Rio-Niterói I

Na estação das barcas, a porteira se abre para que o rebanho entre no catamarã, em filas desorganizadas. Mugidos imaginários se sucedem enquanto a turba pacífica e submissa segue lentamente as ordens ditas por ninguém. Dissimuladamente alguns olham para a fila ao lado, vendo a multidão ainda maior entrar nas barcas, pouco mais baratas e muito mais lentas, e por algum motivo misterioso se acham mais afortunados. Marujos cansados fazem as vezes de vaqueiros, gritando “olha o degrau!” em vez de “Estrela! Mimosa! Eia!” As vozes com sotaque da zona norte são o berrante dos cowboys do mar.

Como converter um comunista

Setembro de 1993, e eu na passarela sobre a avenida Chile, que liga as sedes da Petrobras e do BNDES, apenas olhando as notícias nas bancas de jornal.

E então, de repente, assim como Saulo de Tarso na estrada de Damasco, eu vi.

O sujeito passou rapidamente, de um prédio a outro. Vestia um terno impecavelmente cortado, e falava apressado ao celular, numa época em que celulares ainda eram artigos de alto luxo. Sua atitude era a de alguém que sabe que está ganhando muito dinheiro, e não pode perder um minuto para ganhar ainda mais.

Naquele momento, o mundo perdia um comunista. Eu vi o que o capitalismo podia me oferecer. E gostei do que vi.

Sai Jabor, entra Mainardi

O GNT anunciou que o Arnaldo Jabor está saindo do “Manhattan Connection”. É uma má notícia. Anunciou também que o Diogo Mainardi será seu substituto. É uma péssima notícia.

O “Manhattan Connection” já foi um dos programas mais inteligentes da TV brasileira; com certeza era o mais cosmopolita. Não que falar da própria aldeia seja ruim: certamente Tolstói não achava isso. Mas uma espiada pelo buraco da fechadura do mundo é sempre interessante.

Até 96 o programa era apresentado por Paulo Francis, Lucas Mendes, Caio Blinder e Nelson Motta. Se não me engano, era uma espécie de evolução de uma coluna que o Mendes mantinha na revista Imprensa. Com a morte de Francis, Arnaldo Jabor o substituiu e Lucia Guimarães passou a freqüentar a bancada.

Mesmo sem o gênio de Francis, ainda havia aspectos interessantes no programa. Blinder, um rapaz que nunca foi capaz de um insight interessante por si só, é mero repetidor das opiniões do mainstream americano; ele parece aquele menino metido a inteligente da sexta série, com aquelas risadinhas irritantes, típicas das horas em que não está apanhando dos meninos maiores. Quanto àquela moça, a Lucia Guimarães, eu só consigo imaginar com deve ser chato levá-la para a cama. Cá para nós, acho que ela é chata até dormindo.

Depois de muito tempo sem assistir ao programa, resolvi ver sua volta no começo deste ano. Eram as vésperas da invasão do Iraque. Tomei um choque. O “Manhattan Connection” nunca tinha sido tão burro, tão incapaz de analisar a realidade a partir do conflito de visões diferentes: com a honrosa exceção de Jabor, se resumia a repetir o que a mídia americana dizia, o que quer dizer que realmente acreditavam que os EUA estavam certos e que o povo do Iraque estava apenas esperando os soldadinhos entrarem para cobrirem-nos de flores. Desisti do programa ali, em respeito à sua qualidade anterior.

Mas agora, com o Diogo Mainardi entrando, uma nova fase se anuncia. É uma fase trash, paródica de si mesma, e curiosa por prometer ser muito, muito ruim. Talvez eu volte a assistir esse programa.

Protesto

Venho por meio desta expressar meu profundo descontentamento com o novo disco dos Beatles, que sairá dia 17 de novembro. Durante meses, especulou-se que seria, finalmente, a versão original do Get Back, que em meio à separação dos Beatles foi re-produzido por Phil Spector, e lançado com o nome de Let it Be em maio de 70, um mês após o fim oficial da banda. Pelo menos era o que McCartney dizia.

A capa original do Get Back era brilhante: uma reprodução, 7 anos depois, da capa de seu primeiro LP, Please Please Me, em que os ídolos barbudos se contrapunham como uma versão envelhecida daqueles garotos ansiosos de 1962. Sua proposta, embora mal sucedida, também: os Beatles de volta ao básico, gravando ao vivo no estúdio, mas carregando nas costas 7 anos de uma vida louca.

