50 anos depois

Essa é a capa da edição especial da revista Manchete publicada em abril de 1964, comemorativa ao golpe militar.

A capa serve para lembrar qual era, exatamente, o pensamento da elite brasileira em 1964, as razões pelas quais apoiou o golpe, as esperanças que tinha na obediência da caserna.

Ela embarcou alegre na aventura militar golpista porque acreditava que aquela era a maneira mais fácil, ou talvez a única, de tirar do poder um governo não apenas eleito democraticamente — mas, mais importante ainda, referendado no plebiscito de 1963. Acreditava também que os militares apenas fariam o seu papel abjeto de cães de guarda e, derrubado Goulart, lhe entregariam o poder.

A elite carioca, especificamente, depositava todas as suas esperanças em Carlos Lacerda. O tempo passou e as pessoas talvez esqueçam que esse homem, o responsável pela crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas dez anos antes e talvez a principal vivandeira do golpe de 64, foi uma das personalidades mais nocivas da história brasileira. O mal que ele fez ao país é imensurável.

Não satisfeito com o suicídio de Vargas, tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek como presidente em 1955. Depois do exílio na Cuba de Fulgêncio Batista, voltou para ser eleito governador da Guanabara. Foi um bom governador, de acordo com os registros. Melhor ainda para empreiteiras que realizaram obras importantes como os túneis Rebouças e Santa Bárbara. É tentador supor que os moradores da zona norte se encantaram com ele porque acharam que os túneis os tinham transformado em quase moradores da zona sul — mais ou menos como a classe média que hoje não gosta de ver pobres no avião porque eles acabam com a ilusão de que ela é quase rica.

Era esse homem que as elites brasileiras esperavam ver na presidência. Assim como Aécio Neves 50 anos depois, ele apostou na imposição do caos como maneira de chegar ao poder, não importando se, com isso, destruiria as instituições nacionais e criaria uma crise que dividiria e implodiria o país. Lacerda, brilhante como Aécio nunca foi, não teve trabalho para fazer as elites brasileiras, sempre canalhas, acreditarem que os militares entregariam a elas o poder assim que fizessem o trabalho sujo de depor Jango, devolvendo a aparência de normalidade democrática.

Pouco mais de quatro anos depois dessa capa, Lacerda estava na prisão, preso pelo regime que, como poucos, ajudou a instalar. Não viveu para ver o fim do regime militar. Assim como Aécio Neves 50 anos depois, foi engolido pelo monstro que alimentou.

Para as elites, o golpe compensou. Elas receberam seu investimento de volta; elas sempre recebem. Não consta que os ricos tenham deixado de ficar ricos, que as empreiteiras tenham deixado de pagar propinas para realizar obras públicas superfaturadas, que as mesmas estruturas de poder e clientelismo herdadas da nossa tradição ibérica tenham sido modificadas.

Mas as classes médias e os pobres, que apoiaram o golpe acreditando no discurso hipócrita e udenista de combate à corrupção, de medo do comunismo que iria lhes roubar as posses que nunca tiveram, que fizeram seu o discurso dos ricos, desses a história cuidou sem muita compaixão.

Foi essa gente cada vez mais iletrada e ignorante, que se recusa a aprender a lição de meio século de história porque agora tem a legitimação de seus iguais no WhatsApp, gente igualmente estúpida que compartilha suas ideias bovinas e destila a frustração, o despeito e os maus sentimentos de uma classe média ética e moralmente decadente, que ajudou a eleger Bolsonaro.

Mas a história é uma megera, e é também essa gente que agora vê calada o seu paladino Sergio Moro ter sua corrupção exposta enquanto é constantemente humilhado pelo ex-tenente terrorista. Que vê calada o ex-tenente atropelar as instituições para proteger seus filhos corruptos. Que vê calada os seus direitos desparecerem. Que vê calada o país que dizia defender em patacoadas verde-e-amarelas sendo desmontado e humilhado mundialmente — calada em um silêncio cúmplice porque, sempre obtusa, se recusa a admitir que sua estupidez atávica foi a principal causa dessa tragédia que o país vive hoje.

Infelizmente, repetindo a história, ela vai apenas seguir o destino de Carlos Lacerda.

