Every Now and Then

A primeira coisa que se deve levar em conta ao pensar na música dos Beatles é que eles eram uma fusão, e não uma soma. Soma, por exemplo, é o Led Zeppelin: músicos brilhantes fazendo um som que é a combinação de cada talento individual. Nos Beatles acontecia algo diferente: era a contribuição de cada um que se transformava, ao se fundir às dos outros. Por isso, talvez, nenhum ex-beatle jamais soou como Beatles, ou como soava na banda.

Quando Free as a Bird apareceu, podia ser picaretagem, caça-níqueis, acerto de contas; mas era indubitavelmente uma canção dos Beatles. McCartney e Harrison trabalharam mais que a letra ou a criação de um novo middle eight: cada um deu sua contribuição ao som final da canção, e o resultado foi algo que não soava como suas carreiras solo. Traziam, além disso, algo novo: McCartney tocava um baixo inédito, o Wal de cinco cordas, e a guitarra slide de George era algo que não podia ser ouvido em qualquer canção dos Beatles.

Em resumo, Free as a Bird soava como os Beatles poderiam soar em 1995, em um dos tantos futuros possíveis.

Now and Then não tem nada disso. É apenas uma música fraca de Lennon superproduzida por McCartney. Só isso. Mais nada. Não há Beatles nessa frase, e é esse o seu problema.

Para começar, é o resultado de uma pequena canalhice. Ela jamais seria lançada se Harrison estivesse vivo. Ele a definiu perfeitamente: era lixo, e não queria ser visto ao seu lado como eu não gostava de ser visto ao lado dos urutaus a que a vida me obrigava na adolescência.

Mas Harrison está adubando algum coqueiro no Havaí há mais de duas décadas. E agora a famosa democracia beatle não vale mais nada. McCartney sempre quis lançar essa canção, talvez porque sonhe com uma reedição da parceria com Lennon e essa seja a sua última chance, talvez porque saiba que em tempos de streaming é preciso lançar um factoide realmente impactante de vez em quando. É uma vitória pessoal de McCartney, mas é uma vitória de Pirro.

Now and Then é uma canção chata em tom menor, como convém aos tempos. É pouco inspirada, só mais uma encarnação da eterna lamentação de Lennon por Yoko Ono. A participação de Harrison se resume a um violão, certamente tirado do run through que aparece no vídeo, e está lá apenas para desencargo de consciência; não há a mínima sombra da marca de George nessa canção.

É a sua ausência, acima de tudo, que condena Now and Then a não ser uma música dos Beatles.

Sua ausência, claro, e a abordagem dada à canção. O objetivo de McCartney não parece ter sido fazer uma canção que soe nova, fresca; é como se ele a abordasse não mais como um membro da banda, mas com a perspectiva de alguém que olha de fora e quer que a canção soe como Beatles.

McCartney chegou a usar seu velho e bom Hofner, baixo que, enquanto ainda era um beatle de verdade, abandonou em 1966. O Hofner, com seu som limitado, foi usado porque esse é o “beatle bass”. Da mesma forma, fez um solo medíocre de slide guitar porque é o que se esperaria de um solo de Harrison hoje. Para ter mais raiva, compare com o belíssimo solo de George em Free as a Bird.

No fim das contas, a canção soa como McCartney e como Lennon, apenas. A canção tem a marca de Lennon, e embora chata tem um refrão agradável potencializado por McCartney, mas traz também os mesmos valores de produção típicos dos discos recentes de Macca — especialmente o seu piano.

E isso não é Beatles. Quando Page and Plant lançaram No Quarter ou Walking into Clarksdale, nos anos 90, ninguém tentou dizer que eram novos discos do Led Zeppelin. Não deveriam aceitar que se diga isso agora.

O mais irônico em tudo isso é que McCartney fez o que acusou Phil Spector de fazer em The Long and Winding Road. É uma tentativa de salvatagem de material ruim no estúdio. Como a história é uma malvada singularmente cruel, o resultado a que ele chegou é inferior ao de Spector.

Mas há um outro aspecto interessante em tudo isso. Estão dizendo que esta é a última canção dos Beatles. Não é. É algo completamente diferente: é o início de um novo tempo.

***

A segunda coisa que se deve ter em mente é que The Beatles, hoje, é apenas uma marca administrada por uma empresa de asset management chamada Apple Corps, que só existe para gerenciar os produtos disponíveis e possíveis de uma banda que acabou há quase meio século.

Neste momento, a empresa passa por um processo de sucessão. Yoko Ono, com a indesejada das gentes fungando cada mais perto do seu cangote, já passou o seu lugar na Apple para o filho Sean. Dhani Harrison mais cedo ou mais tarde será o único responsável pelo espólio do pai. Em algum momento nos próximos anos, os filhos de Paul McCartney e Ringo Starr assumirão os lugares dos pais como sócios administradores da Apple.

