O tempora, o mores

No dia 4 de novembro de 1963, a apresentação dos Beatles diante da família real inglesa no Royal Variety Performance entrou para a história por uma frase dita por Lennon antes de introduzir Twist and Shout: “Para o próximo número, gostaríamos de pedir a sua ajuda. As pessoas nos lugares mais baratos, batam palmas. Ao resto de vocês, basta chacoalhar as joias”.

A frase entrou para a mitologia do rock and roll. Todo mundo conhece.

Mas isso foi há quase sessenta anos. Os tempora passaram e os mores mudaram muito.

Hoje a frase de Lennon seria vista como uma brincadeirinha de roqueiros inconsequentes e superficiais que apenas querem aparecer, que afinal de contas a família real não merece muito respeito desde Charles e Diana, e sua repercussão se daria apenas em pequenas bolhas na internet. Os tempora não perdoam.

Não é nada que mereça muita atenção, no fundo. Falar sobre isso é apenas repetir as platitudes que recheiam virtualmente tudo o que se fala sobre essas coisas na internet. Mas dia desses, revendo a apresentação, um detalhe me chamou a atenção. E esse detalhe diz mais sobre estes tempos estranhos que vivemos que a boutade pseudo-operária de Lennon.

Na introdução a uma canção anterior, a maneira como McCartney apresentou Till There Was You hoje seria amaldiçoada, e geraria protestos ainda mais fortes.

Durante esse mais de meio século ela passou despercebida, porque naquele tempo foi vista apenas como uma piadinha boba e trivial, e a importância política e simbólica da frase de Lennon era muito maior naquele contexto.

Mas, repito, os tempora mudaram. Mas é o tipo de piada que hoje não é mais permitida, porque as sensibilidades mudaram.

E então é possível entender o escândalo que nasceria quando lá foi McCartney para o microfone dizer que a próxima canção “é do musical The Music Man e também foi gravada pelo nosso grupo americano preferido, Sophie Tucker.”

Ah, se isso fosse hoje. O mundo das redes cairia. E aí, aí nem a cara de menino doce criado por vó de Paul o salvaria da ira justa do mundo.

As críticas mais suaves falariam da sua gordofobia ou da sua gerontofobia e da sua indelicadeza.

Milhares de pessoas iriam teorizar sobre isso em posts lacradores. Bolsominions, moristas, olavistas e outras variedades de simplórios acusariam os Beatles de comunistas, abortistas, satanistas, beneficiários canalhas da Lei Rouanet.

Negros reclamariam que não se sentiram representados e que os Beatles representavam a branquitude de uma classe opressora há 300 anos e que não percebe seus privilégios.

LBGTs, ou seja qual for a sigla atualmente utilizada, diriam que a atitude dos Beatles era francamente homófoba.

Feministas fariam passeatas chacoalhando não banha nem peitos gelatinosamente balouçantes — a não ser que fossem as maluquinhas do FEMEN, que disfarçam peitos belos sob ataques de histeria neonazista —, mas cartazes pitados ‘a mão: “Gordo é o seu preconceito, Paul”.

Pessoas com deficiência diriam que aquilo não mascararia a atitude canalha e ofensiva dos Beatles, especialmente Lennon, diante do que chamavam derrogatoriamente de aleijados.

Sophie Tucker, por sua vez, ganharia os jornais se dizendo muito abalada. Contaria a história de dias de sofrimento, a luta contra a depressão que essa frase a fez empreender. A velha gorda podre de rica falaria do seu sofrimento. Talvez processasse os Beatles e destinaria o dinheiro para o Retiro dos Artistas.

E quando tudo estivesse prestes a amainar, quando outro escândalo de igual importância surgisse, apareceria alguém para dizer que, ao chamar Tucker de gorda, McCartney estava ofendendo os vegetarianos; para isso, um raciocínio tortuoso que me vejo absolutamente incapaz de formular seria construído.

Talvez McCartney tentasse se desculpar. Diria que Tucker era um grupo pela dimensão do seu talento, não por ocupar duas poltronas no avião. Diria que não foi sua intenção magoar ninguém — nunca é.

E em duas semanas, claro, tudo isso desapareceria.

Ninguém lembraria mais, com exceção daqueles mais rancorosos que, a cada menção sobre os Beatles, tiraria esse evento de sua gaveta mental e escreveria um texto lacrador no Facebook — ou, pior, aquelas sequências odiosas de tweets, mais ou menos como hoje lembram que dona Elizabeth Bishop um dia elogiou o regime militar de 1964.

Depois disso, os Beatles gravariam Revolver e Sgt. Pepper’s, mas ninguém ouviria. Sua música desapareceria, ficaria restrita a alguns guetos, até ser resgatada como influência por uma banda cool dos anos 2030. Talvez até seguissem a sina abjeta do Ultraje a Rigor, ser o Caçulinha do Danilo Gentili — e certamente John Lennon teria que antecipar a sua frase sobre os Beatles serem mais famosos que Jesus, para ver se conseguiam ainda algum espaço na mídia. Mas ele não teria sucesso, e os Beatles entrariam para história como uma nota de rodapé.

Uma pequena proposta para um curso de cinema

Vi a grade curricular do curso de cinema da UFF.

Entre as disciplinas oferecidas, Teoria da Percepção; Realidade Socioeconômica e Política Brasileira; História das Formas de Expressão; Português XVII; Introdução à Filosofia; Introdução à Sociologia; Ética; Legislação e Pol. do Cinema e do Audiovisual (imagino que o Pol. se refira a “política”, mas vai saber, né?). Entre as optativas uma miríade espantosa de assuntos, que vão de Comunicação Interpessoal a Ética e Ciência.

São oito semestres. E depois desses quatro anos o garoto que entrou na faculdade achando que ia sair de lá transformado magicamente em um novo Scorsese — ou, se tem desvios graves de caráter, um novo Godard — sai praticamente como entrou; talvez apenas um pouco mais arrogante, um pouco mais iludido sobre o seu papel no mundo, com uma variedade maior de conhecimento raso sistematizado e a capacidade de discutir cinema no bar usando termos típicos da academia, como parametrizar, paradigma e intersubjetividade.

Não quero subestimar a ignorância dos jovens que chegam à universidade antes mesmo de terminarem a adolescência, com toda a imaturidade e características específicas que isso implica, nem fazer pouco dos professores dessas matérias que parecem só existir para garantir que a economia do país continue funcionando, gerando emprego numa indústria de educação superior cada vez mais inchada. Talvez seja necessário, mesmo, desasnar os novos alunos em questões que dizem mais respeito ao seu posicionamento na vida do que ao cinema propriamente dito. Mas é estranho que esse tipo de coisa hoje caiba a um curso superior. Eu não sei, porque não entendo muito disso. Não sou professor, não sou pedagogo, não tenho licenciatura em nada — talvez em licenciosidade, vá lá. Gente mais bem qualificada que eu pode falar melhor sobre o assunto.

O que sei é que desses cursos de cinema saem, principalmente, jovens completamente preparados para repetir aulas em universidades, a passar adiante aquilo que aprenderam nos bancos desse tipo de escola — inclusive a não dizerem nada sem a chancela de um bocado de autores que, como eles, passaram suas vidas dentro desse ambiente acadêmico, cada vez mais hermético. A universidade, nos últimos tempos, parece estar se dedicando obsessivamente a perpetuar um círculo vicioso, a se realimentar constantemente enquanto se esgota em si mesma, cada vez mais distante do mundo real.

Os resultados práticos são pífios. A Universidade Federal de Sergipe, por exemplo, tem um curso de Audiovisual (recentemente promovido a Cinema) há muitos anos. E no entanto o mercado de produção audiovisual sergipano, que já não era exatamente notável e hoje sofre mais que os outros os efeitos da crise econômica e, mais grave, estrutural que está destruindo o setor de publicidade, sofre com a falta crônica de profissionais razoavelmente qualificados.

Por tudo isso, se eu fosse criar um curso de cinema mandava esse modelo às cucuias.

Uma das coisas que mais me impressionam é o número de estudantes que, tendo que estudar para a prova de Sociologia ou de Teoria da Comunicação, não viram os mais básicos filmes da história e não compreendem o seu papel na evolução da linguagem cinematográfica. O ambiente ao menos lhes possibilita falar obviedades sobre o cinema iraniano, ou sobre a militância em prol do cinema brasileiro, que é e pelo visto sempre será um valor que se esgota em si mesmo e não precisa de justificativa existencial. Mas tantos, tantos parecem não conhecer cinema de verdade.

Na Universidade Rafael Galvão (URGH! para os íntimos) o curso oferecido seria bem diferente.

No primeiro ano eu escolheria 200 filmes que, de alguma forma, fizeram o cinema evoluir aos longos desses últimos cento e poucos anos e os exibiria em ordem cronológica. Um filme por dia, com exceções abertas para obras como “Berlin Alexanderplatz”, por motivos óbvios.

Sei exatamente com qual filme começaria: The Wonderful Wizard of Oz, de Otis Turner.

