Cabocla

Ruins são apenas a abertura e a música que a acompanha. A abertura porque aqueles desenhos computadorizados têm pouco a ver com o conteúdo da novela, implicam uma modernidade da qual a novela corre léguas. E a música porque é simplesmente medíocre. Está longe de Nélson Gonçalves e sua pinta de anos 30.

De resto, Cabocla é uma bela novelinha.

Podem falar o que quiserem da teledramaturgia brasileira, e eu provavelmente vou concordar com tudo. A técnica cinematográfica é atrasada, os diálogos são fracos, a maioria esmagadora dos atores é ruim. É, eu também concordo. Concordo também que em raríssimos momentos, levando em conta seu volume de produção, atingiu um nível realmente bom de qualidade artística.

Mas Cabocla tem aquele jeitinho de vida do interior, a água da bacia sendo jogada fora pela janela, o jeito disfarçado de olhar. Tem uma doçura que as novelas brasileiras perderam há muito tempo. Não lembro muita coisa da novela original, da qual via alguns capítulos à força; mas não pode ser melhor que a atual.

É uma bela novelinha porque parece ter tão poucas pretensões — ao contrário das “Celebridades” e “Senhoras do Destino” da vida — que é como uma história contada num boteco de vila do interior. É doce, simples.

Finalmente, tem a Patrícia Pillar. Eu queria saber o que é aquilo: aquela mulher é linda mesmo careca, comprovadamente. E nessa novela ela se deu o direito de exagerar.

Resenha de "A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água"

Aconteceu alguma coisa nas últimas semanas, e a maioria das pessoas que vêm parar aqui através dos mecanismos de busca como o Google estão atrás de resenhas prontas. “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água” é, individualmente, o mais procurado.

Como é preferível receber esses visitantes aos tarados de antigamente, e para evitar que a galera saia de mãos vazias, aqui vai um resumo bem sucinto da novela de Jorge Amado, livro curto mas extremamente profundo.

A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água

É o principal livro da fase espírita de Jorge Amado. Foi escrito pouco depois de o autor se desligar do Partido Comunista, em seguida ao XX Congresso do PCUS, no qual Nikita Kruschev denunciou os crimes de Stálin.

A fase espírita de Amado foi uma espécie de intervalo entre sua fase marxista, exemplificada pela trilogia “Subterrâneos da Liberdade”, e a declaradamente folclórica, inaugurada em “Gabriela, Cravo e Canela”.

Essa fase, no entanto, duraria pouco, e englobaria apenas mais um livro: “Mar Morto”. Logo depois o escritor se converteria definitivamente ao candomblé, com o qual sempre havia flertado, e se tornaria ogã de um dos maiores terreiros da Bahia, o de Mãe Menininha do Gantois.

“A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água” conta a história de Quincas, homem rude da região do cais de Salvador. Trabalhador incansável, militante comunista e, como quase todos os grandes personagens de Jorge Amado, extremamente mulherengo. É apelidado de “Berro D’Água” por ter o costume de, depois de beber um número enorme de copos de cachaça, gritar “Epahei!”, saudação de Iansã.

Quincas morre já no primeiro capítulo, vítima de um tiro desferido por um policial durante uma greve dos estivadores por melhores condições de trabalho, na Praça da Inglaterra.

Ateu como todo bom comunista, Quincas se vê, então, vagando numa espécie de limbo. Não demora muito até que um espírito de luz, Sem-Pernas (personagem de outro grande livro de Jorge Amado, “Terras do Sem Fim”, cuja morte em um bordel, nos braços de Rosa Palmeirão, é um dos momentos mais poéticos da obra amadiana), finalmente esclareça qual a sua missão: acompanhar o policial que o matou e, ao perdoá-lo e guiá-lo, resgatar sua dívida para com Deus e todos aqueles que magoou em vida.

O policial, que se chama Juca Badaró, é um homem longe de Deus que, embora não seja intrinsecamente mau, segue na vida sem valores firmes e sem direção. Caberá a Quincas colocá-lo no caminho certo.

A partir daí, o livro transcorre como uma espécie de romance de formação, em que o espírito de Quincas cria as mais inverídicas situações para fazer com que Juca enxergue o trabalho de Deus em sua existência, alternando momentos hilariantes e profundamente emotivos. Em sua missão, Quincas é ajudado involuntariamente pela mulher por quem Juca se apaixona, a professora Teresa B. Figueiredo. Ela ensina a Juca — e indiretamente a Quincas — o valor do amor. Ao mesmo tempo, através de Juca Quincas consegue reparar muito do que fez de errado enquanto vivo.

