Eu detesto concursos.
Quando fui morar em Aracaju participei do primeiro e último concurso em minha vida. Era um concurso estadual de contos infantis. Recebi a notícia na sala de aula, decidi que ia participar e, naturalmente, esqueci do assunto, que eu tinha mais o que fazer.
Só fui lembrar do concurso na véspera do fim do prazo, e corri para escrever o conto. Dele só lembro que era sobre um adolescente que arranjava uma moto e um cachorro e se metia em aventuras no meio do mato, acho que na Amazônia.
Escrevi e passei a limpo; acabei só entregando o conto no fim do dia. Quando entreguei, a professora de português responsável pela participação do colégio no concurso só fez um comentário: “Hmm… Grande, né?”
Pelo que entendi, a filha da puta estava insinuando que aquele conto era um plágio, ou que alguém tinha escrito por mim. Minha vontade, na hora, foi lembrar a ela que não devia julgar a minha capacidade pela sua burrice. Mas tudo bem.
Eu já tinha esquecido do assunto quando uma prima ligou para minha casa dizendo que meu nome tinha aparecido no telejornal da noite, como vencedor do terceiro lugar do tal concurso.
A irritação começou aí. Não existe vencedor de terceiro lugar. Existe, sim, um sujeito que perdeu o primeiro e o segundo lugares, só isso. Um perdedor duplo.
Mas eu iria me irritar ainda mais no dia seguinte.
O segundo colocado tinha sido um colega de sala. Seu conto falava de um passarinho que fugia de sua gaiola e saía pelo mundo procurando a felicidade.
Ah, não. Passarinho? Voando lindo, leve e solto à procura da felicidade? Eu podia ter 11 anos, mas já sabia o que era coisa de viadinho. E aquilo, definitivamente, se encaixava na categoria. Perder para um continho de viadinho era humilhação.
Mas ainda tinha mais. Eu conhecia o sujeito. Ele não fazia absolutamente nada sozinho: sua mãe, superprotetora, fazia tudo por ele. Ela tinha chegado ao cúmulo de, depois de uma prova de história em que eu havia dado a cola completa para ele e para o resto da sala, ir me agradecer pessoalmente (se fosse a minha mãe ia ficar revoltada). Não era de admirar que ele fosse assim, meio viadinho.
Eu perdi o segundo lugar, mas sabia que tinha perdido para uma mulher de meia-idade que não tinha o que fazer, provavelmente mal-amada, em vez de para um sujeito da minha idade. Não que isso servisse de consolo, infelizmente. Eu poderia ter perdido para Rubem Fonseca ou Tchekov, que ainda assim ficaria revoltado.
Para completar, o prêmio ao terceiro lugar era uma caderneta de poupança no valor de 3 mil cruzeiros. Eu nunca vi a cor desse dinheiro. O Estado de Sergipe me passou um 171.
Até hoje tenho certeza de que o meu conto era melhor que o segundo lugar. Certeza absoluta. E tenho a séria desconfiança de que era melhor que o primeiro, também.
Eu detesto concursos.