes tratadas com complacência excessiva pelos pais, e uma opinião de Maria Graham muito parecida. Afinal de contas, como eram as relações entre pais e filhos? Se ambos são verdadeiros — e certamente são —, por que não trabalhar a partir da compreensão mais abrangente dessa diversidade e tentar interpretar de maneira mais completa e rica esses aspectos da história, e de como essa diversidade de relações forjou a sociedade em que vivemos? Não é a exposição ou omissão de fatos que nos faz entender a história: é a compreensão do seu conjunto.

Esse é o grande problema desta obra, que obviamente recorre a pouquíssimas fontes primárias: falta a interpretação e criação de um novo conceito a partir do apanhado de informações coletadas no livro, a interferência da historiadora, o cotejamento com a evolução dos tempos e com outros aspectos da vida cotidiana.

É um problema comum em obras de história. Em “SPQR”, um bom livro de Mary Beard sobre Roma, em vários momentos se tem a impressão de que, se ela conhecesse um pouco mais do cotidiano da política como é feita hoje, de suas entranhas e complexidades, poderia lançar um pouco mais de luz sobre o processo que levou à conspiração que matou Júlio César e à queda da República. Às vezes tem-se sensação semelhante aqui.

Isso não é uma condenação do livro. Pelo contrário. “Histórias da Gente Brasileira” é excelente para quem tem expectativas um pouco menores — ou melhor, para quem, diante do que o livro apresenta, não espera um passo adiante. Traz uma excelente curadoria de informações, com boas escolhas de suas fontes. É abrangente, sensível, em muitos momentos apresenta bons insights. Ninguém perde seu tempo lendo este livro.

Mas às vezes tem-se a impressão de que falta deixar claro, para os leitores, que o passado nunca é totalmente passado. E as mudanças nunca obliteram tudo aquilo que sucedem e superam. É por faltar essa compreensão de maneira mais clara que o livro resulta em uma leitura confiável, mas insuficiente. Confirma o que já sabíamos, no máximo adicionando alguns detalhes. Mas não muda nada, não acrescenta nada. E no fim das contas, chama a atenção exatamente para o que não diz.

Os Anos Dourados

Nunca fui noveleiro.

Ao contrário, na infância cheguei a odiar novelas, porque impediam que eu assistisse aos seriados e desenhos que passavam na TV Tupi e que me interessavam muito mais — as novelas da Tupi, por sua vez, nunca foram vistas lá em casa. Mais tarde, aprendi a tolerá-las e até gostar de algumas, mas raramente assistindo regularmente a elas.

Com a idade, no entanto, passei a respeitá-las um pouco mais. E reconheço sua importância na minha própria história: novelas sempre serviram como referenciais cronológicos, porque em tempo de dois canais de TV não havia jeito de não ser exposto de alguma forma a elas, e por isso eu sabia a ordem da maior parte das que foram exibidas entre a virada dos anos 70 e 80, e ao menos alguma parte de uma trama. Querendo ou não, novelas tiveram algum nível de influência na percepção e vida de todos os brasileiros.

Mas houve exceções nesse desdém: não exatamente novelas, mas as minisséries que a Globo exibiu aí pela metade dos anos 80. De certa forma, a emissora do Boni prenunciou um novo tempo na TV que só agora se tornou corriqueiro. Algumas dessas minisséries foram antológicas, como “Grande Sertão: Veredas”, “O Tempo e o Vento”, “Memórias de um Gigolô”. Assisti a elas, gostei de todas.

Nenhuma, entretanto, foi tão boa quanto “Anos Dourados”. Assisti na época porque falava dos anos 50 e o rock daquela década era talvez o que eu mais ouvia então.

Por muito tempo achei que os anos 80 assistiram a um revival dos 50, mas a verdade é que aquela década sempre esteve presente: da retomada do rock básico pós-psicodelismo em 1968 (do qual o “Álbum Branco”, dos Beatles, é filho dileto e não inventor, como querem tantos beatlemaníacos), aos filmes American Graffiti, Lords of Flatbush ou Grease ao longo dos anos 70, ou o seriado Happy Days, os anos 50 permearam a cultura das décadas seguintes porque, no fim das contas, foi quando tudo começou, quando a adolescência passou a definir os padrões culturais de massa. Isso era mais intenso nos Estados Unidos, mas mesmo no Brasil a nostalgia de tempos leves, promissores, em que avançávamos 50 anos em cinco e todo mundo podia sair da fome no sertão para a fome nas cidades, nunca deixou de permear o imaginário: “Estúpido Cupido”, novela de 1976, é prova disso.

Assisti a “Anos Dourados” novamente quando o Viva reprisou a série, em 2011, 25 anos depois. Agora assisto novamente, no Globoplay, e estou impressionado.

“Anos Dourados” é a obra-prima de Gilberto Braga. A maneira como entremeia o nascimento e os percalços de um primeiro amor pueril e puro com outro, ilegítimo, adulto, contextualizando-os brilhantemente em um tempo de preconceitos rampantes, é obra de um excelente escritor, não importa o meio em que escreve.