Depois de cada exibição, chamaria profissionais da área e mesmo professores para explicar aos alunos o filme que acabaram de ver. Detalhar e realçar os elementos do filme, inovações narrativas. Explicar as técnicas em cada um, as razões pelas quais foram utilizadas. Contextualizá-lo em seu tempo e em relação ao que veio antes. Contaria a sua história e o seu papel na ordem geral das coisas. Mostraria, por exemplo, o que há de revolucionário nas mãos de Mae Marsh em “Intolerância”, ou na narrativa não-linear de “Cidadão Kane”, ou o que há de inovador em “Acossado”. Exibiria, por exemplo, “Perigo Delicioso”, com Tom Mix, “No Tempo das Diligências” e “Era Uma Vez no Oeste”, para que pudessem entender as diferenças e a evolução de um dos gêneros mais importantes do cinema, e também como e por quê.

No segundo ano eu exibiria tudo de novo, na mesma ordem, mas agora para estabelecer um grande debate com a participação de todos. Seria mais aberto, porque a meninada a essa altura teria, espera este eterno otimista, uma visão mais abrangente do que é o cinema e de sua trajetória, e certamente enxergaria tudo de outra forma e compreenderia melhor cada filme. E só então os alunos estariam liberados para se especializar no que quisessem.

Mas em vez de um curso generalista como os de hoje, os dois anos seguintes seriam segmentados: cursos de montagem, de roteiro, de direção, de sonoplastia, cenografia. Não seriam esse amontado de matérias isoladas sobre temas disparatados que não parecem fazer nenhum sentido, a maior parte dos quais não interessa de verdade aos alunos ou a ninguém com juízo. Seriam dois anos de prática, de resolução de problemas, de mão na massa. A tecnologia para isso já existe há muito tempo e é cada vez mais barata.

Obviamente, não dá para garantir a formação de novos cineastas, porque talento é coisa que não se ensina, no máximo se alimenta e incentiva. O que eu poderia garantir é que esses garotos no mínimo estariam preparados de verdade para pensar e fazer cinema, saber o que estão vendo, ter os critérios necessários para avaliar um filme e o conhecimento para fazer também, se quisessem. E eu acho que querem.

Mas, como já disse, eu não entendo desses negócios de escola.

Disney na Culturama

Quando a Culturama, uma editora pequena do Rio Grande do Sul, anunciou que tinha conquistado os direitos de publicação das revistas Disney no Brasil após a derrocada da Abril, recebi a notícia com um pé atrás: independente de qualquer coisa, duvidei que ela conseguisse distribuir as revistas em algum nível minimamente comparável ao que a Abril tinha alcançado.

É claro que não faço ideia das razões que fizeram a Disney escolher uma editora pequena do extremo sul de um país continental para editar e distribuir suas revistas. Eu não entendo do mercado editorial e não sei como funcionam suas razões. Mas não precisava ser Sir Lock Holmes para ver que isso tinha tudo para não dar certo. Achava difícil que a Culturama conseguisse colocar suas revistas no Amapá, por exemplo, ao menos de maneira regular. Essa era a grande diferença: durante quase setenta anos, sempre houve uma revista Disney nas bancas de todo o Brasil. Isso não aconteceu nem nos Estados Unidos, e era em grande parte mérito da impressionante sistema de distribuição da editora dos Civita. Eu duvidava que a Culturama fosse capaz de conseguir algo remotamente parecido.

Mas foi pior que isso. As novas revistas foram lançadas com algum estardalhaço, ao menos nas redes sociais, em março. Desde então, procurei por elas em quatro estados: Sergipe, Bahia, Pará e Ceará. Em nenhum deles consegui achá-las; nem nas bancas, nem em lugar algum. Finalmente achei as número zero na Bienal do Livro em Fortaleza, em agosto, cinco meses depois de terem sido lançadas. Basicamente, eram encalhe em busca de uma segunda chance. Agora, em outubro, achei algumas revistas em Aracaju, números que aparentemente foram lançados há alguns meses. No site dizem que estão distribuindo as revistas em todo o Brasil. É uma meia mentira. A Culturama parece ser incapaz de ao menos estabelecer uma estrutura de distribuição sistematizada, distribuindo suas tiragens e datas de lançamento de modo a minimizar o encalhe, coisa que a Abril fazia desde sempre com algumas publicações.

Agora que li as revistas, posso dar uma opinião sobre os quadrinhos Disney nestes tempos pós-Abril. É preciso lembrar que li essas revistas em seu auge e acompanhei o início de sua decadência, e é esse padrão, defasado por décadas de ignorância quanto à sua evolução, que ainda hoje define para mim o que deve ser uma revistinha Disney.

São cinco novos títulos: Pato Donald, Tio Patinhas, Mickey, Pateta e Aventuras Disney. São todas muito parecidas: 64 páginas, papel offset. A impressão é excelente, mas para mim o papel é estranho. É culpa minha: para mim, que tenho lembranças demais, lembram as revistas da EBAL, de que não gostava muito. As capas são de uma mediocridade assombrosa, como já eram na Abril nos últimos anos. Vão longe os tempos em que, com exceção da Almanaque Disney, cada capa trazia uma gag visual, sendo quase uma outra historinha. Para piorar, uniformizaram os logos, tirando das revistas a identidade própria que carregaram em seus tempos áureos no Brasil.

A uniformidade mediocrizante não se restringe ao logo, no entanto. A Abril buscava ocupar faixas diferentes de mercado. Das mais baratas, como a Pato Donald e a Zé Carioca, às mais caras, como as Disney Especial, havia sempre uma revista para cada bolso, o que provavelmente ampliava sua penetração de mercado. Mas as revistas da Culturama, independente do título que carregam no alto de suas capas, parecem ser a mesma revista, apenas com personagens diferentes. Pelo visto, só existe um tipo de leitor padrão para elas — e imagino que sejam velhos caquéticos semi-esclerosados, saudosos de outros tempos. Gente como eu.

A falta de variedade é outra deficiência. Cada revista traz apenas os personagens que lhes dão título, com exceção da Aventuras Disney, que parece tentar ocupar mais ou menos o lugar da antiga Almanaque Disney, embora seja muito mais pobre que o original: é só uma coletânea com os mesmos personagens das outras revistas. Infelizmente, ainda lembro que uma revista Disney, em outros tempos, tinha um universo absurdamente diversificado: além dos Donalds e Mickeys da vida, traziam também personagens variados como Quincas, Bambi, Havita, Banzé e personagens originados nos longas da Disney — além de quadrinizações dos filmes que ela lançava —, e tornavam a experiência de leitura algo muito mais rico do que é hoje.

As histórias publicadas agora vêm da Dinamarca e da Itália. Desde sempre eu não gosto das histórias italianas, cujo histrionismo e exagero gráfico mais parecem uma caricatura do italiano médio. Para mim elas nunca tiveram a universalidade simples e cosmopolita das histórias de Carl Barks, nem a sofisticação narrativa de Don Rosa, e sempre achei que elas foram um dos ingredientes da decadência da Disney no Brasil. Ninguém com bom gosto podia gostar daquilo.

Mesmo assim as histórias apresentadas me surpreenderam. Talvez por estar esperando uma tragédia total, medo que se aliava ao absoluto desconhecimento do que se andou fazendo nos últimos tempos, o que vi me deixou satisfeito. Há boas histórias sendo produzidas mundo afora, mesmo na bota. E a edição da Culturama é boa, cuidadosa, embora se note uma falta de criatividade impressionante — basta lembrar dos nomes dos personagens de décadas atrás, sempre com trocadilhos que faziam a delícia das crianças e que agora estão ausentes. O único grande defeito que consegui ver foi o fato de as histórias estarem longas demais agora. Nos tempos áureos da Disney no Brasil, mesmo a Pato Donald e a Zé Carioca traziam um número grande de histórias em cada edição, sempre variadas. Essa variedade não existe mais.

A maior deficiência nesse relançamento da Disney, no entanto, ainda maior que a distribuição abaixo do medíocre, não é exatamente culpa da Culturama.

Uma das melhores coisas da Disney no Brasil, principalmente a partir dos anos 70, eram as histórias produzidas no Brasil, especialmente as do Zé Carioca. Elas tinham um elemento que falta a todas essas novas revistas: uma brasilidade que tornava as histórias mais atraentes, mais próximas do leitor por lidarem com os mesmos padrões culturais. Se a Turma da Mônica continua firme e forte não é apenas porque tem uma estrutura de distribuição muito superior; é porque suas histórias são criadas por brasileiros, respeitando as características culturais do país. São como sempre foram, imensamente inferiores ao que a Disney publicou de melhor no país, como as histórias de Carl Barks e as do Zé Carioca. (Na verdade são inferiores mesmo ao que Maurício de Souza fazia no final dos anos 70.) Mas são mais adequadas, sentem melhor o pulso dos seus leitores. O material exclusivamente global que a Culturama disponibiliza se ressente da ausência desses pontos de identificação.

Sei que não podem publicar histórias do Zé Carioca porque as antigas pertencem também à Abril, e já há décadas não se produz mais histórias dos personagens Disney no Brasil. Mas o fato de saber não torna as revistas da Culturama melhores.

O  grande problema é que, no longo prazo, nada disso importa.

Ler essas revistas me deixou, acima de tudo, com uma certeza: os quadrinhos Disney não têm futuro no país. Não estou rogando praga, eu que também lamentei o fim das revistas na Abril. Mas a única maneira deles terem alguma esperança seria a retomada da produção de quadrinhos brasileiros, como a Abril fez durante os anos 70 e, principalmente, 80. E nada indica que isso vá acontecer. Na verdade, talvez nem isso fosse garantia de que elas tivessem alguma sobrevida.