O que a Apple vai lançar agora se chama Let it Be Naked, com duas músicas a menos (Dig It e Maggie Mae) e uma a mais (Don’t Let Me Down). Pelo menos são as versões sem os arranjos orquestrais de Spector. Mas isso quer dizer pouca coisa. Porque que realmente importa não é o disco em si (já que a coisa mais fácil do mundo é achar as gravações do Get Back em discos piratas); o que importa, mesmo, é o espírito do projeto, em que os Beatles finalmente completavam o seu próprio ciclo.

Sempre fiz questão de comprar não só os CDs, mas também as versões em LP dos novos discos dos Beatles, como a série Anthology (3 ábuns triplos) e o Live at BBC (um álbum duplo), que só são lançadas na Inglaterra. Mas dessa vez, em protesto, acho que vou me limitar a baixar as músicas no iMesh. Para ver se eles aprendem a respeitar os fãs.

As voltas que o mundo dá

Da newsletter da Wired:

Bye-Bye, Freedom Fries
Good news for House Francophiles: If Texas Rep. Sheila Jackson Lee has her way, lawmakers may soon return to ordering French toast and French fries off House menus. Jackson Lee has circulated a letter urging the House of Representatives to reintroduce the word “French” on House cafeteria and dining hall menus. Jackson Lee argues it is time to put aside differences with France now that Washington is trying to get the country, as well as other United Nations members, to contribute money and troops toward the Iraq effort. “President Bush is now urging that all parties put aside ‘past bickering,'” she said. “A symbolic start to that effort” would be reinstating foods on the House menus “with their traditional ‘American’ names — French toast and French fries.” Bon appétit.

Sheila Lee Jackson é uma mulher pública. Na pior acepção da palavra.

Don Juan de Marco

A grande razão para ver “Don Juan de Marco”, um filme que nunca me interessou, é só uma: uma razão velha, gorda, genial e que se chama Marlon Brando.

Mas ontem, revendo o filme, pela primeira vez percebi que há algo de interessante ali, algo que por momentos transforma o filme de mero passatempo romântico em algo instigante e profundo.

Em uma cena, o personagem de Johnny Depp deixa claro: ele sabe exatamente como é o mundo, sabe que está diante de um psiquiatra chamado John Mickler em um manicômio. Mas prefere ver as coisas como ele gostaria que fossem: e assim ele é um hóspede na villa de Don Octavio de Flores. Para ele, ambos os mundos são loucos, mas o que ele criou para si mesmo é muito mais interessante e criativo que o outro, chamado “o mundo real”.

O que me preocupa é que eu não tenho certeza de que ele está errado. Mas o pior, mesmo, é saber que eu jamais teria a capacidade de imaginar um mundo assim para mim.

Marlon Brando

No Monicômio há (ou haverá) uma sessão/seção chamada “Quando eu crescer quero ser igual a…”.

Pois quando crescer eu quero ser Marlon Brando.

É, o sujeito é o meu ídolo. Não apenas porque é um dos maiores, senão o maior, ator da história de Hollywood; nem porque sempre foi de uma integridade política sólida; nem porque tem uma beleza masculina impressionante; nem porque a essa altura esqueceu boa parte dos nomes de todas as atrizes que comeu; nem porque ficou podre de rico; nem porque é o feliz dono de uma ilha no Taiti.

É por todas essas razões juntas, e pelo fato de ter mandado o mundo tomar conta de suas vidas e se mudado para a sua Teti’aroa.

O Brando que realmente admiro não é o Kowalski de A Streetcar Named Desire. É, sim, o velho gordo cercado por um harém em sua ilha, o velho que cobra fortunas para fazer filmes (3 milhões por dez minutinhos em Superman, em 77), o sujeito que simplesmente está andando para o mundo. Não é um desdém de derrotado, como todos nós somos. É o desdém de quem conseguiu tudo o que quis na vida, de quem genuinamente descobriu o segredo da própria felicidade.

Brando é o máximo.

A mãe de todas as pesquisas de universidades inglesas

E-mail recebido hoje:

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

Saudade não tem idade

Ontem tive a certeza de que estou ficando velho.

Na coluna do Ancelmo Góis, uma nota sobre Cláudia Abreu mostra a idade que ela diz ter: 29 anos.

Tão novinha, ela, e já mentindo a idade descaradamente. Cláudia tem um ano a mais que eu, ou pelo menos a minha idade. Já passou dos 29 há algum tempo.

É mau sinal quando as mulheres, mesmo as lindas como a Abreuzinha, começam a mentir a própria idade. Significa que você está ficando velho, muito velho. E que o tempo não pára de debochar de você.