Só depois que esses trabalhos forem realizados é que Quincas poderá, finalmente, morrer pela segunda vez, e dessa vez definitivamente.

“A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água” é considerado por críticos literários importantes, como José Ramos Tinhorão e Paulo Emílio Salles Gomes, um romance atípico de Jorge Amado, longe de sua temática eminentemente baiana e/ou política. O livro é solidamente baseado no “Evangelho Segundo o Espiritismo” de Allan Kardec, e justamente por essa razão foi mais tarde desprezado por seu autor, que via nele o registro de uma fase de sua vida que preferia esquecer.

Outros elementos a serem notados no livro são as referências óbvias a um dos maiores clássicos da literatura brasileira, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e a extrema semelhança estrutural com “A Comédia Humana” de Balzac.

Com “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”, Jorge Amado faz uma profissão de fé espírita, ao mesmo tempo em que lança profundas indagações sobre o sentido da vida. A dupla de críticos ingleses Terry Gillian e Michael Palin, autores de “O Cânon Ocidental”, considera este romance uma verdadeira aula de metafísica, embora aponte algumas falhas estruturais e de linguagem que o prejudicam um pouco.

O livro é pontuado por participações de outros grandes personagens de Jorge Amado, como Vadinho (protagonista de “Seara Vermelha”) e Antônio Balduíno, que fez sua primeira aparição como um dos “Capitães de Areia” e teria papel importante na obra-prima da maturidade de Amado, o livro que inaugura sua fase folclórica: “O País do Carnaval”.

Felicidade por decreto

Uma cidade do Rio Grande do Sul se chama Feliz.

Quem nasce ali é felizense.

Eu nunca consegui entender por que razão, com tantos vereadores aprovando leis idiotas toda semana em todas as câmaras municipais do país, não aparece alguém para propor uma lei que torne os naturais de Feliz simplesmente felizes. Que se danem as regras da última flor do Lácio, que de inculta virou pernóstica. A gramática não deve subjugar, nunca, a poesia. Porque gramática sem poesia vira aritmética.

— Eu sou capixaba, e você?

— Eu sou feliz.

Os outros, coitados, teríamos que nos contentar em ser cariocas, recifenses, soteropolitanos. Pobres cidadãos sem nenhum lirismo.

Gente ocupada

Eu não confio em gente ocupada.

Isso começou há alguns anos. Fui visitar um cliente que me deu um chá de cadeira e se desculpou dizendo que era um homem muito ocupado.

Achei engraçado e como cliente sempre tem razão preferi calar minha boca.

Mas ele chegava às 9, saía para almoçar ao meio dia, voltava à 3 e meia e ia para casa às 6. Ele era ocupado. Eu vivia saindo da agência às duas da manhã, nunca saía antes das 10, mas não me achava ocupado.

Porque tempo é uma coisa engraçada, e depende de como você o vê. Eu sabia que sempre tinha tempo para fazer o que queria; e aprendi que os outros também.

O que eu demorei para aprender foi que as pessoas costumam valorizar demais o próprio tempo. Porque sabem que os outros têm a mania esquisita de dar mais credibilidade a quem diz nunca ter tempo para nada.

O mundo é composto de fugitivos de manicômios, eu sei.

A Filha do Capitão

Aproveitei minhas primeiras semanas em Aracaju para dar uma passada de olhos em alguns dos livros que definiram o meu gosto literário, aqueles da coleção Clássicos da Literatura Juvenil de que falei uns meses atrás.

Reli a “A Filha do Capitão”, de Púchkin. Foi o último livro que li da coleção.

Tentando me imaginar novamente como um menino de 8 ou 9 anos, acho que evitei aquele livro durante anos por uma só razão: o título. Não me interessavam histórias sobre filhas de quem quer que seja; quando criança você quer modelos de comportamento, e seus ídolos são sempre do sexo masculino. Eu queria ser John Wayne (mas Jerry Lewis, por algum motivo torto, era um modelo aceitável). Só fui ler o livro bem mais tarde, quando as filhas dos outros passaram a me interessar cada vez mais, e então pude ver o tempo que perdi.

Reli o livro agora, porque tinha esquecido quase tudo. Lembrava vagamente do final, mas de nada que tivesse conduzido a trama a ele.

Se o que li no início da adolescência era basicamente a aventura de um rapaz em defesa da mulher que amava, hoje é para mim principalmente um grande painel da Rússia do final do século XVIII. Dá para compreender plenamente o ambiente que gerou a Revolução de 1917, a violência que parece típica da sociedade feudal russa.