O texto é primoroso, os diálogos excelentes em seu naturalismo. Roberto Talma não era um Walter Avancini, mas sua direção é de uma sensibilidade enorme, sempre no tom certo da cena. Cenografia e figurino perfeitos, de um bom gosto e simplicidade que chegam a impressionar, e que ilustram bem o que era o tal “padrão Globo de qualidade”. A música de Tom Jobim é de beleza única, e a narração do Paulo César Pereio, abrindo cada capítulo com um resumo do capítulo anterior, é sempre fascinante.

A recriação da Tijuca dos anos 50, seus códigos sociais, seus preconceitos, o contexto político em que seus personagens estavam inseridos, referências que se perderam no tempo — quem ainda lembra de Mira y López? Ou do que significava dar uma foto ao seu namorado, com dedicatória formal que escondia a intensidade do que se sentia? Ou ainda —, tudo isso é feito de maneira doce, verdadeira, que torna “Anos Dourados” uma obra permanente e sempre interessante.

Há tantos e tantos filmes clássicos por aí que falam do nascimento do amor, da emoção de ser adolescente e estar vivo e descobrindo o mundo — ou do amor proibido, sofrido, até sórdido. E enquanto eles eram louvados, a produção teledramatúrgica brasileira era desprezada. Mas a delicadeza com que Braga fala do ciclo da vida em uma Tijuca dos anos 50, inserindo-o de maneira perfeita em seu contexto social e político, não deixa absolutamente nada a dever a muita coisa boa no cinema. “Anos Dourados” serve para lembrar que a teledramaturgia brasileira era infinitamente melhor que o nosso cinema.

E então a gente se pergunta o que aconteceu.

É claro que a decadência da audiência da TV aberta se deve prioritariamente a outros fatores. Mas assistindo a “Anos Dourados”, percebendo os detalhes que passaram batido quase 40 anos atrás, me pergunto se a mediocrização das novelas atuais não é um fator relevante a ser considerado.

Não posso falar muito porque não assisto a a mais que alguns minutos delas, de vez em quando, e há décadas não assisto sequer a TV aberta além do Jornal Hoje durante o almoço. Mas ainda assim me parece desagradável assistir a uma novela hoje. Cenas longas demais, diálogos que às vezes parecem estar enchendo linguiça ao mesmo tempo em que são desnecessariamente complexos, verborrágicos, um tom escuro demais nas imagens que macaqueiam porcamente a estética de seriados americanos, falta de imaginação em movimentos de câmera e enquadramentos. O que as novelas brasileiras tinham de singular e em comunhão com seu público parece ter se esvaído em um caldo de globalização e tecnologia no lugar de criatividade.

E talvez o maior sinal disso seja o alerta que agora é exibido antes de cada capítulo: “Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada”.

Que me perdoem os bem-intencionados cheios de certeza moral que pululam como girinos na internet: essa é a maior confissão de rendição à estupidez humana. Lembra aquelas advertências bizarras em produtos americanos, tipo “tire a criança do carrinho antes de dobrar” ou “não segure a motosserra pelo lado errado”. É como se tivéssemos perdido completamente a capacidade de algum pensamento crítico, de contextualizar a história. E diante disso, é difícil não imaginar que estamos ficando mais imbecis. Ou que os anos dourados, definitivamente, passaram.

Ford F-1000

De vez em quando assisto a esse filmete. É de 1979, e lançou a Ford F-1000. Dura pouco mais de 16 minutos e é, essencialmente, um road movie, contando uma história com começo, meio e fim.

Não sei nada sobre ele. Redator, diretor, o ator com cara de Belchior. Não sei sequer qual a agência que o criou, embora isso não seja difícil de achar. O filme tem jeito de ser uma peça criada para convenções da Ford ou apresentações a concessionárias e jornalistas especializados. Não sei. Sei apenas que adoro esse filme, a maneira como conta sua história, a adequação ao seu público-alvo, a inteligência com que ressalta os grandes argumentos de venda da caminhonete.

Sei também que ele é uma grande oportunidade perdida.

Fico imaginando que, com um pouco de ousadia e criatividade, ele se transformaria em um marco. Bastava exibi-lo uma vez nas duas principais redes de TV, a Globo e a Tupi. Ao mesmo tempo, no Fantástico e no Programa Sílvio Santos, criando um evento único, que seria comentado por semanas pelo público, e lembrado até hoje pelos publicitários, como o primeiro sutiã ou o orelhão da Telesp ou o Barate-o-tó da Unimar.

E então ele seria um filme revolucionário. Não apenas em termos de planejamento de mídia, mas mesmo de criação, antecipando em 30 anos toda essa bobajada de storytelling e outras palavras gringas que não consigo aprender.

Mas não foi, porque cada tempo tem o seu modo de fazer as coisas, um barbudinho alemão explicava há uns 150 anos. Pena.