No livro “O Homem Abril”, Gonçalo Júnior conta que Roberto Civita sabia exatamente em que momento as revistas em quadrinhos iniciaram a sua decadência no Brasil: o dia em que a Censura Federal liberou as revistas com nu feminino total no país. Naquele instante, os quadrinhos Disney perdiam os leitores adultos — caminhoneiros e quetais em uma população majoritariamente analfabeta ou semiletrada. O efeito foi imediato: a partir dali, as revistas que vendiam centenas de milhares de exemplares a cada edição — a Tio Patinhas chegou a vender mais de 500 mil todo mês — passaram a vender cada vez menos. Jamais voltariam a vender o que vendiam antes. Mas as consequências foram ainda piores que a simples queda nas vendas. Quando os adultos deixaram de ler essas revistas, elas perderam um espaço importante no imaginário das pessoas. Passaram a ser exclusivamente coisa de criança, e portanto menores.

Mas ali era só o começo. Causas mais importantes vieram depois. A internet é a maior delas, mas no Brasil até a violência urbana (que impede as crianças de irem sozinhas às bancas, como eu ia tanto) contribuiu para a decadência. No entanto, na minha opinião a razão mais grave é o simples passar do tempo, a mudança de sensibilidades. As crianças não querem mais ler essas historinhas, ponto final. O mundo que as cerca lhes oferece atrativos mais adequados, como desenhos, jogos, filmes. Revistinhas em quadrinhos pertencem a outros tempos, em que nem todos tinham TV com apenas dois ou quatro canais, em que as relações sociais se davam de maneira diferente e menos intermediada pela tecnologia. A queda da Abril não mudou nenhum desses fatores, e não será a Culturama que irá revertê-los.

Por isso não dá para levar muita fé no futuro desses quadrinhos. É até chato escrever um vaticínio desses porque imagino que para o pessoal que edita essas revistas este é principalmente um ato de amor, e o trabalho que realizam é bom. Há algo de heróico, embora talvez quixotesco, em sua tentativa de manter esse universo vivo, um universo que definiu o imaginário de pelo menos dez gerações de crianças.

Mas não adianta brigar com o tempo. As revistas em quadrinhos acabaram. Sua era está chegando ao fim, assim como as bancas de jornais em que eram vendidas. Eles fizeram a alegria de outras gerações, que envelheceram e trazem consigo as lembranças de sua própria juventude.

Uma das coisas que me impressionam hoje em dia é que tantos dos personagens com que cresci, quase todos, se tornaram anacrônicos, até ridículos. Como levar a sério o Mandrake, hoje? Um mágico de cartola? Como levar a sério uma Princesa Narda quarenta anos depois de Stephanie de Mônaco arrepiar o jet set europeu? Como respeitar a mera ideia de Lothar, o príncipe africano que, como bom neguinho, se permite ser o capacho de um mágico, por poderoso que ele seja?

Ainda pior é o fato de que esse anacronismo vai muito além do simples choque de realidade. É verdade que a minha ignorância permitia o nascimento da magia e de um mistério que só crianças podem criar, mas mesmo hoje o Fantasma, para mim, pode viver numa floresta equatorial tipo as do Congo. Eu sei que isso é teoricamente possível. Mas para a menininha que cresceu assistindo ao Discovery e ao National Geographic, a África deve ser um grande Serengeti, e algo como a Floresta Negra é absolutamente irreal para ela. Mais irreal que jedis derrubando impérios com seus sabres de luz.

São os novos tempos. Não dá para brigar com eles.

A destruição do mundo pelos cristãos

Toda religião é deletéria e nociva. As religiões monoteístas derivadas do judaísmo são ainda piores. Mas nenhuma gerou tanta destruição quanto o cristianismo em seus primeiros séculos.

Da primeira vez que fui à Itália, uma das visões que mais me impressionaram foi, no caminho entre Fiumicino e Roma, uma velha igreja católica construída sobre um templo romano. As colunas de mármore em estilo coríntio estavam lá, mas sobre elas tinham erigido uma nova besta, tijolos de argila assentados por uma civilização mais atrasada, uma cultura nitidamente inferior se sobrepondo a algo mais belo. Ali se podia entender como o cristianismo se impôs à cultura romana: através da destruição de todo um mundo e da construção sobre suas ruínas.

A maneira como se deu essa destruição é o tema de The Darkening Age, da inglesa Catherine Nixey, livro interessante que vale a pena por ser lido.

A história que Nixey conta é aterrorizante. Começando pela destruição do Templo de Atena em Palmira, passando pelos mais diversos exemplos de mutilação e destruição de estátuas, ideias e, quando necessário, pessoas, mostrando sua origem doutrinária e terminando com o fechamento da Academia de Atenas (é, aquela de Sócrates e Platão) pelo Código Justiniano, em 532 D.C., ela narra a trajetória da consolidação do cristianismo a partir da tentativa de obliteração não apenas das religiões pagãs, mas também de seus marcos e de seus fiéis.

Nixey não está no patamar de um Paul Veyne ou mesmo de uma Mary Beard. Seu livro é limitado, com foco excessivamente estreito na crônica da destruição causada pelo cristianismo nos séculos IV e V. Ela não quer ou não pode escrever um livro que tente esgotar o assunto, que aborde com mais profundidade a variedade de fatores que geraram essa destruição. Essa é a grande falha de The Darkening Age: a falta de contextualização e de aprofundamento no processo histórico que possibilitou a consolidação do cristianismo e sua radicalização absoluta e totalitária.

São muitas lacunas, muitas delas no mínimo úteis para que se compreenda apropriadamente o fenômeno da ascensão destruidora do cristianismo. Por exemplo, para um livro que fala tanto em demônios, especialmente em sua primeira parte, não custava lembrar que eles não são um conceito judaico introduzido pelos cristãos na cultura ocidental, mas a vilificação dos daemons que já estavam presentes no cotidiano de cada romano. Ao cristianismo nunca bastou mostrar a opção de um mundo diferente: cumpria também dizer que o mundo ao qual forçavam uma alternativa era maléfico, seus valores e crenças eram intrinsecamente perversos. Era necessário destruir o outro para validar-se.

Nixey gasta páginas demais para contar histórias escabrosas de Nero sem nenhum critério, mais ou menos como a fofoqueira que comenta o “mau passo” da filha da vizinha sem se responsabilizar por isso. Há muito tempo nenhum historiador que se dê ao respeito leva ao pé da letra as histórias fantásticas contadas sobre Nero por historiadores como Suetônio e Tácito. Entendem o viés de classe, ou a menos a luta política entre facções, na formação da lenda negativa do sujeito da lira ardente e sua inserção no contexto histórico de um período turbulento de Roma. Mais importante, levam em consideração outras evidências para perceber que há um problema inerente à imagem de Nero quando entendemos que ele foi um imperador tão popular que, depois de sua morte, pipocaram impostores dizendo ser ele em vários cantos do império. Nixey não quer contexto, no entanto: ela apenas apresenta as estórias sem nenhuma ressalva historiográfica, porque fazem leitura saborosa. Nixey é professora de história, mas é também jornalista — o que talvez tenha lhe angariado uma boa vontade excessiva nas resenhas publicadas na imprensa inglesa —, e quem quer que conheça o mau estado atual dos jornais da velha Albion pode entender os padrões narrativos a que ela obedece.

Mas há falhas mais graves do que o deleite em mostrar Nero prestando serviços sexuais a todo um pelotão de soldados. Por exemplo, Nixey se abstém de lembrar que o processo de afirmação do cristianismo foi acompanhado também por vários níveis de negociação e de acomodação com a cultura pagã. O processo de evolução cultural nunca se dá por via única, nem de maneira absoluta. O cristianismo não se impôs de modo tão puro como o registro de suas atrocidades faz parecer. Absorveu muitas das estruturas religiosas do mundo romano — a começar pela criação de uma hierarquia de santos que guarda semelhança quase xerográfica com a lógica da multidão de deuses romanos —, buscou pontos de convergência entre suas culturas, e com o tempo acomodou muitas das práticas que, antes que religiosas, representavam o modo de vida dos romanos.

É a aparente opção por ignorar aspectos mais complexos desse processo, talvez para reforçar a monstruosidade cristã, que introduz a falha mais grave nesse livro: não colocar o triunfo do cristianismo dentro do contexto do Império Romano.

No século V, o Império Romano estava implodindo. A partir de Trajano, havia se expandido muito além dos limites definidos no testamento de Augusto, menos em razão da busca da glória apontada por Gibbon do que pela necessidade objetiva de sustentar Roma, e agora sucumbia ao seu tamanho. Pressões migratórias enfraqueciam o império por todos os lados, e a sua descentralização cobrava um preço alto. As legiões romanas, antes temíveis e uma das mais fantásticas unidades bélicas da história, agora eram compostas pelos povos que ajudavam a dominar, o que fazia mais difícil e complexa a imposição da pax romana. Se tornara impossível impedir as convulsões sociais causadas pelas necessidades de tantos povos diferentes — cidadãos romanos desde o Édito de Caracala —, e que levariam ao melancólico destino do pobre Rômulo Augusto. Não custa lembrar que Odoacro era cristão.

Aquela era uma civilização em crise, tanto material quanto ética. E nesse contexto, a mensagem cristã — milenarista, salvacionista, austera, fortalecendo-se sobre a ideia de culpa e de negação de qualquer tipo de prazer — encontrou um campo fértil. As pessoas viam o seu mundo ameaçado e tinham medo. Jesus Cristo e sua mensagem de auto-justificativa e perdão a si mesmo se tornavam, cada vez mais, uma opção atraente.