Nenhum deles tem os compromissos estéticos e emocionais com o legado dos Beatles que McCartney, Starr e Ono ainda têm. Não viveram aquilo, não têm lembranças, não tem razão para mágoas. Sabem do seu valor, claro, mas estão distantes o suficiente para encarar o material que têm nas mãos como produtos iguais a quaisquer outros.

Além disso, não custa lembrar que os filhos dos Beatles são essencialmente filhos de milionários. Com poucas exceções, como Stella McCartney e Zak Starkey, são diletantes que, no caso de Dhani e James McCartney, veem a música como passatempo, ou que, nos casos dos outros, se dão ao luxo de manter padrões de vida altos porque o dinheiro nunca deixou de entrar. (O mais talentoso filho de um beatle é Julian Lennon, mas esse foi há muito alijado desse grupo, e mesmo ele não tem a fome que falta aos seus co-irmãos.)

Para eles, a Apple é apenas a empresa do pai, e empresa tem que dar dinheiro. E desde o Napster, ficou mais difícil tirar dinheiro das pessoas simplesmente reembalando material antigo — e aí estão as caixas comemorativas de discos dos Beatles para provar, em que é preciso sempre adicionar material novo.

O que Now and Then e seu uso de tecnologias sonoras modernas descerra para a Apple é um mundo de possibilidades para transformar em produtos comercialmente adequados o que resta de material inédito da banda. Posso apostar com qualquer um que o próximo passo será remasterizar a voz de Lennon em Free as a Bird e Real Love. (Devem aproveitar também para tirar os excessos da produção de Jeff Lynne.) O segundo será recuperar e melhorar as gravações do Live at the BBC.

Mas há um mundo muito maior de possibilidades pela frente.

Por exemplo, os Beatles só lançaram um disco ao vivo oficial. Mas agora poderão fazer as gravações ao vivo soarem como se tivessem sido gravadas em estúdio, atuando naquela zona cinzenta entre restauração e recriação que a IA possibilita. Por exemplo, poderão dar qualidade decente ao Star Club, um disco de legalidade confusa mas muito interessante — bem mais que o Hollywood Bowl, certamente — que os Beatles conseguiram tirar em circulação em 1998. Ou podem pegar as gravações de shows ao vivo que circulam há mais de 50 anos e lançá-las oficialmente. Os shows no Japão, por exemplo, têm qualidade bem superior ao resto, e shows como o de Vancouver dariam bons discos. (Vale a pena procurar, nas redes, o Complete Purple Chick Live Collection Vol 1-12, com o que há disponível em gravações ao vivo por aí; se não achar me manda uma mensagem.)

Isso explica muitas coisas. Eu achei estranho que tão pouco material inédito tenha sido lançado na caixa do Let it Be remasterizado. Agora sei por quê: porque nos próximos anos, com uma distância razoável entre um e outro, veremos mais lançamentos de sobras. Porque o show tem que continuar.

Heróico

Já me acostumei com o Word corrigindo minha ortografia. Me acostumei com assembleia, com ideia, me acostumei até com o vazio deixado pelo trema que jurei defender até minha última gota de sangue, embora ainda ache que cinquenta não esquenta, e que os dois pinguinhos líricos no U cumpriam uma função importante e quase indispensável.

Essa resignação é mais notável porque desde o início bati pé contra a reforma ortográfica do Houaiss. Desnecessária, incompleta, e em um caso — é, o do trema — assassina. Mas o tempo vai passando, a gente vai se acostumando, a saudade deixa de doer tanto, a vida é assim mesmo. E os portugueses a odeiam ainda mais que eu.

Tecnicamente passei por duas dessas reformas. A primeira, no início dos anos 70, extinguiu acentos diferenciais e graves como o de “sòzinho” e “êle”. Infelizmente, boa parte do que li na infância e começo da adolescência tinha sido publicado antes de sua vigência, e o resultado eram pequenas confusões quando comecei a trabalhar, até que descobri que vivia em um mundo diferente. A segunda é essa de 1990, ainda mais canalha porque, não contente com acentos até discutíveis e hífens que norteavam minha vida, resolveu mirar no trema, antigo e indelével amor.

Mas eu me acostumei, tinha que me acostumar. Não tinha jeito. Então que tirem o acento dos ii, que os -éis percam-nos também. Eu aceito: “por um, por mil”, é um ditado da minha terra que o tempo me faz perceber tão correto.

Só tem um ou dois assassinatos de acentos que não ainda não consegui engolir. Certo, eu sei que esse dia triste chegará, mas para minha surpresa ele hoje me incomoda mais que a ausência do trema.

Como alguém pode escrever heróico sem acento e sem se envergonhar, sem enrubescer — embora eu ache que ninguém enrubesça mais desde a reforma de 1946?

Talvez essa minha revolta se deva à Reader’s Digest. Quando eu era criança, minha avó me deu um livro — hoje facilmente encontrável nos sebos do Rio — com algumas dezenas de biografias curtas de personalidades notáveis publicadas naquela revista. Eram eulogias, na verdade. Através dele conheci um pouco mais de gente de que havia ouvido falar, como Beethoven, Rondon, Sócrates, Galileu, Ford, Twain, Newton, e descobri um bocado de gente nova: Verdi, Helen Keller, Florence Nightingale, Marie Curie, Robert Peary.