Pela nacionalização da Seleção Brasileira

Anteontem a Seleção Brasileira conseguiu o feito monumental de levar apenas um gol desse potentado do futebol mundial que é a Guiné. Ontem combinou de esperar um ano por Ancelotti, dando mais uma mostra de quão pequena se tornou.

Já faz muito tempo que o Brasil é apenas uma seleção mediana, que em Copas do Mundo consegue passar por times pequenos nas fases eliminatórias para cair nas quartas-de-final, quando finalmente enfrenta a elite do futebol. Em 2026 completará 24 anos sem ganhar uma Copa, o mesmo período que passou entre 1970 e 1994. A diferença é que, enquanto naqueles tempos ela poderia ter sido campeã em 1978 (e o Coutinho morreu dizendo que tinha sido) e encantou o mundo em 1982, agora é só uma seleção que sofre para passar as oitavas. Como tantas e tantas outras mundo afora, agora alegando que “não existe mais bobo no futebol”.

A Seleção Brasileira vive, já há muito tempo de sua história, do peso de sua camisa e do talento de um ou outro craque com lampejos de qualidade em uma seleção medíocre e sem identidade.

Se os cinco jogos da última Copa não são suficientes para admitir essa obviedade, uma lista dos times que o Brasil conseguiu vencer em Copas dos últimos 20 anos deve ajudar: Croácia (pré-Modric), Austrália, Japão, Gana, Coreia do Norte, Costa do Marfim, Chile, Camarões, Colômbia, Costa Rica, Sérvia, México, Suíça e Coreia do Sul.

Por isso defendo a total nacionalização do futebol. Minha tese é muito simples, baseada em dois pilares.

O primeiro é a reestruturação dos campeonatos estaduais e regionais, algo com que quase todo mundo concorda.

O segundo é fechar a Seleção para os jogadores que jogam fora do país, e quem me ouve falar isso diz que é absurdo. Que precisamos aceitar que nos tornamos exportadores de commodities futebolísticas e não podemos abrir mão de gênios como Neymar, Vinícius Jr., etc. Eu só pergunto por quê: mesmo com eles, não ganhamos de ninguém, mesmo, e já há muito tempo. A verdade é que, no pior dos cenários, temos jogares no Brasil bons o suficiente para cair apenas nas quartas de final, como temos feito com os Neymar ou Vinícius Jr. da vida. Não é difícil montar no Brasil um time que consiga ganhar de Camarões.

Mas a nacionalização poderia resgatar a ligação com a torcida e talvez até mesmo criar uma seleção de verdade, em vez dessas coisas medíocres e amorfas que disputam amistosos com Senegal.

Cada vez menos gente liga para a Seleção hoje em dia. E desconfio que não seja apenas porque ela não ganha e não empolga. A Seleção Brasileira é cada vez mais um negócio que só importa, mesmo, para dirigentes, jogadores e para o negócio da propaganda. Por que razão alguém vai torcer por um troço em que um monte de milionários cuida apenas de sua própria vida é algo difícil de explicar.

Nem sempre foi assim. E não custa passear um pouco pela história recente.

Até o início dos anos 80, o maior sonho de qualquer jogador brasileiro era jogar na seleção. Depois, com o início do êxodo de jogadores brasileiros para a Itália, aos poucos a Seleção passou a ser um grande trampolim, o passaporte para a Europa e a garantia do pé de meia. O maior exemplo disso foi a convocação de um tal Paulo Sérgio para a Copa de 94, jogador ínfimo mas com passe controlado por um dos cartolas da CBF, que o exibiu por alguns minutos para poder vendê-lo mais caro.

Mas agora a própria Seleção passou a ser desnecessária. Mais e mais jogadores saem hoje do Brasil ainda na pré-adolescência, às vezes até se naturalizando. Por outro lado, a geografia do futebol mundial mudou, e muito.

Se a gente voltar no tempo até os anos 90, vai lembrar que um bocado de gente boa apregoava então que o futebol africano iria explodir nas próximas décadas. Isso não aconteceu. Se em vez de ficar repetindo os argumentos de venda da FIFA, empenhada em expandir o negócio do futebol, eles olhassem para a história da África, talvez pudessem antever o que aconteceu: imigrantes africanos e seus filhos revitalizaram as seleções europeias. Compare a Bélgica de 1986, mais branca que o paraíso da novela “A Viagem”, com a que mostrou aos brasileiros em 2018 como é que se ganha um jogo de futebol. Ser metrópole tem suas vantagens. Como resultado, o futebol europeu repetiu, de certa forma, a combinação que fez o futebol brasileiro: ficou mais solto, fisicamente superior e manteve a aplicação e a evolução táticas que sempre foram sua marca.

Isso ajudou a igualar o futebol europeu ao brasileiro, e em seu devido tempo o fez estruturalmente superior. O resultado é isso que vemos hoje, e que vai muito além do 7×1. Cada vez mais subjugada aos interesses da FIFA e da UEFA , e principalmente à corrupção endêmica de seus dirigentes, a Seleção Brasileira defende uns trocados se pendurando no mapa atrás de jogos com seleções que não jogariam a série B do Campeonato Brasileiro, jogadores que não têm nela seu principal foco.