O cristianismo cresceu utilizando a seu favor o medo e a intolerância: o momento histórico ajudava a tornar suas ameaças e promessas mais eficientes, até desejáveis. Explicar esse contexto ajudaria os leitores a compreender melhor como a cristianismo gerou a Idade Média.

Talvez fosse recomendável, também, lembrar que a ascensão do cristianismo se deu de baixo para cima. Cresceu primeiro entre a rafameia, entre os mais ignorantes, desesperados e crédulos, e certamente carregou em si muito da visão de mundo e dos preconceitos dessa camada social. É difícil não ver na ascensão do cristianismo também uma resposta de classe, com seus ressentimentos, seu desejo de vingança e de acerto de contas, seus recalques e a vontade de impor uma visão de mundo condicionada pela escassez material e pela indigência intelectual. Qualquer brasileiro que tenha passado pelas eleições de 2018 poderia compreender o que isso significa.

Mas esse não é o livro que Nixey quis escrever. Seu escopo é muito mais modesto, e ela se concentrou na crônica da destruição. Delineados os seus limites, o que resta é um relato competente e bem escrito de uma história fascinante, ainda que aterradora.

É uma história de fanatismo, ódio, ressentimento, de crueldade pia.

A fúria destruidora dos cristãos dificilmente encontraria paralelos hoje em dia; mesmo o Talibã e o Estado Islâmico, adeptos entusiasmados da destruição de monumentos heréticos, não chegam sequer perto do nível de destruição alcançado pelos cristãos a partir do momento em que tiveram respaldo estatal, com a conversão de Constantino. O linchamento de Hipácia de Alexandria é contado aqui com detalhes, e serve como símbolo do ódio misógino do cristianismo ao conhecimento e à liberdade.

Uma após a outra, Nixey nos apresenta as ideias e ensinamentos assustadores dos primeiros grandes doutrinadores cristãos. São João Crisóstomo, Orígenes, Santo Agostinho e São Jerônimo têm seus textos citados como o que também eram, anúncios e chamados a um mundo diferente: sombrio, odiento, negativo. Aqueles que tentam convencer o mundo de que as tragédias causadas pelos cristãos são obras de indivíduos, e não resultado da religião em si, encontrariam dificuldades em justificar as palavras de seus pensadores. “Não há crime para quem está com Cristo”, disse São Shenoute, e nisso pode-se resumir sua filosofia. Para salvar almas, era válido destruir os corpos dos infiéis; o cristianismo se tornou exatamente o que seus doutrinadores queriam que ele se tornasse.

Nixey dedica ainda alguns capítulos aos ascetas e eremitas que formaram a lenda cristã. São trechos saborosos, em que ela demonstra que grande parte das tentações e das visões desse pessoal se devia basicamente a coisas tão prosaicas como a fome auto-inflingida, e que se tornam ainda mais pitorescos em um tempo em que a humanidade recuperou alguns dos valores hedonísticos que eles tentavam destruir. Para um pobre eremita que não come direito há semanas, é quase inevitável dizer que ele só pensa em enfiar os dentes num pernil de cordeiro, aquela imagem desgraçada que não lhe sai do pensamento e atrapalha cada Pai Nosso que ele tenta repetir, por causa das tentações do diabo. Nixey fala de gente que passou a vida se vestindo com andrajos e abdicando de qualquer noção de higiene, gente que realmente acreditava que não tomar banho lhe colocava mais perto de Deus Nosso Senhor — um ser tão superior que sequer tem olfato. Fala de gente que fez da hipocrisia um modo de vida, que acreditava nas mentiras que contava, de gente que encontrou na religião uma maneira fácil de justificar a sua existência e sublimar sua vaidade apostando na conquista de algum tipo de reconhecimento em outra vida. E que eventualmente transformava isso em perseguição ao resto da humanidade. Afinal, “a perseguição pela Igreja é um ato de amor”, dizia Santo Agostinho.

A negação do prazer e do desejo, o ódio à tolerância — exemplificados na instituição da pena de morte a todos os que fizessem sacrifícios religiosos, na rejeição à boa cozinha ou na criminalização do homossexualismo no século V por Justiniano —, o ódio à arte e a disposição para matar e torturar em nome da piedade definiram o cristianismo e pautaram a existência de seus seguidores e a civilização que eles criaram. Santo Agostinho é o pai carinhoso de São Tomás de Torquemada.

No fim das contas, tudo isso geraria um período de atraso que o Ocidente precisaria de mais de mil anos para superar.

Nixey ajuda ainda a derrubar um mito antigo mas persistente. Ela lembra que embora a Igreja seja louvada pela preservação de tantos textos da Antiguidade, o fato é que ela é responsável, ainda mais, pela obliteração de um volume muito maior. A censura eclesiástica condenou ao esquecimento e à destruição boa parte da produção filosófica e literária da cultura greco-romana, ao escolher preservar essencialmente o que estava de acordo com os preceitos da Santa Madre, ou ao menos não a ofendia em demasia. Foi graças às escolhas discricionárias de monges progressivamente mais ignorantes que o mundo se viu privado de 90% do que o mundo clássico produziu de mais notável. Essa dívida o cristianismo jamais poderá pagar.

The Darkening Age serve também para lembrar que a queda do império romano não é a mesma coisa que a obliteração da cultura clássica. Não é a mesma coisa que, por exemplo, a substituição da Inglaterra pelos Estados Unidos como grande potência mundial. É o fim de uma era e de uma civilização. Roma implodiu, os cristãos destruíram templos e mutilaram estátuas, celtas e pictos botaram os romanos para correr da Britânia; mas os reinos que os substituíram eram cristãos. Foi no campo das ideias que os cristãos levaram o mundo ocidental a um retrocesso cultural sem precedentes na história mundial.  E para que isso fosse possível, primeiro foi necessário destruir o pensamento e os símbolos romanos — que, por sua vez, sintetizavam tudo o que de bom e ruim o Ocidente tinha produzido até então.

Ultimamente tem aparecido gente para dizer que a Idade Média, afinal de contas, não foi uma era tão sombria. Com todas as suas limitações, o livro de Catherine Nixey serve para colocar as coisas em seu lugar: foi, sim, uma era de trevas e de retrocesso inédito. Não foi o resultado de uma hecatombe, como a destruição da Biblioteca de Alexandria, ou as mudanças climáticas que aparentemente causaram o fim da civilização maia, ou os 168 espanhóis de Pizarro chacinando 20 mil soldados do império inca; foi o resultado de um processo lento, constante e consciente de obliteração de uma série de conquistas da humanidade. Tudo isso em nome de Deus. O maior mérito de The Darkening Age é justamente mostrar que o advento do cristianismo interrompeu o processo civilizatório no Ocidente. Pagamos por isso até hoje.

Leonel Brizola e Ciro Gomes

Desde o início, as eleições presidenciais de 1989 giraram em torno de apenas três candidatos: Fernando Collor, Leonel Brizola e Lula. Sempre nessa ordem: até a última pesquisa do Datafolha, não houve alteração na ordem dos candidatos.

Ao longo da campanha houve momentos interessantes, como quando a elite paulista, já desenganada quanto a Ulysses Guimarães mas ainda desconfiada de Collor, tentou inflar a campanha de Guilherme Afif Domingos. Mas Collor era muito mais que o “caçador de marajás” da Globo: era jovem, bonito, viril, e tinha as condições necessárias para se apresentar como a verdadeira renovação em um momento de crise na política brasileira, diante da implosão do governo Sarney.

No campo da esquerda, o grande nome ainda era Brizola, do PDT. Ainda não havia urnas eletrônicas e a apuração dos votos era lenta. Nas primeiras horas da noite de 15 de novembro, parecia que Leonel Brizola seria o escolhido pelo povo brasileiro. Pela sua trajetória, pelo seu governo controvertido no Rio de Janeiro, pelo respeito que sua figura impunha, parecia uma escolha natural.

Mas foi Lula a ir para o segundo turno.

Brizola perdeu por várias razões. Porque foi à disputa completamente isolado, esperando que a sua história o elegesse — parece incrível, mas o PT foi menos sectário e engendrou uma coalizão com o PCdoB e o PSB que se manteve até 2010. Perdeu porque não compreendeu a nova linguagem televisiva e fazia campanha como se estivesse ainda nos tempos da Rede da Legalidade. Perdeu porque a militância da Frente Brasil Popular ganhou as ruas, fazendo um trabalho de formiguinha com altruísmo e convicção verdadeira, e porque a equipe liderada por Paulo de Tarso soube fazer programas muito mais competentes na TV e no rádio.

No fundo, Brizola perdeu porque seu tempo tinha passado e o novo sempre supera o velho.

Ao perder as eleições, Brizola não hesitou em declarar seu apoio a Lula. Reclamou de ter que engolir um “sapo barbudo”, é verdade; mas em nenhum momento reclamou que Lula deveria ter renunciado porque ele, Leonel Brizola, tinha mais chances de ganhar porque não tinha uma Miriam Cordeiro em seu passado nem aparelho de som na casa da namorada, e podia alegar que a campanha da Globo contra ele seria mitigada pela sua história de antagonismo; podia até mesmo alegar que, mais moderado, não seria vítima do anticomunismo utilizado como arma de campanha, num tempo em que o PT combatia a privatização da Mafersa e ainda abrigava a Convergência Socialista. No segundo turno, Brizola não viajou para lugar desconhecido para não ter que participar da campanha do ex-adversário.