Bolsonaro, o perdão ao Holocausto e o desvio da esquerda

A reação à declaração do tenente expulso do Exército, Jair Bolsonaro, de que podíamos perdoar o Holocausto, mas não esquecê-lo, é uma mostra do quão míope e desconectada da realidade está uma parte da esquerda, pelo menos essa que parece militar em posts de Facebook e respostas inteligentes no Twitter.

O Holocausto se transformou em um trunfo histórico e político para o movimento sionista. Golda Meir mostrou entender isso perfeitamente ao dizer que “depois do que fizeram conosco, podemos fazer tudo”. É o que justifica a atuação de grupos como o Yad Vashem, que se recusa a aceitar homossexuais, ciganos e comunistas como vítimas do Holocausto, e o que motivou o protesto preconceituoso de certos setores judeus nova-iorquinos quando, no início dos anos 1990, um museu tentou promover uma mostra sobre essas vítimas do Holocausto. Em grande parte, essa é a justificativa subjacente ao colonialismo agressivo e ao genocídio que Israel executa há décadas na Palestina.

Mesmo gente mais ilustrada tem dificuldade em compreender a dimensão tenebrosa da Solução Final. Certos setores do movimento negro, por exemplo, tentam (inadvertidamente ou não) relativizar o Holocausto comparando números com outro crime contra a humanidade, a escravidão africana nas Américas, sem entender sequer o mínimo: que para além da questão racial inerente e justificadora, a escravidão tinha motivação e racionalidade econômica, enquanto o antissemitismo não tem nenhuma — ao contrário, é absolutamente irracional, ódio puro que deve ser materializado não importa o custo econômico. Escravizar negros gerava lucro; matar judeus representava um prejuízo que valia a pena diante do ódio aos “assassinos de Cristo”.

E no fim das contas nada disso quer dizer alguma coisa para 95% dos eleitores de Bolsonaro.

Analfabetos políticos e simplórios, eles estão absolutamente alheios a questões históricas como essa. Para eles, o Holocausto representa pouco ou nada. É algo que, quando ouviram falar, sabem ser errado, mas que já passou e não afeta suas vidas. Não têm a dimensão do horror, e para eles Auschwitz é algo quase tão distante, e sem nenhuma conexão emocional, quanto a batalha de Hastings.

Para esses eleitores, quando Bolsonaro diz que “podemos perdoar o Holocausto, mas jamais esquecer”, ele não está subscrevendo o nazismo, não está justificando suas ações, não está se posicionando a favor desse crime. Fora do sectarismo militante, pelo contrário, para seus eleitores ele mostra uma faceta que seus opositores não conseguem ver nele: um governante tolerante, moderado. É o contrário do psicopata fascista que seus opositores enxergam, e do idiota funcional, reacionário, ignorante e despreparado que ele realmente é. E nesse caso, ele é transformado, para aqueles que o elegeram, em vítima.

Ainda mais triste — ou talvez mais uma prova desse entrincheiramento intelectual míope — é que eles não conseguem ver que algo semelhante aconteceu com Lula. Quando ele traduzia posicionamentos mais complexos em palavras simples, quando dizia que “a gente não vai pagar a conta dessa crise criada pelos louros de olhos azuis”, ele era rechaçado pela elite, que o acusava de analfabeto — enquanto se fazia entender pela patuleia, que era o que interessava a ele. Bolsonaro faz isso de maneira mais simplória, talvez até involuntária.

O resultado é que o eleitor médio de Bolsonaro continua se identificando com ele. Com as barbaridades que diz, com a incompetência verbal. Esses eleitores foram educados, ao longo de quase 40 anos de exercício da democracia em eleições, a descrer de promessas de campanha de candidatos e confiar no seu “bom senso” e na opinião majoritária de sua comunidade. Eles veem no idiota twitteiro o seu mesmo padrão de comportamento, de pensamento, o mesmo modo de ver o mundo e se posicionar diante dele.