E Toscanini.

Em 1944, Arturo Toscanini recebeu uma carta de um menino que pedia para ele tocar a “Heróica” de Beethoven, porque seu pai, recentemente morto na guerra, gostava muito dessa obra. Depois descobri que a sinfonia se chamava “Eroica” e que eu tinha feito uma confusão a partir da minha própria ignorância: por uma dessas inversões inexplicáveis que a cabeça da gente faz, heróico sem acento só remeteria a um menino que ainda não sabia escrever corretamente e pediu um dia para Toscanini tocar a Eroica.

Quando o corretor ortográfico me corrige nessa palavra, mais um pedaço de Toscanini morre em mim.

Ao resto já me acostumei. Me acostumei, sim. Primeiro era o Word, e no começo, porque gosto de brigar com corretores ortográficos e com a voz de puta do GPS do Google Maps que me manda entrar onde não devo, eu ia lá e recolocava o erro que não era erro em seu lugar. Depois o cansaço tomou conta da minha alma, não valia a pena continuar brigando por isso, ficou até fácil escrever assembleia sem acento, a verdade é que as ideias não ficavam melhores e nem piores por causa daquele traço em cima do E

Mas heroico não desce. Não vai descer nunca.

Se bem que eu disse a mesma coisa do trema e olha eu aqui, escrevendo coisas grandiloquentes sem o respeito necessário a uma pobre, mas importante e inesquecível vítima da modernidade.

Quem sabe.

Molambo

Eu sei que vocês vão dizer que é tudo mentira, que não pode ser. Mas o index prohibitorium desses tempos estranhos ganhou uma nova palavra — desta vez uma palavra maltrapilha, paupérrima, um trapo de palavra: molambo.

Uns tempos atrás rapper chamado Djonga — muito prazer, Djonga, quem é você mesmo? —, que me informam ser useiro e vezeiro nessa patrulha ortográfica que faz a delícia de desocupados nas redes sociais, caiu na própria armadilha: chamou a torcida do Flamengo de molambada e depois, como é a praxe nesses novos mecanismos de exposição, fez um mea culpa — esse pessoal adora a imagem de si mesmos com vestes rasgadas e cinzas na cabeça — dizendo que a expressão era racista porque era usada pelos senhores de escravos para designá-los.

Não sei o que o rapaz é, se vascaíno ou tricolor, mas a essa desdita ele acrescenta a estupidez, e se não se pode culpar ninguém por ser fiel a um time e se esbaldar no justo e prazeroso exercício de tripudiar a torcida alheia, pode-se reclamar de sua burrice.

Para impedir que a maldade fizesse de mim um molambo qualquer, sei que como flamenguista eu deveria ficar feliz porque as torcidas adversárias, se obedientes aos ditames dos censores vernaculares, ainda não podem chamar a gente de molambada, mesmo depois de ano triste como este 2023 que se acaba. Não que fosse me incomodar, até porque lembro que botei minha roupa melhorzinha para assistir ao pouco que vi in loco no Maracanã — mas em casa, diante da TV, era na base do molambo, mesmo. O problema é que, como cidadão com algum juízo, fico apenas mais um pouco desanimado com os rumos que este mundo está tomando.

Bem sei que assim procedendo me exponho ao desprezo de todos vocês, mas não é preciso ir ao dicionário para intuir que molambo é palavra de origem africana; o que o pai dos burros me diz além disso é que originalmente designava um pano que mulheres amarravam à cintura. Apesar do que diz o Djonga, é bem provável que senhores tenham aprendido a palavra e o seu significado a partir do uso que os escravos já davam. E é esse, ou pelo menos era até anteontem, o uso que o mundo lusoparlante lhe dá.

Molambo é feito em primeiro lugar, para descrever de maneira clara o estado de algo; em segundo, para ofender pobre malvestido, seja qual for a cor do desgraçado que não ouviu os conselhos da Glória Kalil. Pelo menos foi nisso que sempre acreditei. Eu e o resto da molambada, a torcida do Flamengo. Apenas no mundo distorcido desses militantes molambo é feito para ofender apenas negros.

Não há nada mais correto, sob qualquer ponto de vista, do que banir palavras e expressões que um tempo e um lugar julgam preconceituosos. “Preto de alma branca”, umas tantas por aí já incomodam mesmo que não se pense detidamente sobre elas, são expressões que a gente percebe imediata e instintivamente serem racistas.

Ruim é quando a imbecilidade acha cabelo em casca de ovo. Quando inventam mentiras bobas como as telhas feitas nas coxas de escravos, ou a aguardente que queimava as costas dos coitados nos engenhos, até mesmo o infeliz do criado-mudo, que mesmo calado está errado. O problema começa quando malucos ignorantes inventam os fatos necessários para justificar suas teorias.