Por isso acho que a melhor coisa que o Brasil poderia fazer seria reformular a seleção brasileira apenas com jogadores que disputam os campeonatos brasileiros.

Historicamente, as seleções brasileiras tinham como base os melhores times de seu tempo. Durante muito tempo foram Santos e Botafogo; em 1982, Flamengo e Atlético, com uns contrabandos do São Paulo porque Telê gostava da prataria de sua casa. Eram jogadores que se conheciam porque jogavam juntos ou se enfrentavam com regularidade. Era mais fácil formar um time coeso.

Uma seleção nacionalizada traria os benefícios de voltar a engajar os torcedores, porque uma seleção que não tem um jogador do meu time é uma coisa; outra é aquela em que o craque é alguém que faz a alegria do meu time, ou mesmo aquele que respeito pelas sacanagens que faz com ele: até hoje não entendo como é que Telê Santana deixou Roberto Dinamite no banco e apostou na desgraça chamada Serginho Chulapa, em 82.

Mas ainda mais importante, a nacionalização poderia devolver ao futebol brasileiro um estilo. Ganharíamos a vantagem do entrosamento, de poder treinar por mais tempo — de criar um time de verdade.

Reformular o a organização do futebol brasileiro também ajudaria muito.

Há tempos vejo comentaristas clamando pelo fim dos estaduais. É uma idiotice. Eles pensam em termos de grandes centros e grandes clubes, que têm uma agenda nacional e internacional que garante que joguem durante todo o ano. Para eles, os campeonatos estaduais apenas atrapalham.

Esse povo do Rio e de São Paulo simplesmente não conhece o país, que tem quase 800 times profissionais. O Brasil que eles desconhecem é feito por dezenas, centenas de times que sem os campeonatos estaduais simplesmente desapareceriam, e que mesmo assim jogam apenas três ou quatro meses por ano.

Imagine o que não se perde com isso. O número de talentos que deixam de ser revelados todo ano, a impossibilidade de estruturação econômico, de times minimamente decentes. E, por último mas não menos importante, a alienação de grande parte da torcida, que se vê obrigada a procurar carinho e futebol em outros campos.

A criação de um sistema mais robusto de campeonatos locais e regionais que mantenha os times jogando a maior parte do ano movimentaria a economia esportiva, engajaria as torcidas locais, fortaleceria o futebol nacional de maneira orgânica e consequente. E a reconfiguração do calendário nacional, com a criação de campeonatos regionais que possibilitassem aos times estaduais de segunda linha jogarem por mais tempo, fortaleceria os times, recriaria a própria cultura futebolística nacional e garantiria a massa crítica necessária para elevar o nível básico do nosso futebol. Assim como a União Soviética ganhou a II Guerra, entre outras razões talvez mais importantes, porque podia perder mais soldados, o Brasil pode produzir mais craques do que o resto do pode absorver.

Mas nada disso, claro, vai acontecer. Ninguém pode abrir mão de um sistema que forma todo ano algumas dezenas de milionários e que movimenta um mercado cada mais imponente. E nisso, parafraseando o velho Carlos Alberto Parreira, o futebol é apenas um detalhe.

Michel, Rafael, comentários sobre racismo e um pouquinho de cinema

Michel e Rafael — não, apesar do que parece não se trata de uma dupla sertaneja — deixaram comentários ao post sobre Lobato e Dahl. O mais elogioso diz que o texto é péssimo. O mais arrogante e redundante me manda fazer terapia.

Eu estava com saudades. Bons tempos, aqueles.

O que mais chama a atenção é que os dois comentários apelam no final para os ataques que na faculdade a gente aprendia serem ad hominem.

O xará diz que o post diz mais sobre mim do que sobre o tema — o que é uma bobagem, já que todo texto diz mais ou menos sobre seu autor, já a partir da escolha do tema; o que o Rafael do B é incapaz de perceber é que seu comentário diz ainda mais dele. Já o Michel exagera no desprezo e diz que preciso de terapia. Devo precisar, é verdade; mas não por isso.

Esses comentários, suando a superioridade moral normalmente dada por alguns anos na universidade e a perspectiva de uma vida em seus corredores, mostra que são garotos — o nome Rafael, por exemplo, só se tornou comum no início dos anos 80 —, deslumbrados com o ambiente acadêmico. Só isso para explicar o apelo a argumentos inconsistentes ou repetitivos que tentam transformar tudo em um diálogo de surdos, e principalmente a revolta pessoal. O Michel, por exemplo, basicamente repete os argumentos que o texto citava, e até contradiz o Rafael ao insistir nas justificativas para o que ele diz não ser censura, logo depois de preparar o terreno dizendo que não dá para monitorar crianças todo o tempo.

Responder a eles é chover no molhado e inútil.

