As gracinhas do senhor Biajoni

O senhor Luiz Biajoni, com quem cortei relações há meses, me mandou “Pulp”, de Bukowski, como presente de Natal. Junto, mandou as duas edições impressas do Tiro e Queda.

Feliz, agradecido, lá fui eu folhear o livro e ler os jornais. Talvez por isso só tenha prestado atenção ao envelope muito tempo depois.

O indigitado senhor não resistiu à tentação de incluir seus comentários sarcásticos e ferinos. Ali está, no que deveria ser apenas meu endereço: “Ed. Stephanie (ui!)“.

É por esses pequenos detalhes que eu não falo com esse senhor.

Ora, direis, ouvir estrelas

Twinkle, twinkle little star

Flagrante do momento em que o bloguista ensina sua filha a reconhecer constelações, com a ajuda de alguns programas de astronomia, e em que o mesmo bocó fica sabendo que aquela estrela brilhante, que ele apontava como a Estrela d’Alva, na verdade era Sirius. E que o planeta amarelado que ele apontava como Marte era Saturno.

Um post de Natal

O Túlio perguntou se sou ateu.

A pergunta deve se dever à última alegria do post anterior. Crentes não costumam debochar d’Ele; é o limite que a maioria das pessoas encontram, é a última fronteira: brinquem e serão excomungados. O Paulo tirou uma conclusão que parece semelhante, mas que é bem diferente.

A resposta é não. Não sou ateu. Nem de longe, e nem que quisesse. Fé não se explica, e não se evita.

O fato de acreditar em Deus não me impede de achar também que, de certo modo, sua existência seja criação dos seres humanos. Deus também foi criado à minha imagem e semlhança. Assim como Ele existe independentemente do que eu acho ou deixo de achar, o fato de eu ter uma visão bem particular não afeta em nada a Sua existência. As coisas existem independentemente de como eu as veja — e é por isso que a única discussão em que não entro é aquela sobre a existência de Deus, a mais estéril que eu posso imaginar: no fim das contas, tudo se resume a acreditar que Ele existe ou não.

Tampouco sou religioso. Não sou sequer cristão, nesse sentido — já que não acredito em Jesus Cristo como o tal filho de Deus ou parte daquela coisa absurda e incompreensível que é a Santíssima Trindade. Na verdade, vejo Jesus como um fenômeno histórico brilhante. Acho o budismo, que virou moda, uma desculpa apropriada para o século XXI, candomblé — que deveria ser a religião oficial do Brasil — uma lindíssima manifestação animística, e por aí vai.

Talvez por não ser cristão eu não tema mesmo a Deus. A relação aqui é outra.

Mas o fato de não ser cristão não me impede de achar o espírito do Natal uma das coisas mais belas que o ser humano conseguiu inventar. O Natal é uma lembrança do que existe de melhor em nós. Nos lembra que acreditamos — e acreditar é talvez a coisa mais importante do mundo — que alguém foi capaz de dar sua vida por amor ao próximo. Poucas coisas, em toda a história, foram tão importantes quanto essa idéia. Seja obra de quem for — de Jesus, de Mateus, de Paulo, do Vaticano reunido em segredo de Estado — é uma espécie de testamento máximo de humanidade. Nada pode ser mais importante do que isso. Nem mais desejável.

Feliz Natal.

Um dia de verão

Janeiro de 1994.

Andando pela rua, debaixo de um sol lancinante. Uma mulher pára na minha frente.

— Você é bonito.

Olho espantado para a mulher, agradeço sem jeito.

— Você é bonito.

É louca, louca. Agradeço mais uma vez e saio andando.

Mas ela vem andando ao meu lado.

— Você até parece aquele cantor, Leandro e Leonardo (não, não pareço). Alto, cabelo bom. Sabe, eu tenho uma irmã de treze anos que é quase do seu tamanho. Mas ela quer me bater quando eu tô em casa.

— Ah, não. Não deixe. Ela tem que respeitar os mais velhos.

E, conversando um monólogo só dela, a moça foi andando comigo por dois quarteirões.

Perguntas

— Papai, como você nasceu?

— Numa noite, uma estrela brilhou no céu. O vovô e a vovó estavam num estábulo, e o papai nasceu numa manjedoura. Três reis magos trouxeram ouro, incenso e mirra de presente para o papai.

Ela olha para mim, séria. Continua olhando.

— Vovó, como o papai nasceu?

Filha de peixe

Salvador, 23 de março de 1981

Querida Vovó.

(…)

Sábado mamãe comprou para mim O Meu Pé de Laranja-Lima e li-o em 2 horas.

Vi um livro, Cinco semanas em um balão por 10 cruzeiros. Aí eu escondi atrás de umas revistas, porque na hora estava sem dinheiro, para comprar depois.

O mais provável é que eu tivesse saído do cinema — Guarani ou Tamoio — e ido esperar o ônibus quando achei o livro, numa banca na Praça Castro Alves. Não lembro disso, mas lembro de ter comprado o livro mais tarde.

23 anos e 4 meses depois, no supermercado com minha filha, ela pediu uma boneca e eu expliquei que não tinha dinheiro naquela hora. Imediatamente ela se abaixou, pegou a caixa e colocou atrás de outras bonecas. E deu um sorriso de quem se acha muito esperta.

Alguns hábitos são herdados sem nenhuma explicação.

A diferença é que ela tinha cinco anos, enquanto eu tinha dez quando fiz algo parecido. Eu sempre disse que ela é muito, muito mais inteligente do que eu.