Funciona assim: o mundo usa a expressão “a coisa está preta” desde sempre, porque a falta de luz sempre significou problemas. Aí aparece um pessoal dado a ressignificar palavras, se apropria da expressão e de repente diz que ela se tornou ofensiva e que devo me sentir culpado de usá-la.

Daqui a pouco a expressão “luz no fim do túnel” vai se referir a posteriori (sem e com trocadilho, por favor) a um negão com uma lâmpada enfiada no rabo por maldade do feitor, e eu não vou mais poder utilizá-la.

Durante muito tempo, tive a impressão de que zelotes sionistas tentavam puxar para si a dor do mundo, como se só os judeus tivessem sofrido; era um argumento até convincente porque nunca houve tão tenebroso quanto o Holocausto, a realização  mecânica de um ódio tão absoluto que não precisava sequer de uma motivação econômica. Funcionou enquanto o antissemitismo era o inimigo da vez; por sorte, não está funcionando tão bem enquanto Israel explode crianças em Gaza. Mas as coisas mudaram, o racismo contra os povos africanos ganhou — justamente, me apresso a acrescentar antes que encontrem mais bases do que já têm para me chamar de racista — a primazia nestes tempos inglórios, e agora é estranho que haja uma franja no movimento identitário que parece um masoquista vernacular, ao ficar procurando ou inventando palavras que possam lhe humilhar um pouco mais. É uma mistura estranha e retorcida de oportunismo e ignorância, típico da origem desse movimento: parte de uma elite cultural e acadêmica, profundamente influenciada pela academia americana a ponto de importar seu binarismo racial e as soluções dele derivadas, para a qual a palavra é o que realmente importa, mais que a realidade concreta, e que acreditam que se problematizarem o vernáculo vão mudar completamente o mundo.

É gente que acredita que homofóbicos matam travecões, mas não transgêneros.

E isso me deixa triste porque eu realmente gostaria que eles tivessem razão. Não têm. Mas talvez isso seja algo bom, e as coisas sejam assim para impedir que 0a loucura fizesse de mim um molambo qualquer.

Then and Now

Temporariamente aleijado, e sem poder escrever direito, a avaliação que posso fazer de Now and Then é de que continua sendo uma canção ruim de John Lennon superproduzida sem brilho por Paul McCartney — inclusive soando como sua produção mais recente. Chega a ser vergonhosa. E pior: não é uma canção dos Beatles, como Free as a Bird era. É McCartney sacaneando Lennon. Mas serve para deixar clara a dinâmica entre os Beatles: aqui George Harrison, que só aparece com uma guitarra contrabandeada de algum lugar, faz muita falta.

Now and Then

Já definiram: Now and Then, a última música de Lennon trabalhada por McCartney, Harrison e Starr, vai ser lançada dia 23. A canção é velha conhecida, embora o autor, sabiamente, não o tenha incluído no Double Fantasy. É uma balada chatinha, embora típica de Lennon, razoavelmente datada em alguns trechos. A capa do compacto é de uma mediocridade impressionante. Seria melhor usar as capas clássicas dos compactos ingleses nos anos 60, apenas um papel preto com um buraco no meio.

Now and Then acompanha o relançamento das duas grandes coletâneas da banda, conhecidas desde 1973 por Álbuns Vermelho e Azul, agora inflacionadas em 50% e e transformadas em álbuns triplos.

Em seu tempo, foram coletâneas importantes, porque ofereciam um resumo razoável da música da banda. Como efeito colateral  cristalizou no imaginário do público a divisão da carreira da banda em duas fases distintas, o que não corresponde exatamente à realidade nem, certamente, era sua intenção original. Hoje, sua única utilidade é garantir mais uns tostões para a gravadora e para a banda. Mas sejamos benevolentes:  são o acompanhamento adequado a uma canção pela qual McCartney briga há quase 30 anos. Eu achava que o Get Back fecharia para eles a porta das lembranças, e com chave de ouro, mas os danados sempre acham um alçapão.

Por coincidência, dia desses entrei num grupo de Facebook dedicado a bootlegs dos Beatles. É impressionante o número de pessoas que ainda colecionam e vendem e trocam discos piratas, mesmo em um tempo de assombros e maravilhas em que grande parte das gravações estão disponíveis gratuitamente e com melhor qualidade de som na internet, ou mesmo em lançamentos oficiais como os Live at the BBC.

Não recrimino ninguém por isso. Um dos primeiros discos dos Bealtes que comprei foi um pirata, o Decca Tapes. Durante anos, busquei sofregamente por qualquer versão alternativa ou inédita em que pudesse pôr as mãos. Até me imaginei um colecionador e um completista por vocação, sem saber que estava muitos, muitos níveis abaixo sequer do aceitável. Eu não tinha muito, mas queria ter, e isso me fazia achar que estava nesse barco.

Mas a chegada da internet e do compartilhamento fácil de arquivos me ajudou a ter uma perspectiva mais estoica diante desse comportamento. Me fez lembrar, em última análise, que o importante é, sempre, a música.