Quem poderia apresentar o vislumbre de uma perspectiva diferente é o Rafael, ao afirmar que o debate é mais de mercado do que acadêmico. O problema é que ele diz que “a premissa de alteração vem do mercado na tentativa de campanhas de marketing que pretendem adaptar livros a demanda do público” — poxa, ele nem sequer sabe como essa discussão começou? Nunca houve demanda do público por um Monteiro Lobato menos racista; o que houve foi a pressão acadêmica, e a consequente espiral de teses e artigos e outras bobagens mais, a partir do momento em que o MEC anunciou a compra de “Caçadas de Pedrinho”, uns 15 anos atrás.

O xará nega que isso exista, essa discussão e respaldo acadêmicos sobre a validade da purgação dos textos de Lobato. E aí é que complica.

Faz o seguinte: joga “monteiro lobato racismo teses” no Google pra ver o tanto de discussões nas universidades sobre o assunto. Adianto que são aproximadamente 138 mil resultados.

Essa discussão, nesses termos que os meninos colocaram, não leva a nada, claro. Mas me lembram a última vez que estudantes desceram o chicote no meu lombo. Esqueci de escrever aqui.

Tempos atrás, escrevi um post detalhando o curso de cinema que eu faria, no lugar desses cursos atuais que, essencialmente, formam mais professores que retroalimentam as universidades e mais motoristas de aplicativo. O texto partia da grade curricular do curso de cinema da UFF — que por sinal foi declarado patrimônio imaterial de Niterói, cidade muito do meu agrado e que agora tem dois patrimônios: esse e a vista do Rio.

O Vespa, do excelente Inconsistências Inconstantes, na época ensinava num curso técnico de audiovisual. Ele levou o post a seus alunos e depois me mostrou os comentários.

A revolta foi semelhante — não, semelhante não, foi bem mais agressiva. O argumento mais leve foi o de que ninguém teria autoridade para criticar um curso a partir da observação de sua grade curricular — mais um exemplo do nível de encastelamento da universidade brasileira, a persistência do bacharelismo que a afasta cada vez mais da sociedade e que resultou em cursos como “Ciências da Religião”, um bocadão de “sub-engenharias” e até mesmo um curso livre sobre Beatles na PUC (que apenas atualiza, para mim, o ditado que diz que todo dia um malandro e um otário saem de casa — agora eles se encontram no curso sobre Beatles na PUC). De resto, os xingamentos foram grandes. Acima de tudo, os alunos deixaram claro que, para eles, ainda mais interessante do que a perspectiva de fazer cinema é a perspectiva de um emprego, perpetuando o ciclo da piada do sujeito que estudou egiptologia.

É a mesma lógica defensiva e ultrajada que motivou os comentários do Michel e do Rafael. E o mais engraçado é que há algo de reconfortante nisso. Entra ano, sai ano, as coisas continuam iguais. E isso não é tão ruim assim.

A tristeza numa banca de revistas

Dentre as coisas mais tristes que podem me acontecer cotidianamente hoje em dia é entrar em uma banca de revistas.

Elas estão acabando, a gente sabe. A internet as destruiu. Em alguns lugares, como Aracaju, essa destruição se dá de maneira ainda mais acelerada, e diz tão mal de seus moradores. Durante a pandemia, eu dava voltas de carro pela cidade vazia, me sentindo Charlton Heston em “A Última Esperança da Terra”, e percebi que na zona norte já não existia uma única banca de revistas em funcionamento. Nenhuma. No resto da cidade, com pouco mais de 650 mil habitantes, sei de apenas seis que ainda vendem jornais ou revistas. O resto virou outra coisa, qualquer coisa, ou simplesmente desapareceu.

Em Salvador, quase todas as bancas que marcaram minha infância fecharam, vendem água ou frutas hoje, com exceção da Banca Coelho, em frente ao Hospital Espanhol, que ainda vende jornais, e a Banca do Fernando, na Princesa Leopoldina. Sumiram a banca do Renato no Largo da Barra, a Banca Fróes na esquina da Euclides da Cunha com Amélia Rodrigues, na Graça, e tantas outras de que ainda consigo lembrar. Sobrevivem muitas, é verdade, especialmente na Barra — talvez porque a Barra seja lugar de moradores velhos e de turistas e ladrões e traficantes e putas novos, não sei — mas eu e seus donos sabemos que seu tempo está contado.

Quando vejo uma banca, hoje, vejo algo que cumpre seus últimos dias de vida antes de uma execução dolorosa com data já marcada, uma espécie de último moicano resistindo quixotescamente à própria morte.

Mas não é daí que vem a tristeza, porque a essa sua sina eu já me conformei há muito tempo.

Ela vem porque sempre que entro em uma das poucas bancas que ainda restam quero desesperadamente comprar alguma coisa, uma revista, um jornal. Mas já há anos as bancas daqui não vendem os jornais de fora, e não consigo ver sentido em nenhuma revista à disposição, porque já vi tudo o que me interessava antes, na internet.

