Anti-semitismo

A origem do anti-semitismo — que é diferente de outras vertentes de racismo — está na necessidade do cristianismo de validar sua fé através da negação das crenças judaicas.

O cristianismo está fundado na divindade e no messianismo de Jesus, o que os judeus, obviamente, negam até hoje. Como os cristãos vêm sua religião como uma evolução do judaísmo, se tornou imprescindível denegrir, de todas as formas, o judaísmo. E aí, mais que malévolos, os judeus foram transformados no próprio mal: quem mais seria capaz de matar o filho de Deus, além do próprio diabo?

Essa necessidade se imbricou de tal forma no arcabouço teológico do cristianismo que, como diz Daniel Goldhagen, “o anti-semitismo se tornou o corolário do cristianismo”.

É isso que torna o anti-semitismo diferente do preconceito contra os negros, por exemplo. É curioso que muita gente que nunca viu um judeu em sua frente acha que ele é intrinsecamente ruim, usurário, malvado. O verbo judiar é o melhor emblema dessa noção.

Por que admirar os judeus…

Provavelmente, nenhum outro povo foi tão perseguido pelo simples fato de ser o que era, e nenhum outro povo conseguiu manter sua identidade cultural com tamanha força. Durante a Idade Média, judeus foram perseguidos de todas as formas possíveis, e isso continuou até muito recentemente — em 1947 foram proibidos de ter posses no Iraque, por exemplo.

Poucos povos têm o valor, a determinação e a capacidade de suportar o sofrimento que os judeus demonstraram em 2000 anos de perseguição (tá, eles querem mais, incluindo o cativeiro egípcio, mas ali era diferente; os judeus sofriam tanto, por exemplo, como os filisteus, cujo grande crime era ocupar antes uma terra que Deus prometeu a Moisés mas esqueceu de avisar ao resto do mundo).

…mas o que acontece de errado…

Muita gente compara os 6 milhões de judeus mortos pelos nazistas aos 20 milhões de negros escravizados no Novo Mundo. Mas a conta não é essa. O que torna o Holocausto diferente é que os nazistas montaram uma máquina para matar em larga escala, algo até então inédito na História, e a razão era puramente racial.

Com o fim da II Guerra Mundial as coisas melhoraram, e muito, para os judeus. Se o anti-semitismo foi regra até então, depois disso todo mundo passou a ter vergonha de dizer que odeia judeus. Foi um avanço.

Acontece que de lá para cá foi-se criando a percepção esquisita de que, de repente, os judeus passaram a monopolizar o papel de vítimas do mundo. Há uns cinco anos alguém resolveu fazer um memorial ou algo parecido em homenagem aos homossexuais mortos pelos nazistas (a bicharada foi tão perseguida quanto os judeus, embora não pelos mesmos motivos). Os judeus de Nova York chiaram, e a tal homenagem morreu. Há vários outros exemplos.

Em “As Origens do Totalitarismo”, Hannan Arendt chega a justificar a raiva que o povo alemão sentia dos judeus pela sua riqueza (como se todo judeu fosse rico, o que até justificaria boa parte das crenças absurdas anti-semitas). Ela até inventa o conceito de “riqueza que não explora”, o que é uma pérola da imbecilidade, mas compreensível pela sua origem.

Mas as coisas pioraram, mesmo, por causa das atitudes tomadas pelo Estado de Israel.

…e faz o mundo voltar a detestar judeus…

Todo o capital social acumulado pela expiação no Holocausto vem sendo sistematicamente destruída pelos crimes cometidos por Israel.

Há alguns meses o parlamento de Israel aprovou uma lei (por 53 votos a 25) proibindo o casamento entre judeus e palestinos; aos já casados a lei oferece três belas alternativas: viverem separados, irem morar em território palestino ou simplesmente abandonarem o país. Digam o que quiserem, mas é uma lei puramente racista.

Pelo visto sentem saudades da Lei de Proteção ao Sangue Alemão, editada pelo III Reich. Ela proibia o casamento, e até mesmo a boa e velha sacanagem, entre alemães e judeus. A lei chegou a prever a pena de morte aos infratores.

E agora israel constrói um muro que reedita o Gueto de Varsóvia — com a diferença importante de que agora estão do outro lado, sempre mais confortável.

É a grande ironia da História: os judeus acabaram se tornando os novos nazistas.

…o que é compreensível diante de Ariel "Sabra e Chatila" Sharon

Cada vez mais fica difícil defender ou simplesmente justificar uma nação que tem como presidente um genocida como Sharon.

Sharon está no mesmo nível de Hitler, Milosevic e outros criminosos insanos. É um assassino, e está destruindo um povo. Cabe a qualquer judeu que tenha orgulho de sua história, além da sabedoria gerada por milênios de sofrimento — ou pelo menos um mínimo de compaixão — repudiar esse monstro.