Talvez o fenômeno mais curioso nessas eleições tenha sido o número de famílias de latrocidas, de gays e negros que votaram nele. Para eles, o discurso identitário nunca surtiu efeito. Eles focaram seletivamente naquilo que lhes: o discurso do combate à corrupção, da restauração da ordem, do fim de privilégios que só os outros têm, do conservadorismo de costumes que representa uma estabilidade existencial perdida há muito tempo (se é que alguma vez existiu). Anos de bombardeio da mídia contra a corrupção inventada pelos petistas o tornaram descrente e radical, infelizmente com a ajuda alegre de uma parte do PT. E o crescimento da penetração das redes, da possibilidade do compartilhamento em massa de ideias semelhantes e compreensíveis, ainda que estúpidas, lhes deu força e autoafirmação.

É isso que essa parte dos seus opositores não consegue enxergar. É um problema que aparentemente tem origem no momento em que o Muro de Berlim caiu e a esquerda perdeu o referencial ideológico e concreto do socialismo. Órfã, se tornou presa fácil para a dominação das pautas identitárias, que sobrepunha questões de gênero e étnicas à luta de classes.

Desde o início, quem conseguia ver um pouco além dos posts lacradores de uma esquerda que achava que todo mundo ia se afastar de Bolsonaro pela sua homofobia, pelo seu racismo, pelo seu machismo delirante, tinha muito mais medo da sua incompetência e do seu despreparo. Mas a guerra de informação que se travou nas redes, especialmente no WhatsApp, se deu a partir de uma militância que privilegiava esses argumentos — que, no fim das contas, apenas galvanizavam a certeza de cada lado de que ele é que estava certo, levando a um impasse infértil que ajudou, mesmo que pouco, a beneficiar o candidato de uma direita desesperada.

É uma esquerda que se recusa a compreender as consequências sociológicas do crescimento do neopentecostalismo e sua teologia da prosperidade; que denuncia acertadamente que negros são as principais vítimas da violência, mas convenientemente esquece o que essas vítimas sentem na pele: que negros são também os perpetradores imediatos dessa violência.

Mais importante, não consegue entender as mudanças profundas que o capitalismo vem atravessando, possibilitadas pela tecnologia, e que transformaram profundamente a natureza das relações de trabalho. O sujeito que trabalha no Uber, o motoboy, o ciclista do Uber Eats, o caminhoneiro que está pouco se lixando se os subsídios que Bolsonaro prometeu há pouco vão beneficiar principalmente os fabricantes de pneus, os milhares de MEIs que aos poucos se tornam a norma nas relações trabalhistas representam uma mudança profunda e irreversível, que afeta profundamente a maneira como essas pessoas enxergam as pautas da esquerda. Para elas, que se veem não como explorados, mas como agentes autônomos, e que acham que seu sucesso depende apenas do seu próprio esforço, questões como previdência e pisos salariais representam antes de tudo a defesa de privilégios que certamente não são seus.

É com essa realidade complexa, em que certo e errado são cada vez mais fluidos, verdadeiros ou falsos apenas para um fragmento da sociedade mas não para outros, e que são definidos por experiências muitas vezes conflitantes, que essa esquerda teria que lidar — mas suas pautas identitárias impedem isso. Em vez de tentar compreender e lidar com esses processos, essa esquerda se esbalda em estultícies como o conceito de apropriação cultural.

As classes dominantes deste país nunca tiveram medo de se jogar aos crocodilos, se isso impedisse a esquerda de assumir o poder e promover mudanças estruturais que temem quase irracionalmente, em parte pela ignorância atávica e provinciana que lhe é característica e que fez, por exemplo, os médicos cearenses que foram vaiar os cubanos do Mais Médicos se espantarem ao ver que em Cuba há médicos negros. Já tinham feito isso com Castello Branco, e mesmo com Fernando Collor. A diferença é que agora, com a internet dando voz a uma legião de imbecis que sequer sabe escrever — e que se recusa até mesmo a confiar no corretor ortográfico do Microsoft Word —, quanto mais pensar política, essa burguesia tem ao seu lado uma camada de gente ignorante, preconceituosa e burra que assume como seu esse discurso. Eles, a propósito, são um indício de que em algumas coisas Marx estava errado. O barbudo não conseguiu prever que poderíamos viver a ditadura do lumpemproletariado.

De qualquer forma, são essas pessoas que ajudarão a decidir o futuro do país, e é com elas que se precisa dialogar. Mas essa esquerda parece não entender que política não é uma disputa para ver quem está moralmente certo ou errado. Infelizmente, é essa a base dessa esquerda identitária, aparentemente mais interessada em se afirmar diante de seus pares do que em conseguir conquistas tangíveis, mais interessada em fazer valer sua visão sectária de mundo do que em efetivamente mudá-lo.