E nessas horas me sinto um assassino involuntário, um linchador que, diante do corpo estendido no chão, finalmente tem a consciência do que ajudou a fazer.

As bancas estão acabando, e a culpa é minha também.

Da arte de idiotizar livros

A discussão sobre a reescrita de livros para crianças continua, e é espantoso que continue.

Ainda lembro da discussão sobre Monteiro Lobato. Essa, especificamente, me cansou desde que percebi que é essencialmente uma discussão acadêmica, isolada do mundo, que só interessa de verdade ao pessoal das universidades.

Porque crianças não leem mais Monteiro Lobato. Leem “Harry Potter”, “Crepúsculo”, “Diário de um Banana”, “Gossip Girl”. O mundo de fantasia ainda oitocentista e semirrural de Lobato já não fala ao universo infantil, muito menos ao adolescente. O pássaro roca ninguém mais sabe o que é, mocha é um tipo de café e não uma vaca sem chifres e o Curupira existe ainda menos que o Papai Noel. Coleções de Monteiro Lobato se acumulam nos sebos como testemunhos silenciosos e empoeirados da frustração de pais que acharam que seus filhos eram iguais a eles.

No fundo, o bafafá sobre Lobato serve apenas para justificar salários e teses de professores que vivem disso: de palavras, de símbolos, de significados e “ressignificados”, por estéreis que sejam. E, para validar esses “ressignificados”, que o Racista de Taubaté se torne uma versão contemporânea do Açougueiro de Lyon, porque ultimamente, no ranking dos preconceitos e ódios, o antissemitismo anda perdendo lugar para o racismo contra negros; a II Guerra Mundial foi há muito tempo, e a Palestina é logo ali.

Um tanto dessa inutilidade acomete a última discussão que acompanhei superficialmente, agora sobre Roald Dahl. Dahl, no Brasil, até onde sei é leitura recente, e se exerceu alguma influência eventual sobre bacuris patrícios foi pelo filme “A Fantástica Fábrica de Chocolates”, e não por seus livros. Quando eu era criança, nos anos 70, lia-se Verne, “Tesouros da Juventude”, “Mundo da Criança”, coleção Vagalume, o Racista de Taubaté. Eu, pelo menos, só fui ler Dahl na casa dos 30, e mesmo assim porque a editora Barracuda, brilhante e breve aventura editorial do Alfred Bilyk, me presenteou com um livro.

Mas há que se combater o mal causado pelas palavras cruéis de Dahl. Um dos personagens da Fantástica Fábrica de Chocolates, Augustus Bloop, deixou de ser “gordo” para ser “enorme”. A palavra “gordo”, aliás, foi retirada de todos os livros do finadoautor. Indiferente a tudo isso o pobre Augustus, recoberto por sua banha balouçante, continua pesando o mesmo, tanto faz se você o chama de gordo ou enorme.

Esse tipo de revisionismo é tão tacanho, e já fui terminantemente contra essas releituras. Mudei um pouco de ideia quando lembrei dos “Clássicos da Literatura Juvenil”, sobre a qual, eu eterno bêbado que não sabe que está se repetindo, escrevi várias e várias vezes aqui. A coleção, que provavelmente formou os meus gostos e pinimbas literários, era constituída majoritariamente, se não totalmente, de adaptações e simplificações. Logo, como eu sou a verdadeira medida do mundo, adaptações não são necessariamente ruins.

Mas há uma diferença entre o tipo de adaptação feita naqueles livros e essas mutilações pudibundas de agora, e ela é fundamental.

Aquelas eram tentativas de fazer livros às vezes seculares chegarem a pessoas mais jovens e menos afeitas aos meandros da escrita, através de um esforço consciente de empobrecimento e simplificação. Por exemplo, sua versão de “Os Três Mosqueteiros” simplificava a história, talvez tirasse uns detalhes importantes, mas mantinha a sua estrutura, com seus heróis imperfeitos, sem omitir o que era de fato importante. Aqui e ali os adaptadores faziam intervenções mais judiciosas, e demorou anos até eu saber que Steerforth tinha feito mal à menina Pegotty e levado a tadinha à prostituição; um dos mais bizarros, no entanto, foi a decisão incompreensível de Herberto Salles de omitir a morte de Beth em “Mulherzinhas”, embora na continuação, “A Rapaziada de Jô”, adaptada por M. Z. Camargo e publicada na mesma coleção algumas semanas depois, ela já estivesse mortinha da silva. Provavelmente Salles achou que a criançada não podia ser exposta à morte dessa forma, como hoje não podem ser expostas ao racismo; tudo o que conseguiu foi confundir os leitores.

De qualquer forma isso era raro, e só lembro desse exemplo. O que se vê agora parece com essa omissão cometida por Herberto Salles: são esforços puritanos em estabelecer uma proteção definitiva de pobres crianças idiotizadas e superprotegidas da maldade do mundo.