Não eram os discos em si que eu queria. Era a música que eles continham. Todo o resto — capas, encartes, badulaques — era dispensável. Diziam respeito à indústria musical. Libertar a música dos suportes físicos foi revolucionário.

Tudo o que eventualmente é realmente interessante nesse material está disponível na internet há muito tempo; para mim, por exemplo, é o bastante. Mas cada um faz o que quer, ninguém tem nada com isso.

Confesso apenas que costumo rir de colecionadores de vinil que ficam horas discutindo a superioridade do vinil sobre o CD, e isso e aquilo. Primeiro porque essa tara rediviva pelo vinil não passa muito de uma maneira de se diferenciar da choldra que ouve CDs ou mp3 bovinamente. Segundo porque quando a música fez diferença, quando ajudou a tocar o mundo para a frente, ela era ouvida mesmo era em rádios AM.

É mais ou menos como baixistas que juntam em fóruns da internet para discutir qual encordoamento é melhor, a vantagens mínimas de um baixo de 5000 dólares sobre outro de 5,500: nessas horas sempre lembro de Paul McCartney, o homem que revolucionou o papel do baixista. Quando perguntado sobre quais cordas usava, respondeu: “umas compridas e brilhantes”.

A Apple tem feito um dinheiro bom com esse pessoal. Pelas minhas contas, só nos últimos 40 anos esse grupo, que espero ser muito restrito, comprou os mesmos discos pelo menos nove vezes — a remasterização de 1988, os CDs mono, as remasterizações mono e estéreo, de 2009, os CDs mono e estéreo dessas remasterizações, os CDs americanos da Capitol, e agora es caixas de aniversário. Comprar uma coleção remasterizada de uma coletânea, no entanto, quando qualquer um pode montar a sua num pen drive ou no Spotify, me soa excessivo até para esses padrões e para estes tempos tão loucos. Não é a toa que Now and Then será lançada também em fita cassete — a prova derradeira de que essa necrofilia musical passou absolutamente dos limites.

Mas estou curioso. E não apenas para saber qual vai ser o lado B. Nas mãos de McCartney, Now and Then tem potencial para se elevar acima de si mesma. Mas posso esperar para que ela vaze nas redes.

A África não tem culpa de nada

A geração que hoje tem por volta de seu meio século de tribulações cresceu sob uma narrativa bem clara sobre a Guerra do Paraguai, ao menos do ponto de vista da esquerda: a de que o conflito foi causado pelas maquinações de uma grande potência imperialista, a danada da Inglaterra, em pânico diante de um modelo de desenvolvimento autônomo protagonizado pelo Paraguai progressista de Solano López. A velha Albion então fez com que suas duas marionetes sul-americanas, o Brasil e a Argentina, atacassem e destroçassem aquele pobre país.

Pelo menos era essa a tese que “Genocídio Americano”, do Julio Chiavenato, defendia.

A verdade estava muito longe disso, e a historiografia brasileira já tornou essa versão apenas uma curiosidade histórica. Para começar, na época o Brasil vivia graves problemas com a Inglaterra, chegando a romper relações diplomáticas. A Guerra do Paraguai foi causada pelos interesses políticos e comerciais do Brasil na região platina, pela necessidade de unificação e consolidação nacional da Argentina e pela estupidez de Solano López, ditador latino típico de filme americano que não soube avaliar o mundo a sua volta e começou uma guerra desnecessária que não poderia jamais vencer. Tudo isso tendo como fundo o destino do Uruguai, uma pequena Tróia com papel decisivo no controle da navegação no rio do Prata.

Mas aquela narrativa vitimista é típica de uma certa visão de mundo e de nação, encampada por grande parte da esquerda brasileira, que perdura ainda hoje. Para ela, os vilões dos países em desenvolvimento são sempre os outros. Países subdesenvolvidos são invariavelmente vítimas impotentes das grandes potências setentrionais.

Parecem não perceber que essa constante ênfase na atribuição de responsabilidades a um agente externo nega a esses países até mesmo a condição de sujeitos e protagonistas de sua própria história. Mas não é por acaso. Essa concepção nos desculpa, sempre: nós não temos culpa de nada. E ao eleger um inimigo externo, nos livra de olhar para dentro e fazer as mudanças necessárias.

Por isso me incomodei ao ver o título dessa matéria publicada esta semana no UOL: “Como este povo africano conseguiu fugir dos portugueses durante a escravidão”.

Não é apenas a inverdade histórica. O título incomoda principalmente por tudo o que estabelece como pressuposto para o debate político. Porque não era dos portugueses que esse povo fugia. Era de reinos como Axante, Daomé ou Oyó, de qualquer povo mais forte que tivesse condições de subjugá-los e vendê-los em portos com o de Ajudá, a quem desse melhor preço, mais rifles, mais fumo de rolo, mais cachaça, mais seda.