Niemölleriana

Primeiro vieram buscar os negros, mas como eu não estava no meu lugar de fala, eu tive que me calar.

Depois vieram buscar as mulheres, mas como eu era homem cis hétero estuprador opressor, eu não pude protestar.

Então vieram buscar os trans, e como eu não era gay, fiquei calado para não entrar em treta.

Depois vieram buscar os comunistas, mas como eu insistia que não era golpe, eu achei foi pouco.

Então vieram buscar os sindicalistas, mas como eram todos pelegos, eu fiquei calado.

Depois vieram buscar as moças com turbante, e achei bom porque aquilo era apropriação cultural.

Então, quando vieram me buscar, eu fiz um post lacrador no Facebook.

A nova esquerda brasileira

No país inteiro o PSOL optou por sair sozinho.

Em Aracaju ele continua sendo aquela coisa maluca que já deu Avilete Cruz ao mundo, e agora tem a velha e boa Meire repetindo bordões cansados, encarando uma eleição municipal como se fosse congresso de sociólogos e apresentando como vice algum estudante que parece pensar estar em um sarau universitário.

Em Salvador o PSOL prefere amargar o traço nas pesquisas em vez de apoiar a Alice Portugal — não que isso pudesse barrar o passeio absolutamente compreensível de ACM Neto. Em Recife a situação é parecida. A estratégia parece só estar dando certo em Belém e Porto Alegre.

No Rio, o Freixo recusou a união das forças de esquerda já no primeiro turno. Sua sorte é que Jandira e Pedro Paulo têm um número até significativo de votos para forçar um segundo turno; não fosse isso Freixo ia para o saco ainda mais rápido, numa eleição que é do Crivella — o que, por sua vez, é algo mais grave e com piores consequências do que as pessoas parecem se dar conta.

Mas em São Paulo a coisa é mais grave. O candidato natural era o Haddad. Ao dividir o campo, Erundina e o PSOL abriram caminho para o crescimento da Marta. Direito deles, claro, e é compreensível que vejam num momento surreal como o atual a chance de se afirmar como uma nova opção. Mas o resultado pode ser esse que está se desenhando: vai entregar Sumpaulo para o Dória. Ou para a Marta, na melhor das hipóteses.

O PSOL está reprisando, com 30 anos de atraso, a mesma estratégia que deu certo para o PT nos anos 80, se distanciando “do que está aí”. Mas eles são incapazes de uma leitura sensata da realidade. Os anos 10 não são os anos 80. A redemocratização é um momento diferente do pós-derrocada do PT. O PSOL, que em algum momento até guardou uma promessa de futuro, acaba sendo uma versão estereotipada e empobrecida do PT de outros tempos, sem a base sólida que os movimentos populares emprestavam ao PT.

E isso é o mais triste. De certa forma, e em alguns aspectos, o PT representou um avanço em relação aos partidos comunistas; o PSOL é apenas um retrocesso. (PSTU e PCO não devem ser levados em conta porque já completaram a transferência para uma dimensão alternativa, e a Rede — bem, a Rede tem Marina Silva; que o pano da decência caia sobre esse cenário.)

Numa das primeiras manifestações contra o impeachment em Aracaju, os batuqueiros do Levante da Juventude desfraldaram um imenso painel pedindo “assembleia constituinte já”. Parecem não ter ideia do descalabro que seria uma constituição produzida hoje. Deu vontade de dizer: “guardem essa miséria e vão pra casa estudar, meninos”.

E essa é a nova esquerda brasileira. Uma esquerda pueril, atrasada, desconectada da realidade e com problemas sérios de compreensão de conjunturas, que parece definir seus programas através de temas e likes de Facebook. Acima de tudo, profundamente ignorante e aferrada aos seus bordões fáceis. De vez em quando acho que eles poderiam ler o capítulo 9 de “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”. Mas nessa nova e natimorta esquerda, se ainda há uma sombra de debate acadêmico sobre Marx, falta uma releitura de Lênin — muito mais importante hoje, na minha opinião. Não por acaso o sujeito que disse que a prática sem a teoria é cega, e a teoria sem a prática é estéril.