Cenas do Próximo Capítulo

Há uns onze, doze anos eu escrevia alguns programas para uma rádio do interior de Sergipe. Foi antes do e-mail, e eles eram enviados por fax. Ainda tenho alguns arquivados. Me bati com um deles dia desses e lembrei que me divertia muito escrevendo os danados. Os primeiros programas, que não deixaram traços, eram uma cozinhada do noticiário que interessava à região, notícias devidamente copidescadas de jornais da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Esse era sério.

O que não se pode dizer de outro programa, diário: “Cenas do Próximo Capítulo”, com as sinopses dos capítulos das novelas daquele dia. Foram os únicos que restaram. Na época a novela das oito era “Fera Ferida”, a de Flamel. Entre os personagens havia um casal formado por uma vitalina chamada Ilka, interpretada por Cássia Kiss, e um ex-jogador de futebol chamado Ataliba, por Paulo Gorgulho.

A sinopse original dizia o seguinte: “Ataliba vai tomar chá na casa de Ilka”.

Acontece que o tal Ataliba era impotente e o chá era pretensamente afrodisíaco. A versão rafaeliana ficou assim: “O ex-jogador, ex-conquistador e ex-homem Ataliba vai tomar um chazinho na casa de Ilka. Como já deu pra notar, Ilka tá louca pra resolver o problema de Ataliba, que é pra ver se Ataliba resolve o dela.” Deveria ser lida em tom de paródia, mas se eu conhecia bem os locutores — um dos quais assassinado por questões políticas alguns anos depois –, o resultado devia ser muito mais trash que o texto.

Outro programa, semanal, era sobre fofocas de artistas. Uma espécie de “Contigo no Ar”. E foi por causa desse que consegui arranjar uma confusão. Um sujeito não gostou de uma nota sobre Michael Jackson — acredite, esse programa era muito, muito mais debochado que o das novelas. Durante algumas semanas fui aconselhado a não pisar na tal cidade.

Não que dizesse falta, claro. Uma cidade em que as pessoas compram briga por causa de Michael Jackson não pode valer a pena.

Invasão de privacidade

Tia, há algumas semanas:

— Rafael, você tá namorando?

— Não.

— Ah, sei. Só ficando, né?

— Não.

— Tá sozinho?

— Não.

— Não entendi.

— Nem eu.

***

Mesma tia, há uns 10 anos.

— Rafael, ninguém sabe de sua vida particular.

— Se soubessem não seria particular.

***

Mesma tia, há uns 15 anos, mesmo tipo de pergunta.

— Olha que legal, tia: se as pessoas não perguntam sobre a minha vida, eu não pergunto sobre as delas. Já imaginou o quanto de problemas isso evita?

***

Daqui a uns cinco anos eu devo postar uma nova pergunta, igualzinha. E uma resposta muito parecida.

De ratos e homens

No meu perfil do Orkut está bem claro para quem quiser ver:

Pets: I like them at the zoo.

Não sou o maior apaixonado por bichos. Não faço segredo disso. E no entanto, na casa de minha mãe há um mini-zoológico. Há Antonieta, a tartaruga. Peter Parker, o poodle que pensa que é gente. E agora há um casal de hamsters.

A tragédia em tudo isso é que foi culpa minha. No Dia das Crianças dei os bichos para meus sobrinhos. Fui para o shopping com eles para que escolhessem o que queriam; mas dei o vacilo imperdoável de passar em frente a uma pet shop, e então eles não quiseram mais nada.

Não sei que doença crianças têm para gostar tanto de bichos. O fato é que eles esqueceram de tudo para comprar os hamsters. Quanto a mim, descobri da pior forma possível que pet shops não vendem hamsters; eles são só uma isca para pegar otários. Eles vendem gaiolas, comedouros, bebedouros, maravalha, ração, pó para banho. Ai do pobre coitado que comprar um hamster.

E assim me vi às voltas com a Ritinha.

A Ritinha é o nome que dei à ratinha. Para mim ela é isso, uma rata sem rabo. Ela é interessante de se ver durante uns 2 minutos: corre para cá e para lá, pára sobre as patas traseiras e fica prestando atenção ao que acontece em redor, corre feito idiota numa roda que não leva a lugar nenhum, enche as bochechas de comida. Tem a mania de se segurar no alto da gaiola, como o Homem-Aranha, e se jogar de lá. Mas o macho, a quem não dei nome por puro desprezo, é outra história.

Hamsters têm tendências a ter uns piripaques. O macho deu um assim que chegou aqui. Ficou lá, estiradão, catatônico, parecendo morto. Se recuperou relativamente rápido mas, coitado, ficou meio seqüelado.

O descalibrado passa as noites rodando em círculo, em sentido anti-horário. É uma das coisas mais irritantes que alguém pode imaginar. Se alguém lembra do chão da sala das preocupações do Tio Patinhas tem uma boa idéia de como fica a maravalha sob esse rato miserável.

É isso, eu até aturo a Ritinha, mas detesto o rato. Por mim ele já teria sumido há muito tempo, mas não quero nem imaginar a mágoa dos meus sobrinhos ao darem por um rato faltando.

Nessa dicotomia, durante as últimas semanas vim tentando achar uma solução. E acho que descobri.

Um amigo, um psicopata chamado Beto, tem um hamster também. Se chama Epitácio (a filha dele tem outro, Bijou, mas pelo nome não boto lá minha mão no fogo). Ontem levei a Ritinha para lá, para ver se o Epitácio faz uns favores a ela.

Se a Ritinha der cria, o rato lelé vai virar comida de gato. Mas longe daqui, porque tudo de que preciso é de um gato me enchendo o saco.