Réquiem para mim mesmo

Sabe, olhando para trás vejo com uma certa surpresa que não tenho medo de muitas coisas, porque sei que sobrevivo a tudo, e as coisas sempre melhoram e sempre pioram e sempre melhoram de novo. No fundo, a vida me ensinou a ser imortal como todo adolescente, achando que coisas ruins, realmente ruins, jamais vão acontecer comigo.

Mas hoje eu fiquei com medo, um calafrio ruim percorreu minha espinha, uma ânsia de vômito apareceu assim, do nada. Percebi que coisas ruins podem acontecer, sim, a pessoas boas como eu. E é uma sensação angustiante, essa, uma certa impotência diante do imponderável, a sensação de ser tão menor que o mundo.

A filha do Biajoni está namorando um goiano.

Logo o Bia, pobre Bia, que sempre disse que “as goianas eram as mais poutas” e indiretamente causou uma cruzada dos michês goianos contra este blog. Isso é tão grave que não permite o Schadenfreude, clama somente pela solidariedade mais sincera, pela dor compartilhada e pelo medo, sempre o medo, um medo terrível que torna o provável quase certo.

Porque ao ver a tragédia que aconteceu com o Bia vi que ela pode acontecer a mim também, que minha filha pode namorar um goiano, um daqueles michês que vêm dizer desaforo neste blog. E nas reuniões de família vou ter que agüentar um sujeito que ouve Bruno e Marrone, Chitãozinho e Xororó, Chato e Enjoado, sei lá seus nomes. Um sujeito que fala de carros como quem fala dos peitos da Vanusa Spindler. Que usa calças apertadas com fivelas de vaquejada, e camisas abotoadas nos pulsos. Que não sabe quem é Humphrey Bogart, e nem quer saber. Os meus pequenos motivos de orgulho — como gravar um disco com músicas bobinhas dos Beatles como Ob-La-Di Ob-La-Da para minha filha e ver que ela prefere um blues pesado como I Want You — podem se esvanecer para sempre, porque o Bia acabou de me dizer que seus pesadelos se tornaram realidade, e sua filha namora um goiano para desgosto eterno de seu pobre pai, num gesto de revolta juvenil auto-destrutiva e aprofundamento do abismo entre gerações.

Se isso acontecer comigo vou ficar que nem o Bia, vou rasgar minha túnica e espalhar cinzas em minha cabeça sem sequer o consolo de escrever um salmo. Vou sair por aí pedindo para alguém por favor dar um tiro na minha cabeça: a dor não pode ser maior.

Tristes, os diálogos que se prenunciam:

“E aí, Rafael, como você está?”

“Meu genro é um goiano.”

E se tal desgraça pode acontecer, se esse cenário de apocalipse é possível — ai, quantas coisas mais podem acontecer agora? Minha mulher pode me dar um pé na bunda e eu posso namorar uma neopolitana: embora eu não tenha nada contra neopolitanas, ela infelizmente me traria um cunhado neopolitano. Agora, por causa da tragédia que aconteceu com o Bia, posso morrer espancado a pauladas por uma legião de moços de pinto pequeno — restando apenas o consolo de saber que eles vão ter que procurar cacetes de tamanho razoável por aí afora, mas consolo para morto é como pente para careca. Posso ser trucidado por uma legião de adolescentes de trinta anos em sua histeria — e que consolo resta aí, saber que para seu azar há menos um homem no mundo? Isso não é o bastante.

De repente o mundo ficou menos seguro para mim.

O medo é uma coisa ruim, que corrói a gente. E hoje eu não pretendo sair de casa, vou dormir com a cabeça debaixo do lençol, e vou tremer embaixo dele ante a mais fugidia sombra que aparecer, porque descobri que sou vulnerável e Deus nem sempre é justo, e coisas ruins podem acontecer comigo.

23 thoughts on “Réquiem para mim mesmo

  1. Bora..bora..bora…
    Eu quero ficar aqui olhando o circo pegar fogo.
    O Rafael tá mal..o Bia (melhor não falar nele… afinal ele é o pai, né?)…o Bruno tá “noiado”.
    Quem mais? Quem mais?