(A matéria é muito melhor que o título, dando a César o que é de César. Só erra ao colocar o Brasil como mero comprador, quando na verdade tomamos conta do tráfico no século XIX.)

Não se trata de eximir portugueses, brasileiros ou britânicos da imensa responsabilidade e culpa pelo tráfico de escravos. Quando Lula pediu desculpas à África, em seu primeiro mandato, não fazia mais que sua obrigação, a de reconhecer o papel do Brasil no tráfico transatlântico e de entender que a demanda gigantesca e inédita por mão de obra escrava ajudou a condicionar a transformação da economia africana. Sem compradores, os escravizadores africanos não teriam motivo para destroçar a estrutura social de tantos povos. Somos culpados como o diabo.

Mas os europeus “apenas” compravam escravos, em um mercado que já era forte muito antes da descoberta das Américas. Até bem adiantado o século XIX, nunca tinham feito uma incursão de captura.

Alguém capturava tribos inteiras antes disso, faziam-nos andar agrilhoados em libambos por centenas de quilômetros até enterrá-los em porões de navios negreiros, onde 10% deles, na melhor das hipóteses, iriam morrer. E não eram os europeus.

Pensei nisso também quando vi as primeiras notícias sobre o golpe de Estado no Níger, e depois no Gabão. Vi, novamente resgatado do repertório permanente de análises pseudo-dialéticas, um velho conhecido na imprensa progressista: a renovação das esperanças no discurso decolonialista dos golpistas.

Não vou me estender sobre as perspectivas do golpes porque, mesmo sem conhecer suficientemente sua história, posso apostar que vão terminar como todos os outros na África: mais uma troca de guarda de parte da elite nacional por outra que vai descambar nos mesmos autoritarismo e corrupção, ancorados na eterna concepção do Estado como algo a ser apropriado pelos indivíduos e famílias de um grupo específico, até que essa casta seja destronada por outro golpe, repetindo o mesmo ciclo ad infinitum que representa a grande tragédia da África e, em menor medida, da América Latina. Sempre foi assim, e nada indica que este vai ser diferente. No caso do Gabão, ao ver os generais responsáveis pelo golpe imaginei ver também legendas com o nome de cada um. O da esquerda poderia se chamar Videla; o do centro, Médici; e aquele da direita se chama Stroessner.

As diferenças entre a ocupação europeia do Novo Mundo e da África saltam à vista. Se a escravidão no Novo Mundo foi uma tragédia humana e genocida que nos legou estruturas sociais doentes que não conseguimos superar e nos condena ainda hoje, ainda assim não se compara ao nível hediondo de violência e racismo perpetrados pelos europeus na África. O que os portugueses perpetraram em Angola e Moçambique, o que holandeses e ingleses fizeram na África do Sul não deixa absolutamente nada a dever aos campos de extermínio nazistas ou à ocupação israelense da Faixa de Gaza.

Nada disso pode ser esquecido, sequer relevado. Mas tampouco deveria servir como bode expiatório para todas as mazelas africanas.

Concorrendo com o legado colonial, a África de hoje é resultado também das estruturas políticas, relações sociais e de classe anteriores e sobreviventes a essa dominação e exploração. Falta entender isso, colocar essa percepção como elemento principal do debate. Mas parece ser mais fácil partir do princípio de que ela não tem culpa por ter criado e consolidado o mercado de tráfico humano que possibilitou a compra de milhões de africanos por Portugal, Brasil, Inglaterra, Espanha, França. Se é um continente atrasado, é unicamente por ter sido espoliada décadas atrás pelas potências europeias. Da mesma forma é que dos países ocidentais a culpa única pela escravidão, pelo arrasamento da estrutura social africana, no Níger é da França a única culpa pelo subdesenvolvimento atávico, pela entrega dos recursos nacionais, mesmo tendo sido colônia por menos de 60 anos.

Mas não foram os europeus que levaram para lá crenças como a de que um portador de HIV será curado se fizer sexo com uma menina virgem. Nem criaram a perseguição a albinos, ou a mutilação do clítoris das africanas, ou ideia de que se você oferecer farofa, pipoca, galinha e cachaça a um ser inexistente ele vai trazer a pessoa amada em três dias. Acima de tudo, não foram os europeus que ensinaram a África a ganhar dinheiro escravizando outros seres humanos.

A tragédia da África é a manutenção de estruturas sociais ruins e frágeis. Mudá-las é tarefa que cabe, única e exclusivamente, aos africanos. Mas jamais será possível com essa percepção de que a culpa é sempre do outro. No máximo, leva a cartazes como o que um nigerino segurava numa das manifestações de apoio ao golpe: “A bas la France, vive Poutine”. Sem entender seu próprio papel, parecem condenados a só mudar de senhor.

Nós, brasileiros, temos ao menos a sorte de conhecer nossos algozes: uma elite canalha, rentista e entreguista, imersa em uma corrupção atávica e estrutural que não dá mostras de que vá ser superada em futuro recente — e, para ser honesto, também um povo que só difere da atitude da elite pela falta de dinheiro e de poder. A gente sabe que a culpa é nossa, e esse diagnóstico é, talvez, a única coisa a nos dar esperança em um futuro melhor.