Por mais divergências que se tivesse com Brizola — e era muito fácil tê-las, pelo menos antes de ele morrer e virar quase santo —, uma coisa é inegável: ele não era apenas um dos grandes nomes da política brasileira, era antes de tudo um político de verdade e um homem com vocação para estadista.

Conhecendo a história do PDT e de Brizola, é inevitável que pareça estranho e infantil ver Ciro e seus porta-vozes reclamarem que Fernando Haddad deveria ter renunciado no segundo turno em favor do ex-governador do Ceará, baseados na lógica meio confusa de que ele não tinha tido sequer metade dos votos do candidato do PT no primeiro turno, mas ganharia de Bolsonaro. Mais ainda, jogam toda a culpa no antipetismo óbvio, mas esquecem que a atitude adotada pelos irmãos Gomes (“Lula tá preso, babaca!”) não contribuiu em nada para diminui-lo ou diminuir a desconfiança em toda a esquerda.

O mais estranho, mesmo, é a tentativa de negar ao PT o direito de tentar manter sua hegemonia, como se em algum momento da história política mundial algum partido ou grupo sério tenha feito isso. Além da lambança ética em seus governos, o PT cometeu erros grosseiros em sua campanha. Mas foi uma escolha dele. É uma lógica estranha, essa, de uma esquerda infantil que não entende mais a política e acha que liderança, nessa área, pode ser concedida, e não apenas conquistada. Se a esquerda ainda não conseguiu superar o PT e Lula, não é pedindo para eles desocuparem a moita que vão conseguir ocupar o proscênio, e sim apresentando uma alternativa, algo de que até agora não temos sido capazes.

Em 1989, Lula conquistou um lugar que até então tinha sido de Brizola porque fez política melhor. Em 2018, Ciro apenas ocupou o lugar que sempre ocupou: um político voluntarista, irregular, em cuja história podem ser computados um ministério no governo Lula e o fato de ter quebrado a indústria nacional para eleger Fernando Henrique, quando foi ministro de Itamar Franco. E culpa o PT por não ter sido capaz de ir além disso.

Como diz o Mark Lilla, em política não existe antes, só existe o depois. Cabe ao PDT e ao resto da esquerda brasileira tomarem o lugar que hoje pertence a Lula e, em menor escala, ao PT. Mas para isso é preciso apresentar uma alternativa viável, um projeto de Estado que responda às necessidades da atualidade. Não é pedindo licença que vão conseguir.

Ô da poltrona

Rafael Spaca está produzindo um documentário sobre os Trapalhões, em cinco episódios. O documentário ainda não saiu mas já está criando polêmica, o que é excelente notícia para o produtor — a ponto de grande parte dessa polêmica parecer artificial. Renato Aragão estaria se sentindo desconfortável com o que julga ser uma tentativa de vilanização, etc. Um trailer medíocre disponível no YouTube não deve ser indício da qualidade do documentário: Spaca parece ter estofo suficiente para entregar um documentário realmente bom. Descobri agora que ele já escreveu dois livros sobre os filmes e as histórias em quadrinhos do grupo, e está escrevendo uma biografia de Dedé Santana. Além disso, assim como eu, se ressente da ausência de uma bibliografia sólida sobre os Trapalhões.

Isso sempre me impressionou. Pela sua importância na história do humor e da TV brasileiros, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias mereciam muito mais do que foi escrito, até hoje, sobre eles. Há alguns anos, comprei “Adoráveis Trapalhões”, uma biografia escrita por Luís Joly e Paulo Franco. É um livro muito ruim, primário, incapaz de ir além do que se acha facilmente na internet ou nos documentários oficiais ou semioficiais que foram feitos para comemorar marcos da carreira da trupe. E no entanto é a única biografia deles que conheço. É por isso que o documentário do Spaca pode vir a cobrir, ao menos em parte, um vácuo injustificável.

Porque quem foi criança na segunda metade dos anos 70 e primeira dos 80 sabe da importância dos Trapalhões. O seu era, talvez, o espaço mais nobre de toda a programação, a hora em que todo mundo estava em casa. A vinheta de encerramento do programa era também o anúncio do final do fim de semana. E naqueles seus primeiros anos na Globo, eles faziam um tipo de humor que, apesar de simples, era um bom resumo do humor do dia a dia do povo brasileiro.

Durante anos, “Os Trapalhões” definiu para milhões de crianças brasileiras o que era humor. Todos nós devemos muito a um paraíba, um galã de subúrbio, um negão cachaceiro e um viadinho mineiro. Dizem que seu humor era politicamente incorreto e não seria aceito hoje. É uma pena. Não admira que as pessoas hoje achem que a Terra é plana, porque chata certamente é.

A separação do grupo em 1983 foi um marco importante. Ali, para muita gente, a magia se quebrou, definitivamente. É possível que um eventual redesenho das relações internas tenha contribuído para isso, e essa é uma pergunta que o documentário de Spaca pode responder. A impressão que sempre tive é a de que o maior perdedor ali foi Renato Aragão. Tanto o quadro que Dedé, Mussum e Zacarias apresentavam quanto o filme que estrelaram, “Atrapalhando a SWAT”, se 8tes de Renato Aragão. Provavelmente porque o trio pôde preservar parte grande da dinâmica do grupo, as interações entre os estereótipos — algo que Renato Aragão tentou manter com novos atores, sem sucesso: para o público, Tião Macalé e quetais eram apenas imitações inferiores dos originais. Separados, eles não davam certo e perdiam dinheiro; voltaram em poucos meses.

A história da separação do grupo sempre foi mal contada, e merece ser investigada mais a fundo. Não sei se um documentário em vídeo, com as limitações próprias do meio, será capaz de dar uma resposta definitiva. Mas ele tem condições de jogar alguma luz para os fãs que, ainda hoje, assistem a velhos esquetes do grupo no YouTube.

A partir dos anos 80 Renato Aragão foi estreitando a sua própria ideia de humor. Em parte porque estava envelhecendo como criador, claro, mas talvez tenha sido influenciado pelo fato de ter sido apontado pela UNICEF como “embaixador da infância” ou algo parecido, e mais provavelmente porque as pesquisas indicavam que seu principal público eram as crianças. Ele parece ter cometido um erro bobo: fazer um programa infantil para crianças que gostavam do humor um pouco mais adulto. Em sua última década, “Os Trapalhões” se tornou mais raso, mais repetitivo e mais pobre. As mortes de Zacarias e Mussum complicaram ainda mais a situação. Sem Zacarias o programa perdeu boa parte de sua alma; sem Mussum, se tornou inviável.

Mais tarde Renato Aragão tentaria reorganizar uma versão ainda mais idiotizada dos Trapalhões num programa exibido no meio do domingo, uma cópia menos que medíocre do que já tinha feito com brilhantismo. Na mesma época, Dedé fazia um programa em outra rede de TV — SBT, se não me engano. E o programa era mais engraçado que o de seu ex-parceiro.

Parece haver um esforço grande de demonização de Renato Aragão, e talvez o documentário consiga dar uma visão equilibrada desse pequeno fenômeno. As pessoas falam muito de arrogância e mau humor. Dizem que trata mal as pessoas. Sua mulher ganhou as manchetes dia desses reclamando de ter que viajar com gente pobre e deselegante no avião — o que seria extremamente irônico se ela conhecesse este esquete brilhante estrelado por seu marido. (Feliz ou infelizmente, ninguém apareceu para reclamar de ter que viajar ao lado de uma gorda feia e elitista.) E falam que explorou seus colegas.

Do ponto de vista financeiro, e sem conhecer nada sobre as relações internas do grupo, não parece que ele tenha sido canalha. Ele era o o investidor, o autor, o produtor do material. Nada mais justo que ganhasse uma parte bem maior. Mas os Trapalhões têm uma dimensão no imaginário popular que os faz equivalentes a um conjunto indivisível e igualitário. Didi só é Didi, de verdade, se ao seu lado estão Dedé, Mussum e Zacarias. Talvez esse documentário consiga esclarecer, de uma vez, as coisas.

A comédia dos Trapalhões hoje é apontada como pueril. Isso soa mais verdadeiro quando se leva em consideração que esse processo foi se acentuando com os anos. Mas nos anos 70 era diferente: o humor que faziam era abrangente, voltado para um público heterogêneo tanto social quanto cronologicamente. Era ingênuo, talvez, mas nunca foi inocente: naqueles dias, seu humor era bem mais complexo do que a ideia que se faz dele hoje. Em muitos aspectos, continha referências adultas que hoje seriam impensáveis num programa infantil. No seu primeiro programa da Globo, uma produção cara cheia de externas, um dos quadros era sobre um porteiro de motel. Esse pessoal da academia, se quisesse, poderia escrever teses e mais teses sobre temas importantes entrevistos nos Trapalhões, como suicídio, emancipação feminina, especulação imobiliária, preconceito racial e social.

Os Trapalhões representavam um microcosmo do povo brasileiro, com suas qualidades e seus defeitos: sua boa vontade, sua cordialidade real e imaginada, seus preconceitos e visões de mundo. Em seus melhores momentos, seu humor era fresco, leve, ao mesmo tempo que sutil e acurado.