  2. Por falar em ‘Schadenfreud’, como diria Schopenhauer: sentir inveja é humano, gozar da infelicidade dos outros é diabólico.

  3. Meu comentário é geral e se aplica a tudo que li até agora – em quinze minutos de visita. MUITO BOM, cara!!! Animal… amei os textos… posso até dizer que você está influenciando negativamente o meu rendimento (ou falta de) no estágio!
    Depois de tantos elogios, duas questões devem ficar bem claras: o blog é tão bom porque você é publicitário (adivinha qual o meu curso?) e 2, e mais importante: bonito sobrenome, heim?!

  4. bom, ao biajoni, eu só posso enviar minhas condolências e o consolo de que, bem, considerando que belle tem uns 15 anos, ela muito provavelmente não vai casar com o michê.

    quanto a você, acho que vale a pena indicar algumas providências. se a idéia é evitar agroboys independente da origem, mantenha sua filha nas capitais e próxima do seu gosto musical. se a idéia é mantê-la longe de goianos stricto sensu, mantenha sua filha longe dos estados unidos e de destinos europeus como londres, amsterdam, mallorca e chipre.

    acho que me fiz entender.

  5. Se sua filha for bonita e inteligente como a filha do Bia, dai realmente pode ficar preocupado porque ela irá, sem que você possa fazer nada, escolher um goiano como namorado.. Mas só se ela for linda e inteligente, assim como é a filha do BIA.. 🙂

    flw

  6. Rafaele, pisc*:
    Como você diz, “com uma leve diferença de enfoque, é claro”, tomara que você tenha o sogro que sua filha lhe der, ainda que goiano:-) Aliás, diz uma lenda que parentes “in law” são cada vez menos parentes, não é? Descanse (ops), então.
    Mas desejo mesmo é que todos saibam que você tem um dos melhores textos que alguém pode ler. E não é por você ser publicitário.
    Eu queria acabar com esse mito que assola o país:-)
    Ninguém escreve com esse nível de excelência porque é publicitário.
    Au contraire, se é que me faço entender.

    Agora que já dei uma de mythbuster… devo dizer que este seu post em particular deverá ter spin-off;-)

    Um beijo, doutô redatô.

  7. Rafa, eu já namorei um goiano. Péssimo confesso, mas não mais péssimo que paulistas engenheiros, advogados, médicos, publicitários…o problema não está no goiano…está nos homens no geral. É um mal –extrema e incontestavelmente- necessário!

  8. eu sempre leio (e adoro)…nunca comento…mas agora não teve jeito. preciso dizer:
    PREFIRO OS BAIANOS!

  9. Certos pais colhem o que plantam. Ao invés de apresentar a filha aos seus amigos blogueiros descolados, ficou escondendo ela em hotéis fazenda do interior paulista…deu nisso. 🙂

  10. Olá, amigo. Sou servo da Igreja Fundamentalista de Onã, que temos sede em Goiânia. Caro amigo, creio que você tenha se equivocado ao dizer que nós goianos somos ouvintes de Bruno e Marrone, Chato e Enjoado e seus amigos. Não, meu caro amigo! Nós temos um gosto musical muito peculiar e você, que provavelmente é um carioca com vida social e não sai da rua, deve ser ouvinte de funk e afins. Siga para o lado de Onã e verá as coisas de outra maneira, com o Onanismo e o Fagopequinismo, você verá que o mundo é sim uma maravilha. Fico grato por poder expressar minha opinião, grandes abraços!

  11. Vc é um imbecil, mas todos os imbecis são divertidos. rsrsrs. Amei o blog. kkkkkkkkk. Ah! Qual o teu problema com os neopolitanos? rsrrsrs

  12. Cara! Vanusa Spindler x Carros!
    Que metáfora é essa! Coisa de goiano mesmo… hahahaahaha
    Os peitos dessa loura (inesqueciveis) materializaram-se na minha mente, como se os visse na revista pela primeira vez, sei la quantos anos atras!
    Que merda de sinapses loucas que podem se formar na cabeça!
    Que merda!
    Excelente.
    Forte Abraço,
    Bené.

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