Reli também “O Conde de Monte Cristo”. Esse sempre foi um favorito, relido várias e várias vezes. Se na infância a trajetória da vingança de Dantès era o principal atrativo, hoje me impressiona muito mais a crônica de alpinismo social que Dumas expõe cinicamente. É um livro mais adulto que “Os Três Mosqueteiros”, por exemplo. Outra coisa: quando criança pensava que a filha de Danglars queria simplesmente a liberdade de não casar; e no entanto seu homossexualismo era descrito claramente.

É engraçado que mesmo um livro reescrito para crianças possa oferecer tantos níveis de leitura. Talvez seja característica de uma grande obra — pode-se reescrever Shakespeare em prosa e com um vocabulário reduzido, que mesmo assim ele vai continuar oferecendo um compêndio da natureza humana que 98% dos escritores não conseguem oferecer.

Um dia eu descubro exatamente o quanto devo a esses livros.

Tortura 24 Horas

Já falei sobre o seriado há quase um ano, mas vendo uns pedaços dia desses voltei a me espantar.

“24 Horas”, estrelado por Kiefer Sutherland, tem uma estrutura genial: 24 episódios por temporada, cada um com 1 hora, transcorrendo em tempo real. É brilhante, um dos poucos seriados realmente inovadores dos últimos tempos.

Isso não impede, no entanto, que seja absolutamente canalha. Claro, seria injusto esperar outra coisa de o seriado da Fox, rede de TV mais direitista que a “Semana do Presidente” levada ao ar por Sílvio Santos durante a ditadura.

Acontece que “24 Horas” defende, cada vez mais escancaradamente, a tortura como método de combate ao terrorismo.

A impressão que se tem vendo o seriado é que os Estados Unidos são, hoje, um país cujo governo trabalha duro para destruir algumas das mais notáveis conquistas históricas da humanidade. É como se todo aquele papo de liberdade individual fosse válido apenas quando o pau quebrava no quintal dos outros.

Sob esse aspecto, “24 Horas” não é mais que a versão moderna e soturna de Why We Fight.

“24 Horas” é a transcrição de uma visão de mundo minoritária, que assume seu imperialismo abrutalhado sem nenhum pejo. Já não se trata de disfarçar a política intervencionista sob a justificativa de que se há de levar a democracia para os povos do mundo: desceu-se ao nível mais básico, o de aceitação plena de uma situação que julgam consolidada — a dos EUA como suseranos do mundo –, e agora se trata de utilizar quaisquer meios necessários para garantir sua permanência.

Até há alguns anos, a hipocrisia de Estado americana fazia com que, enquanto técnicos da CIA vinham ao Brasil ensinar métodos de tortura mais eficientes à linha dura do regime militar, o discurso oficial fosse sempre o das liberdades democráticas. E pelo menos dentro do seu país (frase de um ex-presidente chileno: a razão pela qual não há golpes de Estado nos EUA é que lá não há embaixada americana) esse discurso valia — se deixarmos de lado, claro, a segregação racial como política de Estado.

O descarte desse discurso, apesar do que dizem os esquerdistas ferrenhos de plantão, é ainda mais nocivo ao mundo do que a velha hipocrisia americana. Porque antes havia ao menos um ideal a ser almejado. Agora, parece não haver mais nada.

Rafael, o conspiracionista

Acabo de me juntar às hordas de conspiracionistas paranóicos e alucinados espalhados pelo mundo.

Motivo: esta entrevista do sujeito que escreveu “How Soccer Explains the World”.

Franklin Foer consegue dar uma entrevista sobre futebol e só falar rapidamente de Pelé, de maneira depreciativa. E mesmo assim para fazer um elogio enviesado a Maradona, que sequer é citado no livro.

Nenhuma palavra diretamente sobre o Brasil. A única coisa em que o país é indiscutivelmente o melhor, e nada. Como alguém pode escrever um livro com a sublime pretensão de explicar o mundo — que para o sujeito, ao que a entrevista indica, consiste basicamente nos Estados Unidos — e não falar das tantas e tantas seleções brasileiras que redefiniram o esporte só pode ser explicada como uma torpe conspiração encabeçada pelo Larry Rohter.

A partir de agora vejo teorias da conspiração em tudo. Acredito até em disco voador.

Se Anália não quiser ir eu vou só

Foi uma amiga que me falou, num boteco perto da UniNove, em São Paulo: “Todo baiano é estrela”.

Discordei. Nem todo baiano é assim. Como nem todo baiano é espaçoso e pouco confiável. Mas de uns tempos para cá tenho pensado a respeito. Talvez ela tenha razão.