Apesar de tudo isso, os Trapalhões pertencem, sem nenhuma dúvida, ao panteão de grandes humoristas brasileiros. A mesma crítica que elogiava Chico Anysio e Jô Soares torcia o nariz para ele — como se o humor de Chico e Jô também não fosse, tantas vezes, primário e apelativo como o dos Trapalhões. Era uma crítica que achava deselegante arreganhar os dentes e quebrar a tripa gaiteira com bobagens, e se sentia mais à vontade com aquele sorriso de entendedor inteligente que se dava em filmes de Woody Allen. Ou que, sendo um pouco mais implicante, não queria ver nos Trapalhões um retrato do país.

50 anos depois

Essa é a capa da edição especial da revista Manchete publicada em abril de 1964, comemorativa ao golpe militar.

A capa serve para lembrar qual era, exatamente, o pensamento da elite brasileira em 1964, as razões pelas quais apoiou o golpe, as esperanças que tinha na obediência da caserna.

Ela embarcou alegre na aventura militar golpista porque acreditava que aquela era a maneira mais fácil, ou talvez a única, de tirar do poder um governo não apenas eleito democraticamente — mas, mais importante ainda, referendado no plebiscito de 1963. Acreditava também que os militares apenas fariam o seu papel abjeto de cães de guarda e, derrubado Goulart, lhe entregariam o poder.

A elite carioca, especificamente, depositava todas as suas esperanças em Carlos Lacerda. O tempo passou e as pessoas talvez esqueçam que esse homem, o responsável pela crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas dez anos antes e talvez a principal vivandeira do golpe de 64, foi uma das personalidades mais nocivas da história brasileira. O mal que ele fez ao país é imensurável.

Não satisfeito com o suicídio de Vargas, tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek como presidente em 1955. Depois do exílio na Cuba de Fulgêncio Batista, voltou para ser eleito governador da Guanabara. Foi um bom governador, de acordo com os registros. Melhor ainda para empreiteiras que realizaram obras importantes como os túneis Rebouças e Santa Bárbara. É tentador supor que os moradores da zona norte se encantaram com ele porque acharam que os túneis os tinham transformado em quase moradores da zona sul — mais ou menos como a classe média que hoje não gosta de ver pobres no avião porque eles acabam com a ilusão de que ela é quase rica.

Era esse homem que as elites brasileiras esperavam ver na presidência. Assim como Aécio Neves 50 anos depois, ele apostou na imposição do caos como maneira de chegar ao poder, não importando se, com isso, destruiria as instituições nacionais e criaria uma crise que dividiria e implodiria o país. Lacerda, brilhante como Aécio nunca foi, não teve trabalho para fazer as elites brasileiras, sempre canalhas, acreditarem que os militares entregariam a elas o poder assim que fizessem o trabalho sujo de depor Jango, devolvendo a aparência de normalidade democrática.

Pouco mais de quatro anos depois dessa capa, Lacerda estava na prisão, preso pelo regime que, como poucos, ajudou a instalar. Não viveu para ver o fim do regime militar. Assim como Aécio Neves 50 anos depois, foi engolido pelo monstro que alimentou.

Para as elites, o golpe compensou. Elas receberam seu investimento de volta; elas sempre recebem. Não consta que os ricos tenham deixado de ficar ricos, que as empreiteiras tenham deixado de pagar propinas para realizar obras públicas superfaturadas, que as mesmas estruturas de poder e clientelismo herdadas da nossa tradição ibérica tenham sido modificadas.

Mas as classes médias e os pobres, que apoiaram o golpe acreditando no discurso hipócrita e udenista de combate à corrupção, de medo do comunismo que iria lhes roubar as posses que nunca tiveram, que fizeram seu o discurso dos ricos, desses a história cuidou sem muita compaixão.

Foi essa gente cada vez mais iletrada e ignorante, que se recusa a aprender a lição de meio século de história porque agora tem a legitimação de seus iguais no WhatsApp, gente igualmente estúpida que compartilha suas ideias bovinas e destila a frustração, o despeito e os maus sentimentos de uma classe média ética e moralmente decadente, que ajudou a eleger Bolsonaro.

Mas a história é uma megera, e é também essa gente que agora vê calada o seu paladino Sergio Moro ter sua corrupção exposta enquanto é constantemente humilhado pelo ex-tenente terrorista. Que vê calada o ex-tenente atropelar as instituições para proteger seus filhos corruptos. Que vê calada os seus direitos desparecerem. Que vê calada o país que dizia defender em patacoadas verde-e-amarelas sendo desmontado e humilhado mundialmente — calada em um silêncio cúmplice porque, sempre obtusa, se recusa a admitir que sua estupidez atávica foi a principal causa dessa tragédia que o país vive hoje.

Infelizmente, repetindo a história, ela vai apenas seguir o destino de Carlos Lacerda.

Por que ler os clássicos

Em certo dia, à hora, à hora da meia-noite que apavora, eu, caindo de sono e exausto de fadiga, fadiga inclusive de Poe, eu, ansioso pelo sol, buscava sacar daqueles livros que estudava repouso (em vão!) à dor esmagadora de ouvir essa música idiota e estultificante que se faz hoje e que se tenta passar por música; à dor de ouvir Anitta cantando com a bunda, das letras grosseiras idiotas do funk carioca, das imbecilidades semiletradas com erotismo vulgar da música baiana, das rimas pobres dos sertanejos.

E o repouso estaria nos clássicos, nos tempos em que o respeito dava a tônica, o respeito ao leitor e aos seus ouvidos, o respeito à língua e aos mais belos sentimentos.

Restou-me ir a eles, eu leitor relapso que preferia Suetônio a Virgílio, e Gibbon a Suetônio.

Restou-me Catulo e seu lirismo que, século após século, não importa quantos padres o persigam, encanta e enleva gerações e gerações de amantes, “me prometa, vida minha, que este amor será feliz e perpétuo entre nós”.

Restou-me seu “Carmen 16”, na tradução e reinvenção de João Ângelo Oliva Neto:

Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só têm sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.

Os velhos tempos é que eram bons.

Mamães Evangélicas

Preocupações as há de todo o tipo, foi o que descobri quando me deparei com um site chamado Baby Center.

Dentro do site há um fórum destinado às “Mamães Evangélicas”. Não o li inteiro, não sei exatamente quais as diferenças entre uma mãe evangélica e uma macumbeira, porque minha ignorância a respeito dos códigos maternos de cada religião é avassaladora e irremediável. Sempre achei que mãe é mãe em qualquer tempo e lugar, mas em tempos de lugar de fala e de apropriação cultural deve haver mães e mães. Elas, pelo menos, acham que há diferenças suficientes para justificar essa seção.

Foi às Mamães Evangélicas que a PamAlex, cinco anos atrás, recorreu para resolver uma grande dúvida.

SEXO ANAL
Meninas, estou de 34 semanas e não consigo fazer vaginal, pois incomoda, meu marido pede pra fazer anal, ele é super atencioso e carinhoso, eu tenho muita vontade de fazer (rsrsrs) mas tenho receios, gostaria de saber como foi a experiência de vocês na primeira vez. obrigada!

Esses evangélicos, sei não. Você vê lá o sujeito saindo do culto com seu terninho, bibliazinha com zíper debaixo do braço, glória a Deus e aleluia irmão a três por quatro, e o imagina moço pio e recatado com sua mulher de cabelos longos presos e suas saias beirando o tornozelo.

Você vê, mas você não sabe que o diabo queima sua carne como queima a dos ímpios, e antes mesmo de transpor o umbral da porta da igreja ele já está pensando “hoje o bundão da PamAlex não me escapa”.

E assim, em meio a essa discussão titânica, a PamAlex recorreu ao melhor que pôde: à experiência de outras mamães evangélicas.

A primeira resposta foi dúbia, da Michele291:

Creio que sexo anal não foi criado por Deus e então não o agrada. Não estou aqui para julgar ninguém e tb quero aprender com todas, caso alguém tem olguma coisa pra falar estou pronta para ouvir.

Imagine a profundidade da discussão teológica que se pode ter a partir daí. Sexo anal foi ou não foi criado por Deus? E a espanhola, foi? Deus criou o ânus apenas para excretar? E por que aquela confusão de orifícios aos seu lado? Se Deus não criou, isso quer dizer que está liberado ou não? — porque alguém pode dizer que outras coisas não foram criadas por Deus, como o computador em que ela escreveu isso, e utilizá-los não é pecado.

Não conheço nenhum filósofo evangélico. Tenho certeza de que Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, confrontados com esse dilema, também teriam problemas para responder. Mas a sabedoria não é privilégio de cristãos do tempo do onça. Michele291, por exemplo, sabe que as coisas não são, nunca, em preto e branco. “Também quero aprender”, ela disse, porque Jesus falou que nunca deves dizer “dessa água não beberei”, e se não falou deveria ter falado.

O que eu sei é que a Michele291 está morrendo de vontade. Um ímpio qualquer daria os parabéns a ela pela sua abertura — de pensamento, claro. Enquanto isso, Juanbi responde de um jeito que a faz parecer colunista de revista feminina:

Tudo depende muito do cuidado, carinho, respeito e amor.  …pode sim, ser muito prazeiroso.

Juanbi, tenho quase certeza, é (ou era, não sei se essas revistas ainda existem) leitora de Carinho, Capricho e de João Bidu. Juanbi, óbvio, é também adepta da prática. “Cuidado, carinho, respeito e amor” é como ela chama aquele momento em que, alucinada, olhinhos revirados e tudo, dedos crispados no lençol e dentes segurando firmemente a fronha do travesseiro, ela diz para o marido chamar o dito de pastel e enchê-lo de carne.

