Entregando os pontos

Nos útimos dias eu preferi ficar calado por algumas coisas feias que disseram de mim.

Quando, por exemplo, o Vítor, a Lulu, o Val e o Marcus me deram os parabéns pela vitória de Déda, eu fiquei calado por egoísmo e porque, como todo paraíba (N. do E.: paraíba é o sertanejo deslumbrado pelo Rio de Janeiro) eu peguei a mania de ser ixperto e reslvi pegar todo o crédito da campanha. Fiquei calado porque se fosse falar teria que dizer a verdade: que o mérito é da Eloísa, coordenadora-geral da campanha, do Paulinho Lobo, grande redator e grande músico (o sacana disse que eu toco um violão sofrível e canto abominavelmente. Algumas verdades não precisam ser ditas), do Tarciso, um dos melhores editores que já vi e agora também um dos melhores diretores; e principalmente do Cauê, diretor de criação e maestro da campanha.

Aliás, vamos admitir a verdade: o mérito, mesmo, é do Déda.

E o post que o Allan escreveu me deixou bobo. Mostrei imediatamente para a minha mãe, que agora gosta do Allan desde criancinha. Na verdade, minha mãe gosta de qualquer pessoa que ama a Bahia; o filho dela é só um detalhe.

E por tudo isso, já que resolvi quebrar o silêncio, só posso dizer uma coisa.

Obrigado.

Se não me falha a memória

Eu chegava ao cinema cedo, para a primeira sessão da tarde, e as luzes estavam acesas e as poltronas estavam vazias, e de trás da tela vinham arranjos instrumentais de clássicos do american standard, talvez, quem sabe, interpretados por Ray Conniff.

Eu sentava e pensava na vida, e mesmo não tendo muito em que pensar, me aplicava a esse exercício com a seriedade dos que decidem os rumos do mundo, mas ao mesmo tempo com a leveza dos que sabem que não precisam carregar o mundo nas costas.

Então a música parava, infelizmente no meio de Night and Day, felizmente no meio de Besame Mucho, e eu sabia que imediatamente as luzes se apagariam, e a voz, sempre a voz de Jorge Ramos apareceria em sua grandiosidade de Cinemascope.

Se não me falha a memória, primeiro vinham os cinejornais. Normalmente atrasados em muitos dias, às vezes semanas.

Que bonito era o Canal 100, com imagens grandiosas de jogadores dançando ao redor da bola em meio a um Maracanã mal iluminado, e a locução de Cid Moreira. De que importava que o jogo fosse antigo, que se soubesse de cor e salteado o resultado? O Canal 100, percebo agora, não era um cinejornal. Era uma declaração de amor do cinema ao espírito do Brasil, o casamento entre duas grandes artes.

Eu não sabia, mas aquele era o último suspiro de uma época que estava sendo enterrada pela televisão. Não haveria mais cinejornais. Eu estava assistindo aos últimos momentos de uma arte que nasceu e morreu no século em que nasci mas ao qual sobrevivi.

Depois vinha um curta-metragem. Se eu soubesse o que era a Embrafilme na época resmungaria contra a política cultural do governo, contra aquela tentativa de me infligir aquelas coisas, mas eu não sabia nem que existia governo, e só conseguia suspirar e esperar que o suplício acabasse logo, como um menino que termina o seu dever de casa enquanto ouve os amigos chamando por ele. Mas mesmo odiando-os a todos, não me saem da lembrança um pequeno documentário sobre o São Cristóvão Futebol Clube, campeão carioca de 1926; um curta meio surrealista que depois seria inspiração para um comercial de tintas (fundo branco infinito, e o artista enlouquecido joga as tintas desvairadamente cenário afora); e o melhor de todos eles, aquele em que a divina, divina Denise Dumont, sonho inalcançável de infância, pega um ônibus lotado e se abaixa para a delícia dos passageiros e dos espectadores, e aquela visão calipígia fazia valer todo o dinheiro economizado durante a semana.

Era antes do DiVX, antes do DVD, antes mesmo do video-cassete, e os cinemas costumavam exibir reprises de grandes sucessos; se passei batido por “… E o Vento Levou” assisti a dois, três desenhos da Disney, e vi o trailer de Help! dos Beatles, sem saber o que era help e sem saber quem eram os Beatles.

