Casablanca

Eu gosto de cinema. Gosto muito.

Mas acho que gosto mais ainda de “Casablanca”.

“Casablanca” nunca liderou aquela lista inglesa de 10 melhores filmes da história (essa lista foi encabeçada por “Encouraçado Potemkim” até 1961, e depois disso por “Cidadão Kane”). Ele é, acima de tudo, um exemplo da maestria no artesanato própria de Hollywood nos anos 30 e 40.

A produção foi complicada. Ronald Reagan tentou conseguir o papel de Rick Blaine. O filme foi sendo escrito e reescrito à medida que ia sendo gravado. Os diálogos foram refeitos inúmeras vezes.

O resultado, por mais caótica que tenha sido sua produção, é um dos filmes mais idolatrados da história. Provavelmente porque, acima de tudo, “Casablanca” é um filme de roteiristas. Tudo bem que o diretor Michael Curtiz é ótimo, que os atores (Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Peter Lorre e até mesmo Paul Henreid) são ótimos — mas o que conta mesmo neste filme são os diálogos e o enredo. Com exceção de Shakespeare e da Bíblia, nada é tão citado no cinema quanto “Casablanca”. “We’ll always have Paris“, “Round up the usual suspects“, “Here’s looking at you, kid“, “Play it, Sam“, e tantas outras, são frases que fazem parte do imaginário cinematográfico. As cenas finais ficariam implausíveis em qualquer outro filme, mas em “Casablanca” são críveis e as únicas possíveis. De que interessam os problemas de três pessoas em um mundo louco sob sua maior crise mundial? Aquele diálogo é clássico, e é brilhante.

Mesmo atores que fazem papéis pequenos, como Peter Lorre e seu Ugarte, têm participações definitivas no filme. A cena em que Lorre pergunta a Bogart se ele o despreza (“Se eu pensasse em você, provavelmente desprezaria” é a resposta) é uma das melhores da história do cinema. E provavelmente a minha preferida.

O que faz de “Casablanca” um clássico é o brilho como a trama é conduzida. Todas as cartas estão na mesa, todos sabem qual o próximo movimento, mas ninguém pode fazer nada para impedir o curso da história, num determinismo quase marxista. Não há mistério nas situações. Há suspense apenas nos rumos que os corações dos principais personagens seguirão.

São todos personagens em conflito. Rick é um homem amargurado pela perda de seu grande amor, e que voltou as costas aos seus ideais. Ilsa é uma mulher dividida entre o seu dever — e a admiração platônica por um grande homem — e a grande paixão de sua vida. Renault é um hedonista corrupto que tenta tirar o maior proveito possível de uma guerra que lhe importa pouco, embora se possa suspeitar que embaixo de todo aquele cinismo bata ainda um velho e orgulhoso coração gaulês.

São esses personagens que encontram sua redenção em Casablanca. Antes que o filme acabe, Rick tem de volta seus ideais e a lembrança de uma atitude altruísta e nobre. Ilsa descobre o seu lugar no mundo, e sabe que sempre terá Paris para se lembrar, quando olhar para o lado e vir aquele chato do Laszlo roncando. Laszlo, provavelmente, será mais tarde um burocrata tcheco e um dos responsáveis pela repressão à Primavera de Praga. Renault, na que eu considero a decisão mais difícil de todo o filme, abdica da boa vida em Casablanca para honrar seu orgulho francês e entrar na Resistência. E Ugarte… Bem, Ugarte continua morto.

“Casablanca” é um filme de amor, claro, e é assim que ele é visto em primeiro lugar. Mas, para mim, é principalmente um filme sobre redenção, sobre um acerto de contas com o passado e a definição de novas perspectivas para o futuro.

É isso que faz de “Casablanca” um grande filme, algo mágico. Ao contrário de clássicos como “Outubro”, de Eisenstein, em que é muito fácil explicar as razões pelas quais os admiramos, “Casablanca” requer um pouco mais que isso. Mas quem disse que é fácil explicar por que você se apaixonou por determinada pessoa?

Originalmente publicado em 17 de julho de 2003.

9 thoughts on “Casablanca

  1. Rafa, quando ao filme tudo que havia a ser dito você já disse com maestria. Aliás, assisti Casablanca por sua influência, de tanto você falar sobre ele.

    Agora cá entre nós, você tinha que republicar justo este post?

    Há alguns meses meu lado feminino consumista compulsivo vem me atormentando com um desejo impossível de ser concretizado; Salvatore Ferragamo lançou pela mísera bagatela de R$ 10 mil a bolsa usada por Humphrey Bogart à época das filmagem de Casablanca.

    Eu bem que tinha conseguido trancar esse desejo no quartinho dos sonhos impossíveis e agora lá veio você soltar o filho da mãe, acho que ele conseguiu escapar pelo buraco da fechadura…

    Beijos

  2. Não vi Casablanca, mas tenho muita curiosidade. Mas eu reluto em ver clássicos. Sabe porque? Por causa dessa listinha que vc mesmo citou. Sabe, eu detesto quando um grupo de pessoas elegem filmes que devem ser cultuados, assistidos. Gosto é algo pessoal. Como vc mesmo afirma… Por essa e por outras, acho que vou ver Casablanca!

  3. Casablanca é um filmaço. Tb adoro. Só n gosto de cópia colorizada. Li este post faz um tempo, e reli agora: texto impecável! Mto bom!
    Beijão, Rafa!

  4. Depois de ler seu post, resolvi pagar uma antiga dívida comigo mesmo e aluguei o filme. É tudo o que você disse, e talvez um pouco mais. Obrigado.

  5. Antigamente eu alugava a fita na locadora quase que mensalmente … o rapaz que atende um dia me perguntou: Porque vc aluga sempre o mesmo filme e eu disse .. vai que um diaele para o avião?
    Romantica, mas e daí?
    Beijo … gostei do blog!

  6. NAO ASSSISTI AINDA INFELISMENTE A ESTE TAO FAMOSO FILME, MAS COMO ADORO FILMES E DE PREFERENCIA BONS FILMES PRETENDO LOCA- LO PARA CHECAR SE E TUDO ISTO MESMO, E TENHO QUASE CERTEZA SERA MUITO ESPECIAL REALMENTE, ADOREI A FRAZE DO COMENTARISTA DESTE SITE , A FE , QUE RESPONDEU AO ATENDENTE DA LOCADORA QUE PEGAVA O FILME TODO MES PORQUE QUALQUER HORA PODERIA PEGAR O AVIAO, COMO ILSA NO FINAL DO FILME, FRAZE GENIAL FE, PARABENS O BLOG E SUPER LEGAL, ATE MAIS…

  7. adorei o comentario ,vaique qualquer dia [RICH] resolva parar o aviao e chamar {Ilsa} de volta, que romantico, seria otimo este final, para este filme tao lindo, mas por ai se ve,, quase que nem nos filmes ou ficçao , ha finais felizes para todos ,Ilsa acabou nao ficando com seu verdadeiro amor,,,foi bem real.. e melancolico.

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