Juuh2001, por sua vez, se empolgou e levou a coisa mais adiante. Há um je ne sais quoi na velha e boa putaria que faz as pessoas se empolgarem quando o assunto vem à baila e, dependendo do que beberam, as faz subir na mesa e cair na dancinha da garrafa, quebrando até o chão. Óbvio, uma mamãe evangélica jamais faria algo semelhante, mas isso não a impede de se soltar, um pouquinho só que seja. A conversa era sobre sexo anal, mas Juuh2001 estava tão empolgada com suas aventuras de alcova que se antecipou e lá foi para o sexo oral, que não estava em pauta mas, ora bolas, ela queria falar para alguém:

Sexo Anal é sodomismo: Gays fazem sexo assim, sexo oral e uma preliminar,pelo menos pra mim, mas acho que se o casal não se sente bem, e acha que é pecado, nao deve fazer.

A Juuh2001 bota a culpa dessa sem-vergonhice nos gays, claro, que inventaram essas safadezas. Essas coisas de dar o rabo só pode ser viadagem. Coisa desses “sodomistas”, como ela diz. Mas acontece que a Juuh2001 parece gostar de falar com a boca cheia, e algum pudor ela ainda tem, e portanto levanta a ressalva: se você acha que não ofende a Deus, vai fundo — ou deixa o seu marido ir, dá no mesmo.

(Aqui, no entanto, devo abdicar da minha postura de mero registrador de efemeridades e ralhar com a senhora Juuh2001, e reclamar da sua hipocrisia. Eu sei que pornografia é o erótico dos outros, mas onde foi que Jeová Deus especificou em quais outros buracos senhoras podem enfiar aquele troço?)

No fim das contas, depois de ouvir e ponderar as opiniões, os conceitos e preconceitos, a delícias e dores experimentadas pelas irmãs em Cristo, PamAlex se decidiu. Pelas datas de seus posts, não demorou muito tempo — e o velho cínico em mim desconfia que ela sequer esperou as respostas.

Obrigado meninas!
eu acabei cedendo e no começo doeu mas depois fui gostando. agradeço a cada uma que expressou a sua opinião, abraços.

Ah, mas um tema desses gera polêmica, e a conversa continua; porque mais pessoas têm a mesma dúvida, porque mais pessoas querem cagar regras, e porque mais pessoas querem dizer “eu dou e eu gosto!”

O caso triste da meumilagrerosa é um desses:

Boa noite meninas já percebi que este e um tema polêmico. Aqui em casa também gera desconforto ainda mais que eu sirvo a Deus e  eu marido não. Oro sempre pedindo para Deus entrar na mente e no coração do meu esposo. Mas e difícil, e em muitos casos como o meu o que o marido não tem em casa ele procura na rua. Gostaria de ouvir opiniões.

Enquanto ela pede a Deus para entrar na mente e no coração do esposo, o esposo não espera e entra com tudo nela. Entra também na Maria, na Tereza, na Conceição — o marido, nesse caso, é um ímpio safado mulherengo, e meumilagrerosa tem razão em estar desgostosa com a vida. Mas sabe como é: além de estar preocupado com a bunda dos outros, Deus também manda a mulher obedecer. Sem querer ser um estraga-prazeres, algo me diz que não tem bunda que faça o marido da meumilagrerosa se aquietar, mas a fé dessa moça é invejável: um dia Deus ainda vai ouvir as suas preces e seu marido vai se conformar com o que tem em casa.

evangelicacasada, por sua vez, chegou tarde à discussão mas está desesperada para compartilhar experiências. MãmaDaLê2013, no que parece ser um ataque de voyeurismo, pede para ela contar a sua, talvez uma versão Mamãe Evangélica de “mostre o seu que eu mostro o meu”. Mas evangelicacasada some, talvez envergonhada, talvez desconfiada de que se falasse mais alguma coisa Deus jogaria sobre sua casa uma chuva de fogo e enxofre e ela viraria uma estátua de sal, como a mulher de Ló.

A conversa não para aí. A maior parte das mulheres, mais inclinadas a dar o dízimo do que a dar a bunda, recrimina a prática, diz que é pecado. Graziam1, indignada, reclama que está “faltando é intimidade com Deus, isso sim” — talvez fosse o caso de dizer a ela que, provavelmente, se Deus tivesse uma bundinha tão bonitinha quanto a da PamAlex ou da Juanbi e um remelexo gostosinho o que não faltaria era intimidade.

No fim das contas, é a postura equilibrada e sensata da Pri_NA1 que fica, e encerra a conversa:

Irmãzinha, faz o seguinte: orem sobre isso. Se vocês dois – ou, pelo menos, o seu marido (I Cor. 7:4) – não se sentirem acusados sobre isso, é confirmação de que, para Deus, isso não é pecado para vocês.

E se depois de decidirem que não é pecado você forem parar no inferno, tudo bem. O importante é que, por alguns breves momentos, o céu se abriu e vocês foram felizes. Amém.

Os 10 melhores filmes de super-heróis

Assisti a Shazam e a Captain Marvel dia desses, dois filmes horrorosos que apenas sinalizam o esgotamento de um gênero que andou fazendo muito sucesso nos últimos 20 anos. Mas isso não quer dizer que não tenha havido grandes momentos ao longo desse tempo. Ainda mais para alguém que aos 10 anos deixou de ter como prioridade as revistinhas Disney e caiu no mundo dos super-heróis. Gente como eu.

O primeiro pelo qual me apaixonei foi, entre todos, o Capitão América. Eu já os conhecia, claro. Além dos “desenhos desanimados” que a Tupi exibia nos anos 70, aqui e ali comprei uma ou outra revista do Homem-Aranha quando era criança. Mas foi com o Capitão que as revistinhas de super-heróis passaram a ser as minhas preferidas.

Era o início dos anos 80 e a Abril, que tinha conseguido os direitos de publicação dos personagens de segunda linha da Marvel, estava fazendo um bom trabalho com o personagem. Não só pelo cuidado editorial que a Ebal, a Bloch e a RGE nunca tiveram, mas também porque tomou a decisão correta de começar pela melhor fase do Capitão, do começo dos anos 70 (descobri décadas depois que boa parte das histórias já tinha sido publicada no Brasil). Escrita por Steve Englehart e desenhada por Sal Buscema, apresentava um herói torturado, deslocado em seu tempo. Essa fase representava uma transição do modelo de Stan Lee, àquela altura já em franco processo de esgotamento e repetição das mesmas estruturas ad nauseam, para histórias um pouco menos pueris e esquemáticas.

Pouco depois, passei a comprar algumas revistas do Homem-Aranha, então publicado pela RGE — por exemplo, a edição com a morte de Gwen Stacy e os almanaques, que se não me engano publicavam as tirinhas de jornal. Eram escritas principalmente por Stan Lee e desenhadas por John Romita. Mas só quando a Abril finalmente conseguiu os direitos de todos os personagens da Marvel, em 83 ou 84, é que comecei a comprar regularmente as revistas mensais. Era uma fase estranha, em que o pobre Aranha andava de um lado para o outro feito barata tonta. Desenhada pelo Ross Andru, era essencialmente uma longa ressaca pós-morte de Gwen Stacy.

As historinhas chatas do Aranha, a decadência do Capitão América depois da morte de Sharon Carter e, provavelmente, o fato de eu passar a ter outros interesses na vida me fizeram deixar de comprar essas revistas.

E então veio “O Cavaleiro das Trevas”.

Hoje é lugar comum dizer que a série de Frank Miller que reconstruiu o Batman deu origem a uma nova era nos quadrinhos de heróis. Mas eu estava lá, e se não sabia de sua influência futura, percebia em primeira mão a sua qualidade absurda. A partir daí o Batman — que na minha infância era apenas o personagem ridículo da série de TV — se transformou no meu preferido. Não era por menos: uma a uma, grandes histórias se seguiam: “Ano Um”, “A Piada Mortal”, “Messias”, “Morte em Família”, o deslumbre visual do “Asilo Arkham”. Mais ou menos nessa época o Aranha renasceu nas mãos de Todd McFarlane. E a Abril passou a republicar, numa revista chamada “A Teia do Aranha”, as histórias dos anos 60, início dos 70 do amigão da vizinhança.

Mas os tempos passaram e eu deixei, mais uma vez, de comprar essas revistas. E o responsável por isso foi o Superman.

“A Morte do Superman” foi uma grande ideia, mas foi também uma das coisas mais deletérias que poderiam acontecer para os quadrinhos, pelo menos do ponto de vista de gente como eu, junto com as destruições do mundo a cada 15 dias nas histórias do X-Men — grupo que jamais me interessou, nem mesmo quando desenhado pelo John Byrne.

Em parte porque passaram a mirar um público mais adulto, as histórias se tornaram cada vez mais confusas, e ao mesmo tempo mais repetitivas. Paradoxalmente, eram complexas em excesso e banais demais. Há algo de profundamente chato nas constantes trocas de alter-egos, nas mortes a três por quatro seguidas de ressurreições que agora são quase mandatórias. A morte de Jason Todd, por exemplo, foi um dos grandes momentos dos quadrinhos; sua ressurreição não foi só desnecessária, foi idiota.