Hackney Diamonds

Como era de se esperar, estou ouvindo o último disco dos Stones sem parar. Já vinha fazendo isso com as primeiras faixas liberadas semanas atrás, Angry e Sweet Sounds of Heaven, mas agora vem o pacote completo, a medida que velhos da era do LP usam para medir o mundo, mesmo os metidos a moderninhos de MP3 como eu.

Se tivesse escrito este texto mais cedo, eu diria que esse é o melhor álbum do ano. Agora que as fichas das canções começam a cair, e uma ou outra me soam um mais fracas — Dreamy Skies parece refugo do Some Girls, Whole Wide World é um pop dos anos 80 de mediocridade espantosa —, me sinto mais modesto: é o melhor álbum dos Stones em pelo menos 40 anos, descontando o Blue & Lonesome de 2016 e no mesmo nível do Voodoo Lounge, de 94.

Mas mesmo isso tem que levar o tempo em consideração.

Porque se você não for um fã dos Stones, se você conseguiu superá-los e seguir adiante, se não considera que a música pop está atolada numa lagoa escura e turva há muito tempo, você vai ter razão ao dizer que o disco traz mais do mesmo, o mesmo velho som, a mesma estrutura, e Sweet Sounds of Heaven — que conta com uma participação brilhante de Lady Gaga nos vocais — tem algo de Salt of the Earth, é a mesma tradição da baladona grandiloquente com que Jagger gosta de fechar seus discos, e por aí vai. Aos primeiros acordes, a gente já sabe que é um disco dos Stones.

Mas também levando o tempo em consideração, é espantosa a energia e a força da maior parte deste disco. E não importa a artrite do velho e bom Keith, não importa se o velho e bom Jagger corre o risco de precisar de uma prótese de quadril depois de uma rebolada mais forte daquela bunda seca: o que você tem aqui é a alegria e a vitalidade do velho e bom rock and roll, e a banda soa fresca como soava 50 anos atrás. E justamente por causa destes tempos sombrios, essa música familiar e bem-feita soa mais fresca que virtualmente tudo o que possa ser lançado este ano, porque esta é uma grande banda de rock, uma das maiores da história, e nunca mais vai haver alguma que alcance o seu tamanho.

Há mudanças sutis, mas perceptíveis, no som dos Stones. A bateria de Steve Jordan é mais seca e mais pesada que a do velho e bom e finado Charlie Watts, recorre menos aos hi-hats, e isso acaba dando à banda uma força e uma atualidade que não se via, por exemplo, em pastiches vergonhosos como A Bigger Bang, seu último álbum de inéditas lançado 18 anos atrás.

É fácil esquecer que a cozinha dos Stones foi totalmente renovada nos últimos anos: Darryl Jones no baixo, e agora Jordan, deram mais swing e mais sustentação às guitarras de Richards e Wood (compare as outras gravações com Live by the Sword, a única e última faixa gravada pela formação clássica da banda, com Wyman e Watts). Os Stones de Hackney Diamonds não soam simplesmente como os Stones: soam como os Stones deveriam soar em 2023.

E, quase numa nota de rodapé, é uma delícia ouvir o baixo com fuzz de McCartney em Bite My Head Off: um lembrete, mais um, de que o velho e bom Macca é um excelente baixista de rock, sabendo sempre o que tocar para enriquecer uma música. Se você não sabe que é ele tocando, pode visualizar facilmente um menino de uma banda punk em sua primeira turnê. Ou pensar que ele tocou desde sempre com os Stones.

Quer saber? É mais do mesmo, é verdade. Ainda bem que é mais do mesmo.

Números

Um.

Dois.

Três.

Quatro.

Cinco.

Seis.

Sete.

Oito.

Nove.

Dez.

Dezum.

Dezedois.

Dezetrês.

Dezequatro.

Dezecinco.

Dezesseis.

Dezessete.

Dezoito.

Dezenove.

Vinte.

Fucking foda

Chega de ser velho, decidi me atualizar.

Talvez comece comprando um iPhone. Não vai dar para pagar de uma vez, essas desgraças não cabem no meu orçamento e talvez seja por isso nunca me senti tão idiota a ponto de dar 5 ou 10 mil num celular, mas eles parcelam, boto aí em dez vezes, assim dá. Talvez não dê para comprar um novo, mas iPhone usado também impressiona, ainda mais quando aparece displicente no bolso traseiro das caixas de supermercado que devem ter empenhado o salário de três meses ali. Bem, talvez dê para parcelar um novo em 24 meses — mas aí vou pedir garantia estendida e botar no seguro, porque vai ser triste voltar para casa no ônibus das 22:30 e um mala qualquer me roubar o desgraçado, pelo menos antes de terminar de pagar.

Ao menos vou ter o gosto de dizer: “poxa, roubaram o meu iPhone”. Vai ser assunto para três meses.