Então vinha, finalmente, o certificado de censura atestando que aquele filme tinha sido liberado para maiores de 14 anos —  e eu tão feliz por ter apenas 11 e ter conseguido entrar no cinema. Os certificados eram parecidos com os da TV, e para mim faziam parte da programação normal. Não evocavam a ditadura, não me faziam pensar em liberdade de expressão; eram apenas um aviso de que o filme ia começar, de que a espera havia terminado. Um aviso, só isso, como o leão da Metro, os holofotes da Fox ou o cume nevado da Paramount.

Era uma época em que o cinema impunha menos regras, porque se podia fumar, comer, beber, namorar nas poltronas do fundo. Mas eu era criança para namorar, e desde aquela época gostava de ir ao cinema sozinho, e ainda que tivesse namorada não iria ousar as ousadias que se ousam no cinema, e minha mão não desceria dos seus ombros, cautelosa, hesitante, esperando a reação ou o suspiro dela, ela que nem seios teria.

E bolinar a namorada durante um filme dos Trapalhões é simplesmente errado.

E então, quando os créditos finais terminassem de subir a tela, com as luzes já acesas, e se fosse bom o filme, eu esperaria uma nova sessão, sem que nenhum lanterninha falsamente gentil e eficiente viesse me convidar a sair.

Se não me falha a memória, essas lembranças vão completar um quarto de século.

Dando ibope

Há um mês o Ibope dava 52% para o candidato a prefeito de Aracaju, Marcelo Déda. E 22% para a segunda colocada.

Esta semana, uma nova pesquisa dá 62% para Déda e 14% para a segunda colocada.

Depois eu digo qual é a sensação de ajudar a eleger o prefeito proporcionalmente mais votado do Brasil.

Clichy

De vez em quando fico pensando que, algum dia, quando estiver cansado de rodar bolsinha, eu gostaria de abrir um sebo. Deve ser um modo agradável de ganhar a vida; pelo menos seria para mim. A calma, a tranqüilidade, o trabalho agradável de avaliar livros não como literatura, mas como objetos me deixaria feliz, acho. Sebos me interessam bem mais que livrarias.

Ainda mais porque tenho a impressão de que a maioria dos livreiros não conhece bem o material que têm nas mãos. Costumam confundir livros velhos com livros antigos, e há uma grande diferença nisso. Parecem cobrar mais por livros com capas mais bonitas. E no entanto, perdem oportunidades únicas.

O grande problema é que é nessas oportunidades que está o meu grande defeito, manifestado de forma diversa dos deles, aquele que faz desdenhar dessa perspectiva de futuro como absolutamente impraticável.

Há alguns meses eu estava em um sebo de Niterói. Depois que conheço o acervo de um sebo, costumo olhar principalmente a parte da frente, onde sempre se pode encontrar livros decentes por preços como um, dois reais. Era ali que eu estava, tentando ver se entre aquele monte desorganizado de pocket books havia algum policial que valesse a pena comprar.

Foi quando vi um livro chamado Quiet Days in Clichy. Peguei e procurei o nome de seu autor: Henry Miller.

Não sou fã de Miller. Tenho uns dois ou três livros dele, se tanto. Longe de ser meu escritor favorito. Mas aquele livro parecia interessante, mesmo que eu não o conhecesse.

Abri o livro e havia algumas pranchas com belas fotografias. Era uma edição bem cuidada, papel excelente, apesar de o livro estar um pouco baqueado. Fiquei curioso e procurei as informações editoriais.

O livro tinha sido publicado em 1957, acho, pela Olympia Press, de Paris. E dizia ser “a first and original edition“.

O fato de ser publicado por uma editora francesa me interessou. Era do tempo em que Miller estava banido dos Estados Unidos. Não confiei muito na informação sobre a edição, mas pelo preço — 3 reais — eu podia muito bem me arriscar. Comprei o livro e, quando cheguei em casa, corri para o computador em busca de informações sobre ele.

Aquela era mesmo uma primeira edição legítima, e seu preço está cotado em torno de 1,500 dólares. Meu exemplar deve valer bem menos, porque não está nas mais perfeitas condições. Mas ainda vale, e bem, uns 800 dólares. Pelo menos é um pouco mais que o dólar que me custou.