Porque Caymmi, pelo menos, é. Logo que chegou no Rio para gravar, chamaram-no para alguns ensaios.

— Precisa não… Eu já vim da Bahia ensaiado…

E veio mesmo. Porque se fosse para escolher os 3 músicos mais importantes e mais influentes da história da música brasileira, Caymmi certamente estaria entre eles. Por vários motivos, mas para mim principalmente pela maneira como cantou a glória e a tragédia da Bahia com uma simplicidade que apenas parece simplória.

Os versos de “O Mar”:

O mar quando quebra na praia é bonito… É bonito…
Pedro vivia da pesca, saía no barco seis horas da tarde
E só vinha na hora do sol raiar
Todos gostavam de Pedro e mais de que todos Rosinha de Chica
A mais bonitinha e mais bem feitinha de todas mocinha lá do arraiá
Pedro saiu no seu barco seis horas da tarde
Passou toda a noite, não veio na hora do sol raiar
Deram com o corpo de Pedro jogado na praia, roído de peixe
Sem barco, sem nada, num canto bem longe lá do arraiá
Pobre Rosinha de Chica, que era bonita, agora parece que endoideceu
Vive na beira da praia, olhando pras ondas, andando, rondando,
Dizendo baixinho “Morreu… Morreu…”
O mar quando quebra na praia é bonito… É bonito…

O primeiro verso, de um lirismo simples e óbvio, não parece anunciar a tragédia que vai contar; e no final, a volta do mesmo verso mostra que a consciência da tragédia não retira, diante dos olhos do povo, a beleza do mar. Se é que aquelas definições de amor e paixão são adequadas, esse é o amor mais verdadeiro que há: o que reconhece mas não se importa com os defeitos do ser amado.

Esse reconhecimento da personalidade do mar, janaína bela e assassina, esse retrato simples do fatalismo indiferente dos pescadores tornam essa canção uma das mais belas da música popular brasileira.

Que diferença dos versos empolados dos “reis da voz”; mais reais, até, que os belos versos das músicas de Noel Rosa, pelo menos no sentido de que são mais fiéis à realidade popular. Alguns críticos diriam que é por isso que Caymmi tem essa importância fundamental na música brasileira: seus versos enganadoramente simples em contraste com seu violão sofisticado praticamente recriaram a música popular brasileira.

Parece que ultimamente Caymmi vem saindo de moda. Que seja. E ainda que ninguém mais goste do velho contador de histórias, do homem que disse que, se fosse mulher, seria “dadeira”, eu vou continuar gostando do seu violão, de suas marchinhas, de sua voz. Ainda que só.

O urso cresce

Dando uma olhada nas minhas estatísticas das últimas semanas, notei um crescimento significativo do número de usuários do Firefox, que quase triplicaram, e o aparecimento de usuários do Opera.

Parece que as últimas notícias sobre a fragilidade do Explorer — ainda mais assustadoras quando são endossadas por um órgão do governo americano, que normalmente não se pronuncia sobre esses assuntos — finalmente conscientizaram as pessoas de que estavam usando um produto perigoso para sua própria segurança. É um bom sinal.

Acho improvável que alguém que tenha experimentado esses browsers consiga voltar para o IE. A diferença é gritante, ainda mais quando ela descobre que pode instalar um sem-número de extensões. Mas a maioria das pessoas, no entanto, continua usando o Explorer.

Para esses perseverantes, há uma boa e uma má notícia.

A boa é que é só uma questão de tempo até a Microsoft tornar o seu browser, se não mais seguro, pelo menos mais agradável ao uso. A próxima atualização, que vem no Service Pack 2 do Windows XP, já virá com um bloqueador de pop ups. Por dentro continua o mesmo pão bolorento, suscetível a tudo quanto é tipo de código malicioso, mas as pessoas usam o que quiserem. Detalhe: a não ser que mudem de idéia em cima da hora, pela primeira vez a Microsoft não vai permitir que usuários de cópias piratas atualizem seus sistemas operacionais. Se você não comprou o seu Windows, ao que tudo indica vai ter que continuar com o mesmo velho Explorer ao qual já está acostumado.

Agora vem a má notícia. Infelizmente, as outras benfeitorias necessárias nessa casa velha — como o tabbed browsing, fundamental — até agora não são sequer um projeto da Microsoft. Se algum dia saírem será na próxima versão do Windows — em 2006 ou, mais provavelmente, em 2007.

Quem não quiser esperar pode baixar o Firefox aqui, e o Opera aqui.

(Uma explicação sobre o título do post: apesar do que o nome indica, um firefox não é uma raposa. É um ursinho da família dos pandas.)