Mas se o seu povo lhe dá razão e o reelege, isso diz tanto sobre o criminoso quanto sobre o povo. E aí, a todos aqueles que denunciavam o absurdo do anti-semitismo, fica cada vez mais difícil continuar. E mais cedo ou mais tarde eles vão simplesmente calar ou baixar a cabeça quando ouvirem alguém falar em um “judeu filho da puta”.

Crônica de uma noite fria

Que ninguém me pergunte como, mas semana passada fui parar no estúdio onde o Nasi, do Ira!, está gravando seu disco solo.

A música gravada naquele momento era “É Preciso Dar Um jeito, Meu Irmão”, um lado B do Erasmo dos anos 70. A música é uma beleza, a gravação está perfeita, e embora ela só tivesse a voz guia, o que já estava finalizado mostrava que vai ficar muito, muito boa. Sem desrespeitar as origens “setentistas” da música, o Nasi imprimiu uma levada levemente blueseira que tornou a música muito mais interessante. Vai valer a pena comprar o CD.

Eu não conhecia o Nasi. Não era sequer grande fã do Ira!; nos anos 80 eu ouvia basicamente música dos anos 50 e 60. Mas o sujeito que conheci, e com quem fui tomar umas cervejas ao lado de uma amiga e de Tânia Soares (ex-deputada e atual presidente da Fundação Cultural de Aracaju, cuja lei sobre numeração de CDs foi devidamente desancada por mim alguns posts atrás, para não perder o costume de esculhambar meus amigos), é uma figura inteligente mas, mais que isso, gente boa. Foi uma boa surpresa.

Acontece que ultimamente tenho uma agenda política, baseada na certeza de que é necessário que se compreenda e lide com o MP3. E, com toda a cara de pau que mamãe me deu, além daquela propriedade absoluta da verdade que grilei sozinho, saí tentando convencer o Nasi de que o futuro é o MP3, que não há como controlar o compartilhamento livre de arquivos e que o que os artistas têm que fazer é simplesmente abraçar o danado e tirar o melhor dele.

Minha sugestão foi simples: por mim, o Nasi adotaria uma forte presença online. E liberaria as músicas. Vão copiar, mesmo, então que se saia na frente e ofereça graciosamente. As pessoas costumam simpatizar mais com esse tipo de atitude. E acho que assim mais gente vai conhecer o trabalho do sujeito.

Acontece que estou convencido de que, para idéias, fama é fortuna. Quanto mais gente conhecer suas músicas, mais gente comprará os seus discos — ou, no mínimo, mais gente irá aos seus shows. Dependendo o ângulo sob o qual você olha, o MP3 pode ser a melhor forma de subverter a ditadura das gravadoras. E de se adequar a um mundo que está mudando muito rápido.

Obviamente, não radicalizei a ponto de sugerir que liberasse as músicas em qualidade máxima, embora ache que é o que deve ser feito; e na hora não pensei em simplesmente gravar um show e liberar as músicas, deixando o CD de lado. Há milhões de possibilidades, e todas elas passam pela necessidade de se construir uma ligação com a comunidade que simpatiza com esse tipo de música. É uma questão de marketing, só isso.

O Nasi ouviu — ouvir é uma grande qualidade, não é? — e parecia concordar. Vamos ver se eu consigo ter alguma influência no rumo que a música brasileira vai tomar.

O imaginário popular

A Lili lançou uma pergunta no seu blog: “Como vocês acham que eu sou?”

É curioso, pelo menos para mim, porque eu não costumo imaginar como sejam as pessoas que leio aqui.

Porque não acho que seja importante, e porque, no final das contas, é uma grande perda de tempo. A beleza disso aqui é que você julga as pessoas pelo que elas têm a dizer, e pela forma como dizem, e não porque são assim ou assado. Não há nenhum preconceito — racial, social ou estético –, mas apenas o julgamento do que as pessoas realmente são (ou querem parecer, o que muitas vezes dá no mesmo). E isso é uma coisa maravilhosa.

Mas afinal, como vocês acham que a Lili é?

E Lili, se você for gostosinha e bonitinha, me dá seu telefone?

O túmulo do samba

Foi Vinícius quem disse que São Paulo era o túmulo do samba.

Se eu tinha alguma dúvida, sexta-feira passada ela foi dirimida completamente.

Eu vi o velório do samba. O defunto estava numa mesa, mal tocado e pior cantado. Pessoas em pé rodeavam a mesa, caladas, sérias, dando compenetradas um último adeus a esse gênero, velando aquele que tantas alegrias deu ao mundo, pelo menos no Rio de Janeiro.

(Traduzindo: uma roda de samba ruim como poucas, num lugar cujo nome leva Tabajara e que dizem ter sido idealizado por Mário de Andrade. Uma das sextas-feiras mais chatas que já se viu. Os únicos que se divertiam eram os que tocavam, provavelmente por terem perdido a vergonha.)

Saudades da Lapa.