Um exemplo paralelo está na reedição do “Manual do Escoteiro Mirim” (outra daquelas obras fundamentais da minha infância, o que mostra quão pobre foi a minha formação. Mó inveja desse pessoal que lia “Ulysses” aos dez anos). Ele trazia umas receitas que incluíam, imagino, licores entre seus ingredientes. Agora os licores foram retirados delas, com uma notinha jogando a culpa no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Eu realmente não sei como sobrevivemos àqueles tempos duros. Devia ser graças à cachaça que bebíamos aos três anos de idade e às orgias intermináveis que fazíamos a partir dos cinco, porque não havia uma nota explicativa proibindo nada isso.

Os defensores das reescritas dizem que elas não importam tanto assim, porque as obras originais continuam aí. É a justificativa mais canalha e cínica que conheço, até porque ela é apenas parcialmente verdadeira. Esses originais vão continuar existindo para adultos que os escolherem como motivos de teses acadêmicas que serão lidas apenas por seus orientadores, mas o que estará nas livrarias ou, mais importante, nas compras governamentais serão as versões sanitizadas. Como dizia Lampião, “eu só faço o furo, quem mata é Deus”.

A questão é outra. Censurar um livro é simplesmente errado, seja qual for a forma de censura. Essa postura lembra cada vez a prática comum nos EUA de banir livros de bibliotecas e escolas — porque uma vez aberto o precedente, nada impede que todo mundo que se sinta incomodado ou ofendido por um livro tente proibir a sua leitura pelos outros, movidos pelo proselitismo de bons cristãos. E é aí que a certeza e presunção morais e éticas dos ativistas se tornam perigosas e um enorme tiro pela culatra. Em 2022, o livro mais banido nas escolas americanas foi Gender Queer, de Maia Kobabe, porque traz temática gay e é, alegadamente, sexualmente explícito. O segundo livro mais banido dos EUA na década passada foi essa série subversiva chamada “Capitão Cueca”.

Uma vez aberto, o portão da estupidez não pode mais ser fechado.

O mais grave é que toda a essa atividade protetora, policialesca, é essencialmente um exercício obtuso de subestimação da inteligência das pessoas. Defensores dessas proibições gostam de usar o argumento de que cada “interpretação tem seu tempo” para justificar seus cortes, mas o esquecem na hora de admitir a inteligência das pessoas.

Não custa tomar o racismo de Lobato, que na confusão que umas gentes fazem entre autor e obra dizem estar materializado em expressões racistas ditas pela Emília, como exemplo: se livros são o retrato do seu tempo, crianças também são. E certamente são mais inteligentes que a maior parte dos seus autonomeados protetores. Tenho sérias, seriíssimas dúvidas de que precisem ser protegidas do beiço da Tia Nastácia: o que era normal em 1930 hoje soa automaticamente incômodo para elas, criadas em um ambiente onde essas manifestações são cotidianamente malvistas, policiadas e condenadas. Até mesmo adultos e velhos como eu passam por fenômeno semelhante: o que era cotidiano e normal trinta, quarenta anos atrás, hoje soa incômodo e simplesmente errado.

Mas para os zelotes do vernáculo, se as crianças brancas lerem um livro em que a Emília, dada a falar os mais variados tipos de disparates, ofenda a Tia Nastácia, se transformarão automaticamente em racistas; se negras, ficarão deprimidas e terão sua autoestima destroçada ao verem as ofensas da boneca de macela, incapazes de identificar isso como racismo — assim como, para os fiscais do rabo alheio, ler Gender Queer vai transformar seus filhos em travestis enlouquecidas de fio dental na caçamba de uma caminhonete purpurinada cantando enlouquecidas Loco Mia.

Pensando bem, talvez o mundo fosse melhor se isso fosse verdade.

1001 seriados para ver antes de morrer

Por dez reais eu compro até livro de autoajuda, tipo “Foco Quântico e Seja Grande” do coach Benjamin Arrola, autor célebre que na virada do ano fez muito sucesso nas frentes de quartéis e entre lutadores de MMA que levaram pancada demais na cabeça.

Em vez disso, comprei há algum tempo, num desses saldões da Amazon, “1001 Séries para Assistir Antes de Morrer”, editado pela Sextante e com o qual, imagino e espero, a editora teve prejuízo significativo. Anos atrás ganhei “501 Filmes Para Ver Antes de Morrer”, que não é ruim, e achei que esse podia valer alguma coisa. Triste engano.

É um calhamaço de 960 páginas em couché fosco, com muitas fotos, muito pesado e difícil de manusear. O título é enganoso. Não são apenas o que entendemos por séries, ou seriados. Há programas de auditório, game shows, telenovelas, programas de esquetes humorísticos, reality shows. Título melhor seria “1001 TV Shows”, tradução adequada seria “programas de TV”. Foi um livro caro de fazer, mas pelo visto isso não sensibilizou ninguém e ele terminou na pilha de encalhes, de onde o resgatei como meninas bobinhas resgatam gatos.