Deixei de ler super-heróis há muitos anos. Mas de vez em quando passeio pelas edições digitais antigas do Batman desenhado por Jerry Robinson, Frank Robbins e Sheldon Moldoff, do Aranha de Ditko e Romita e o Capitão América anticomunista dos anos 50. Eu ainda gosto deles. São simplórios, talvez, e muitas vezes pueris. Mas eu gosto. Freud explica, mas eu não estou interessado na explicação.

Todo esse nariz de cera é apenas para dizer que não aguento mais filmes de super-heróis.

É engraçado que, enquanto as revistas em quadrinhos ficaram chatas, no cinema os super-heróis viviam um renascimento. No começo deste século, o “Homem-Aranha” de Sam Raimi me deslumbrou. A evolução da computação gráfica tinha possibilitado transformar em imagens aquilo que só podíamos imaginar, e uma parcela importante da cultura pop finalmente tinha finalmente a chance de se realizar dignamente no cinema. Daí em diante, filmes de super-heróis viraram um segmento fundamental da indústria cinematográfica americana. Tem gente que chega a dizer que se tornaram o “amálgama da civilização moderna” ou algo do tipo, provavelmente porque ninguém pode ser punido por falar idiotices.

Mas eles se esgotaram. Cada vez mais, um filme de super-herói é a repetição da fórmula do filme anterior com um personagem diferente. Quando um filme como “Pantera Negra” é indicado ao Oscar, é mais ou menos como investimento na Bolsa: quando você fica sabendo de uma oportunidade é porque dali em diante aquela ação só vai cair.

Acho que parte do problema está na ênfase nos efeitos especiais, nas sequências cada vez mais mirabolantes de ação e na exigência de que o produto final fique dentro do padrão definido para esse tipo de filme, uma mistura de ação e humor semi-infantil.

O roteiro — ou melhor, a construção dos personagens — parece dizer cada vez menos. A revolução protagonizada por Stan Lee dizia respeito nem tanto aos heróis, mas aos seus alter-egos. Nunca foi o Homem-Aranha: era Peter Parker. Mas isso é menos importante em um filme, até pelas limitações de tempo. O resultado é que os personagens são menos ricos (Tony Stark, um personagem ressuscitado maravilhosamente pelo cinema, não acabou se transformando em pouco mais que uma caricatura?), as identidades civis dos personagens são cada vez menos importantes (o Capitão América tem vida privada?). Um filme de super-herói é basicamente correria, tiro, porrada e bomba, e um esforço sobre-humano em efeitos especiais cada vez mais próximos da perfeição.

Mas há um problema em tudo isso. Se a gente parar para pensar, quadrinhos são bem menos gráficos do que parecem. Sua mecânica faz com que a maior parte da ação seja essencialmente intuída pelo leitor. Um quadrinho apenas lhe dá um indicativo do que acontece, como uma fotografia; os detalhes dos movimentos, os sons, tudo isso acontece apenas na sua cabeça. É o leitor quem acaba de criar esses movimentos, no final das contas. Assim como cria as vozes de cada personagem, por exemplo.

Os filmes eliminam essa participação do espectador. Ele não tem que criar nada. Tem apenas que receber extáticos esse bombardeio sensorial, de preferência sem pensar.

Talvez por isso esses filmes me interessem cada vez menos. Passo batido por alguns (“Esquadrão Suicida”, por exemplo, vi apenas por que estava disponível em um voo), e outros vejo para esquecer logo em seguida. Eu simplesmente não consigo lembrar do último filme do Homem-Aranha, e nem faço questão. Filmes de super-heróis se transformaram no equivalente destes anos aos de Steven Seagal: você sabe exatamente o que vai receber antes mesmo de entrar no cinema. Em alguns casos a decadência é mais que óbvia: basta ver que a cada novo reboot o Homem-Aranha vem sendo humilhado.

Mesmo assim, eu com minha mania de listas resolvi fazer a minha de melhores filmes de super-herói, uma daquelas listas idiossincráticas que volta e meia aparecem por aqui. Alguns filmes poderiam estar na lista, mas têm defeitos que acho graves demais. O Batman de Tim Burton, por exemplo: filme importantíssimo na história da construção da viabilidade do gênero, mas que traz um Coringa totalmente equivocado e um total desrespeito à origem do personagem.

Porque para entrar nessa minha lista boba um filme tem que respeitar as origens quadrinísticas do personagem. Ao mesmo tempo, tem que trazer algo novo. A lista está em ordem cronológica. Obviamente, não assisti ainda ao último dos Vingadores, porque ainda não ganharam as redes e eu não vou mais ao cinema. O penúltimo, no entanto, não me disse muita coisa, além do fato de parecer ser apenas um prólogo para esse filme. Tampouco assisti ao último do Homem-Aranha. Mas esse não tem como ser bom, desde que resolveram violentar o pobre Parker e transformá-lo em pupilo de Tony Stark. Esse não é o meu mundo.

Superman I e II (1978/1980)
40 anos se passaram e Superman I e II continuam insuperáveis. Feito sem os efeitos especiais atuais, mas com um grande cuidado no roteiro, o resultado é um filme novo, equilibrado. Cenas de um lirismo hoje impensável, como o passeio de Superman e Lois Lane no céu, quase inimagináveis hoje, mostraram que o cinema podia enriquecer os quadrinhos com possibilidades que o papel lhes negava. Ele é contado aqui como um filme apenas porque foi gravado praticamente inteiro de uma só vez, por Richard Donner. Richard Lester, creditado como diretor do II, apenas terminou o segundo filme — e destruiria a franquia em Superman III. Em 2006, Superman Returns tentaria retomar o universo criado aqui; o resultado foi um filme que, embora eu goste muito, não foi bem aceito pela maioria das pessoas. Depois vieram os filmes com Henry Cavill, abaixo de qualquer crítica. Sabe Deus o que o destino reserva para o Homem de Aço.

Corpo Fechado (2000)
Embora sem uniformes, e com superpoderes disfarçados, o filme de M. Night Shyamalan é um grande filme de origem de super-herói. Bem feito, brincando adequadamente com as estruturas do gênero, e dispensando efeitos especiais mirabolantes, Unbreakable vai à essência do que é ser super-herói. Dentro desses limites, é um filme brilhante.

Homem-Aranha 2 (2004)
Embora o primeiro filme do Homem-Aranha dirigido pelo Sam Raimi tenha sido o grande responsável pela nova era de filmes de super-heróis, o que faz dele um marco inegável, é em “Homem-Aranha 2” que a série atinge a quase perfeição: os únicos defeitos do filme, como a presença extemporânea de uma Mary Jane interpretada pela atriz errada, são herdados do filme original. O resto são atores adequados e um dos vilões mais ricos desse universo, o Dr. Octopus de Alfred Molina.

O Cavaleiro das Trevas (2008)
Batman Begins foi aclamado como um grande filme, mas era medíocre — sua sorte é que era necessariamente comparado aos filmes anteriores de Tim Burton e Joel Schumacher, que transitavam entre o ruim, o ridículo e o escabroso. Christopher Nolan finalmente conseguiu dar aqui a densidade necessária ao personagem, ajudado pelo melhor super-vilão de todos os tempos: o Coringa de Heath Ledger atualizou e levou o Palhaço do Crime a desvãos assustadores. (Eu falei minhas bobagens aqui sobre Batman Begins e sobre O Cavaleiro das Trevas.)

Homem de Ferro (2008)
Uma coisa que as pessoas deveriam ter em mente é que filmes de super-herói funcionam melhor quando o personagem é relativamente desconhecido, tipo segunda linha, porque isso possibilita mais liberdade na reconstrução do personagem para uma nova mídia. Neste caso, o Homem de Ferro ganhou uma abordagem mais rica do personagem ao mesmo tempo em que teve sua origem respeitada. Além disso, sua armadura era mais fácil de transplantar para o cinema sem violentar os quadrinhos. O resultado é um clássico do gênero.

Vingadores (2012)
A fórmula se consolidou definitivamente aqui: muita ação, umas pitadas de humor para temperar a coisa, muitos efeitos especiais e uma batalha final apoteótica. É um filme redondo, bem feito, e que nortearia virtualmente todos os filmes de super-herói feitos depois.

Capitão América: Soldado Invernal (2014)
Com a fórmula consolidada, basta um bom roteiro para fazer um grande filme. Estruturada livremente sobre a melhor fase do Capitão, do início dos anos 70, e baseada em uma grande história, sólida, o segundo filme do Capitão América faz justiça à lenda de um dos personagens mais antigos do cânon. É um filme brilhante.

Deadpool (2016)
A essa altura a fórmula já estava desgastada, e então aparece Deadpool com uma proposta simples: vamos avacalhar a bodega. Só isso. Mas faz isso com graça e com risadas legítimas.

Mulher Maravilha (2017)
Olhando direitinho, não há muita coisa nova em “Mulher Maravilha”: a protagonista é uma mulher, e estamos conversados. O desrespeito total à mitologia grega é um detalhe apenas, que certamente passou em branco para a plateia. Fora isso não há muito mais que clichês, ou no mínimo as regras básicas do filme de super-herói. Mas os autores entenderam que para fazer um filme com uma super-heroína nos anos 10 não basta simplesmente trocar o nome do protagonista. O filme precisa trazer uma certa ideologia, e por rasa que possa ser — e é —, “Mulher Maravilha” se beneficia disso. Acabou sendo um sopro num gênero cada vez mais cansado; mas a julgar por Captain Marvel, um sopro bem fraquinho, quase um suspiro.

Eu nunca fui bom de matemática.