André Singer e o marketing político

A cada dois anos a cena se repete. Basta que se aproximem as eleições para que o marketing político se torne assunto recorrente nos jornais, especialmente nas colunas de opinião. E então eles aparecem.

De um lado vem um bocado de gente falando com aparente propriedade sobre o tema, sempre dando a receita infalível para ganhar eleições e reforçando o mito deletério do marketing como panaceia universal para eleger até sabonete. São geralmente platitudes, as mais óbvias possíveis. “É preciso usar as redes sociais”, “é preciso cuidar da imagem”, “contrate um profissional”. São na verdade pedidos de emprego disfarçados, mas infelizmente bastante simplórios. Não entendem a natureza da besta nem o seu mecanismo.

Do outro vêm os jornalistas que não sabem do que estão falando.

André Singer é um sujeito normalmente ponderado e que sabe o que diz. Mas em um artigo publicado na Folha de S. Paulo, no início desta semana, faz algumas considerações tão bobas sobre marketing político que impressionam pelo nível de desinformação e pela miopia nas avaliações e prognósticos apresentados.

Singer começa com o pé errado ao dizer que este é o momento em que os partidos definem os planos de campanha. Passa a impressão de estar vivendo em 2014 e de não ter entendido ainda que a campanha já começou. Não se trata de figura de linguagem: a campanha na mídia, como as pessoas a entendem, já começou.

O que mudou foi a mídia.

Na história do marketing político há algumas datas que representam marcos importantes. 1989, por exemplo, quando Lula e Collor demonstraram o poder da televisão. 1994, pelas circunstâncias atípicas (com medo de que Lula repetisse o sucesso de 1989, Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco limitaram as possibilidades de uso do horário eleitoral) mas que deixaram lições importantes. Ou 2002, quando a vitória do modelo mais sólido utilizado por Duda Mendonça (ali distante da sua fórmula frouxa do “Fulano fez, did it, lo hizo”) sobre a pirotecnia publicitária de Nizan Guanaes mostraram que o marketing político tinha alcançado a sua maturidade estrutural e formal.

2016 é outro desses anos fundamentais. Talvez o mais importante de todos, porque a mudança que está acontecendo neste exato momento vai muito além do uso da TV e de circunstâncias legais. É uma mudança estrutural, como poucas antes dela, e apresenta definitivamente um mundo que vinha se anunciando já há uns bons 15 anos. Talvez seja mais difícil percebê-la porque a conjuntura nacional — a Lava Jato, a crise econômica e, em menor medida, a proibição de contribuições empresariais, que se junta orgulhosamente ao panteão em que já estão a proibição do aborto e a criminalização do uso de drogas — deve fazer desta uma eleição singular. Mas o futuro está aqui, bem claro.

Esse é o principal problema do artigo do Singer: ele não entendeu o alcance da minirreforma eleitoral do ano passado e não consegue ver o que está se passando diante do seu nariz; compreende ainda menos o futuro que se apresenta. É impossível acertar dessa forma — assim como ao marketing é impossível eleger um candidato vazio.

A avaliação que ele faz é a de que, como o tempo de campanha na TV e no rádio diminuiu, diminuiu também a importância da comunicação. O problema é que está acontecendo justamente o contrário.

A correção menos relevante a ser feita a esse amontoado de equívocos é o de que essa diminuição tão apregoada é ilusória. Verdade que o tempo dos programas de TV e rádio diminuiu; mas se até 2014 os candidatos majoritários colocavam no ar três programas por semana, agora irão ao ar todos os dias. Além disso, o tempo dedicado às inserções de 30 e 60 segundos dentro da programação normal das emissoras aumentou consideravelmente. No fim das contas, se produziam 2 mil minutos de vídeo a cada campanha. Agora serão 3 mil. Sem falar nas centenas de municípios sem emissoras de rádio ou TV que poderão fazer suas campanhas na internet. Criatividade e planejamento estratégico vão ser mais importantes do que nunca.