O prejuízo é merecido porque, para começar, não existem 1001 séries de TV que merecem mesmo ser vistos. Seriados são longos demais. Assistir a “Bonanza” inteiro, por exemplo, demandaria mais de 400 horas da vida de uma criatura, que poderia fazer coisas melhores com esse tempo — uma trepanação, por exemplo, ou uma cirurgia de vesícula. É o tipo de livro que só pode existir nestes tempos de fartura excessiva: informação apenas curiosa, análise pífia e uma vocação contemporânea para criar um tipo estranho de ansiedade inútil: você precisa ver isso, você precisa fazer aquilo.

Sendo generoso de verdade, há uns 20 ou 30 seriados que fizeram a TV avançar, como I Love Lucy ou The Sopranos, e unss outras 50 que são tão bons que merecem ser realmente vistos mesmo agora. O resto é lixo para gastar tinta em gráfica.

Além disso, esse livro chinfrim não inclui “Daniel Boone”. Eu até entenderia se ele tratasse dos dez melhores seriados, até 100. Mas quebrar a cabeça para arranjar mil programas de TV que possam ser recomendados por alguma coisa e não incluir um seriado inesquecível, que durou seis temporadas, só pode ser pirraça. (Sim, é implicância pessoal. Ninguém mexe com meus amores. Danem-se, editores canalhas.)

Mas mesmo descontando tudo isso, até a minha ranhetice, este é um livro realmente ruim. É essencialmente um apanhado cronológico de programas de TV americanos e ingleses, com alguns franceses e um ou outro de outras nacionalidades para ajudar o livro a ser vendido nesses países. Parece não haver um critério mais rígido nem uma correta hierarquia de importância de séries, mas é só impressão: essa diferença existe, só que se dá no uso de fotos maiores. Os textos têm basicamente o mesmo tamanho. Um seriado de segunda ou um sucesso absoluto às vezes têm quase o mesmo peso.

O Brasil está presente com “Sua Vida Me Pertence”, a primeira telenovela brasileira. Esse é talvez o indício mais gritante da estupidez que envolve todo esse livro. Quem a incluiu não sabe do que está falando: procurou o nome numa enciclopédia qualquer e a colocou no livro porque, bem ou mal, é um marco histórico. Mas o fato é que ninguém viu essa novela de 1951 — no máximo uns poucos milhares de paulistas, que se ainda vivos já passaram dos 80 anos. Pior, ninguém pode assistir a ela porque a novela não existe. É do tempo da TV ao vivo.

Sinto ser eu a lhe dizer isso, mas você vai morrer sem ver “Sua Vida Me Pertence”, e sua vida terá sido incompleta e insatisfatória, e não valeu nada, que vida inútil você levou. Triste e ingrato fim, o seu e o meu e o de todo mundo.

Mas posso lhe oferecer um pequeno consolo.

Se escrevi acima que espero que a editora tenha tido um bom prejuízo com esse livro, é porque a preguiça merece ser recompensada com o opróbrio e o encalhe. Fossem menos preguiçosos e tirariam aquele amontoado de seriados ingleses de que jamais ouvimos falar e colocavam algumas das grandes produções brasileiras.

A TV nacional sempre foi melhor que o nosso cinema, e se me perdoam a pachequice, melhor que a maioria das TVs do mundo. Programas como “Chico City”, novelas como “Roque Santeiro”, seriados como “Carga Pesada” ou “Malu Mulher” ou “Sítio do Picapau Amarelo”, minisséries como “Anos Dourados”, “Hoje é Dia de Maria” poderiam substituir grande parte dos seriados obscuros, nunca exibidos no Brasil, que incluíram aqui. Fariam isso com honra e glória e, principalmente, maior apelo comercial.

Fizessem isso e eu não estaria aqui, esculhambando algo que nem vale a pena ser esculhambado.

Melhor do que colocar uma novela que ninguém pode ver, como “Sua Vida Me Pertence”, seria detalhar melhor os mais importantes seriados antigos e atuais: datas, episódios, equipe, trívia, essas coisas. É verdade que esses dados provavelmente já estão na Wikipedia ou em outros wikis internet afora, mas a organização dessas informações em um livro ainda é algo insuperável. Melhor, poderiam selecionar os melhores e investir em informações e avaliações críticas realmente interessantes. Desperdiçaram essa chance.

Mas o pior, mesmo, é a ideia de “ver antes de morrer”. Há algo de doente numa sociedade que vive em angústia permanente, sob pressão para fazer coisas que nem quer tanto fazer, tornando as pessoas devedoras eternas de algo que não receberam. Fazer isso antes de morrer, comer aquilo antes de bater as botas, contar as misérias de sua vida sexual porque todo mundo está fazendo isso antes que o tempo acabe. Precisamos vender, precisamos vender, e para isso precisamos criar ansiedades inúteis em uma humanidade que está perdendo a capacidade de exercer algum critério de sensatez.

Ainda tenho dúvidas de que vou morrer um dia. A única certeza, mesmo, é a de que vou morrer pouco me lixando para os tantos e tantos e tantos seriados que não vi. Nem para isso esse livro serviu.