Enquanto isso, o mesmo sebo — onde depois comprei por bem mais que isso um livro ruim dos Beatles, por ter sido o primeiro livro sobre eles que comprei na vida e tinha perdido — cobra preços altíssimos por exemplares que mal valem o papel em que foram impressos. Isso acontece — geralmente em menor grau de gravidade — com praticamente todos os sebos que conheci.

Meu exemplar de Quiet Days in Clichy está no Rio, enroladinho em plástico. Vale um bom dinheiro, mas é justamente aí que reside a minha grande incompetência, aquela que me tira do horizonte a possibilidade de deixar o trottoir de uma vez e finalmente me estabelecer em um lugar qualquer, levando a vida pacata dos pequenos comerciantes: eu não pretendo vendê-lo, porque o orgulho de ter um livro que custa 1,500 dólares vale muito mais que isso. E isso não se pode explicar, muito menos evitar.

Ingênua ma non troppo

Mocinha Ingênua, por favor se identifique. Aproveite e mande uma foto. Dependendo do que ela mostrar, e se você não for de Aracaju ou do Rio, talvez seja necessário mandar também uma passagem de avião e um voucher para um hotel decente. Se você for de uma dessas duas cidades é mais fácil: é preciso apenas ter um carro, tempo de sobra, disposição para esperar horas e horas e uma profunda ignorância acerca do meu passado.

A vida é bela

rafael20040908.jpg

Há dois tipos de gente que ri à toa.

Ricos.

E redatores de campanhas que correm tranqüilas para liquidar a fatura no primeiro turno.

A véia debaixo da cama

Rafael diz:
Ah, por que o post é cruel?

Zelma diz:
Porque me parece que fala das carências, dos que na verdade só querem o tal final de semana, e das mulheres que parecem seletivas mas na verdade com um bom texto podem ser usadas como qualquer uma.

Rafael diz:
Nossa, a véia é perspicaz.

Zelma diz:
Vc. acha que seus neurônios são só de seu pai?

Rafael diz:
Minha modéstia tampouco. 🙂

Zelma diz:
AH AH AH AH AH AH AH AH

Bia, o cearense

Este é um mundo pequeno: o sujeito chega pra mim e diz que uma amiga tinha lhe contado que um amigo de um amigo dela viria de fora para fazer a campanha de Marcelo Déda. O imigrante se chamava Rafael Galvão.

Esse amigo da amiga é de Campinas, ele diz, e eu respondo que não conheço ninguém ali. Deve ser outro Rafael Galvão; aqui mesmo há uma versão pirata, mais recente, que lançava esse belo nome na lama ao se acabar atrás dos trios elétricos da vida, sempre empapuçado em doses excessivas de cerveja (se fosse uísque, vodca ou cachaça, tudo bem; mas gente que fica bêbada com cerveja não merece o meu respeito). Nunca conheci o sujeito e, por causa do seu nome, prefiro não conhecer. A existência de outro Rafael Galvão é um golpe duro na minha ilusão de que sou único neste mundo.

Só algumas horas depois é que percebo que o tal amigo de Campinas, na verdade, é de Limeira/Americana, e que só pode ser o Biajoni.

O Bia é pior que cearense: tem amigo em tudo quanto é buraco deste mundo.

Sem palavras

Né por nada não, Rafael, mas eu tenho que lhe dizer que o seu é o melhor blog brasileiro da atualidade. Simplesmente irretocável a descrição da ninfeta de peitos arrebatadores!

Por Inagaki em agosto 31, 2004 12:20 AM

Caraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaalho…

Rusgas

Muito tempo atrás.

Ela tinha uns feminismos esquisitos, que não condiziam com este arquétipo do troglodita paraíba que vos escreve. E se levava muito a sério, pecado mortal que só determinados atributos — que não têm nada a ver com essas coisas de filosofia — tornam tolerável.

Dia chato, tedioso, dia de mormaço, ela com aquelas conversas mortalmente chatas sobre a tal mulher moderna. Terminou com uma mezzo-pergunta, mezzo-afirmação: “…porque, afinal: como as mulheres se vêm hoje em dia”?

“No espelho, enquanto se maquiam.”

Eu podia perder a namorada, mas não podia perder a piada.

E então descobri que feministas engolem a piada, mas não perdem o namorado.