Se bem que atualização de verdade, para mim, é atualizar o linguajar.

Eu falo como velho da boca suja, é porra e merda e caralho e puta para tudo quanto é lado, em tudo quanto é tempo, e nem sempre eles querem dizer o seu significado exato. Mas agora quero falar como jovem, man, viciado nas redes e nos streamings da vida, seguindo as trends mais cool que aparecerem por aí — logo eu que não usei jeans verdes nem gel no cabelo nem camisas verde-limão nos anos 80. Ao menos tenho a desculpa da senilidade cada dia mais próxima, tudo me será perdoado.

Tenho 10k razões para não fazer isso (ou são 10k de razões? Me perco nessa mudança de estrutura da língua, como o filho do português que emigrou para a gringolândia, não conseguiu aprender inglês e começou a esquecer o português), e todas elas eu poderia resumir num “foda-se”, o “foda-se” tão meu amigo de tanto tempo. Mas desconfio que isso não seja atitude up to date que se respeite num mundo globalizado e conectado e tão róseo como o que me vendem todo dia. Estou ficando velho e isso é ruim, preciso renovar meu approach, continuar relevante em alguma coisa, não sei para quem. Tenho que fazer isso asap. Acho que vou precisar dar um retrofit nos meus skills.

Também vou estar atualizando o tempo dos verbos, eu que nunca soube bem como conjugá-los. Vou estar me rendendo ao gerúndio totalitário e onipresente, mesmo sem nunca ter entendido como é que alguém se vê tão baixo na escala social que acha bonito estar falando como operador de telemarketing.

Vou também estar cedendo a essa expansão das expressões evangélicas, que repetem a metástase social que o seu pensamento está exercendo na sociedade brasileira. Ô glória. As igrejas evangélicas são o pior câncer que poderia afetar o Brasil, mas e daí, tá amarrado.

Se eu estiver atualizando o linguajar vou estar performando melhor em alguma coisa, é no que quero acreditar. Não sei em quê, mas vou. Vou estar aumentando o meu brand equity, acho, e talvez assim eu jobe melhor. Mas para isso preciso, antes, estar mudando o meu mindset, preciso entrar nessa fria de acreditar e justificar essa exploração canalha do trabalho mal pago e precário. É o preço que vou precisar estar pagando para estar sendo moderno.

Mais tarde estarei dando um follow up a quem leu isso aqui, FYI. Mas já posso estar adiantando que o grande momento vai ser quando eu sacar meu iPhone, fingir uma cara feia diante de uma insignificância qualquer na tela e lascar com o peito estufado: “É fucking foda, viu?”

Keeping Walt in Disney

Fui parar num canal do YouTube que traz um bocado dos filmes que “Disneylândia” — o programa de TV, não o parque — apresentou ao longo desses quase 70 anos.

O Keeping Walt in Disney, já a partir do título, mostra o apego à importância emocional que esses filmes tiveram nas vidas de milhares de crianças, entre as quais nunca tive vergonha de me incluir com saudosismo besta.

Não tem alguns que procuro há tempos, como The Boy Who Talked to Badgers ou A Country Coyote Goes to Hollywood. Mas tem Kit Carson and the Mountain Men; Barry of the Great St. Bernard, Fire on Kelly Mountain; Run, Cougar, Run; tem até filmes dos quais eu só tinha lembranças muito vagas, como Wild Burro of the West. Certamente há outros a que assisti mas do qual não lembro espontaneamente, e filmes dos quais não lembrarei nunca mais.

Ver esses filmes me lembra que houve um tempo em que eu torcia para que “Disneylândia”, em vez de filmes que à medida que eu crescia iam perdendo aos poucos seu interesse, exibisse os desenhos de que eu ouvia falar. As musas ouviram minhas preces e no início dos anos 80 os filmes deram lugar às centenas de desenhos em curta metragem que a Disney fez ao longo de quase 100 anos. Nunca me arrependi tanto de um desejo.

Sempre tive a impressão de que “Disneylândia” fez mais pelo ambientalismo do que esses militantes chatos que vivem dizendo que nós estamos invadindo a casa dos bichos. Vendo a lista de filmes disponíveis, a maior parte deles lidando com crianças e animais, essa impressão aumenta. Mas agora também penso que eles contribuíram muito para a formação de uma geração de pais e mães de pets, de pessoas que pensam que seus bichos são gente, mas que não pegam o cocô de seus cachorros na rua.

Passei os olhos sobre alguns dos títulos disponíveis. Ainda não tive coragem de assistir a nenhum. Procurando a data de estreia do programa, descobri que ele ainda existe e é apresentado pelo Disney+; mas para mim é outro bicho, não pode ser a mesma coisa. Ha um tempo para cada coisa, diz o Eclesiastes; “Disneylândia”, como o “Clube do Mickey”, é o tipo de programa que só se pode ver uma vez, quando se é criança e tudo é novidade e possível.

Mas às vezes é possível entrever esse outro tempo, e quase sempre vale a pena.