Mas essa é só uma mudança como tantas que acontecem a cada ano eleitoral, e que são modificadas novamente nas eleições seguintes. Não é sequer mais importante que o fim da Lei Falcão, ou o tal cerceamento promovido há 22 anos. A verdadeira revolução, que terá consequências importantes e irreversíveis, está na criação da figura do pré-candidato.

Até 2014, candidatos só podiam botar seu bloco na rua após as convenções partidárias. Agora estão liberados para fazer campanha na internet desde muito antes: só não podem pedir voto explicitamente.

Isso abriu um mundo novo para o marketing político brasileiro, e indiretamente deve influenciar um pouco a maneira de fazer política no país. No fim das contas, as campanhas propriamente ditas durarão mais tempo, sobre uma variedade de novas plataformas audiovisuais. As eleições brasileiras ficaram mais parecidas com as americanas, onde a campanha na mídia começa dois anos antes, com a luta de pré-candidatos pela indicação partidária.

É uma guerra cujo principal teatro será a internet. 2016 deve entrar para a história como a primeira eleição em que a TV desempenhará um papel um pouco menor na disputa pelo voto. A consolidação das redes sociais, da internet móvel e da banda larga está dando ao tal mundo virtual — especialmente o Facebook, o Twitter e o mais imprevisível e incontrolável de todos, o WhatsApp — uma importância que era apenas antevista nas eleições passadas. Até agora, a internet era usada principalmente como suporte à campanha definida na TV e no rádio ou simplesmente para marcar “presença online”. Mas agora será ela a definir as campanhas, e isso quer dizer que as outras mídias fatalmente virão a reboque do que se construir nesses meses que precedem as convenções.

Obviamente, a legislação pode mudar nas eleições de 2018 e a figura do pré-candidato pode desaparecer mais uma vez. Mas o que ela trouxe em 2016 deve permanecer: o uso das redes sociais como instrumento de campanha real, explorada com ferramentas de marketing político, é algo inexorável, ainda que eventualmente precise se adaptar a novas normas sempre inconstantes.

Há outros aspectos estranhos no artigo do Singer. Como o recurso àquele velho lugar-comum que diz que “programas de TV são o maior escoadouro de dinheiro em eleições”, o que mostra que ele não entende como se processam as campanhas na vida real e a criação das estruturas eleitorais. O cenário que ele identifica pode até vir a se concretizar em breve, e se acontecer será bom para a sociedade; mas não é realidade ainda, e os milhões distribuídos por Eduardo Cunha deveriam ser evidência suficiente para que isso ficasse claro.

Além disso, em um ataque estranho de neo-ludismo, ele pede campanhas em que o candidato fale diretamente para o eleitor: o candidato e a câmera, olho no olho, “só propostas”. Esse é mais grave. Seu princípio é o da negação do marketing como ferramenta educacional, e a crença de que ele tem uma importância mistificadora maior do que a real.

O que o Singer não parece saber é que esse tipo de campanha que ele quer já existe. Quer entender a diferença que o marketing político faz? Olhe as câmaras municipais, estaduais e federal. Os excelentíssimos senhores que estão ali foram eleitos dessa forma, com pouquíssimos recursos de comunicação. O resultado é o império do clientelismo, da politicagem mais rasteira, da política como balcão de negócios, o império que se justifica na defesa de Deus, da família e “contra a corrupção”.

A comunicação política, ao expor à sociedade as propostas e realizações dos candidatos, fomenta o debate e aumenta as expectativas. Ao longo dos últimos 30 anos, serviu para fazer parte do sistema político brasileiro avançar; o que o está destruindo se consolidou justamente na área onde ela não tem tanta importância, as eleições proporcionais. Por mais que alguns setores odeiem, o fato é que o marketing político ajudou a consolidar a democracia.

Mais que isso, indica também uma recusa em compreender o mundo à sua volta. Como lembra este artigo de Steve Viva, política hoje é mais que teatro, é também showbiz. Goste ou não disso, essa foi a maneira como a sociedade evoluiu. Subir num pilar como um Simão do Deserto buñuelesco e clamar aos céus pela volta de uma variação da Lei Falcão não vai mudar isso, assim como amar televisões valvuladas não as trará de volta.

Claro, nem todo mundo compreendeu isso ainda. Singer é um deles. Mas a mudança está aí, e é irreversível.

Marcelo Déda

Quando Marcelo Déda morreu, eu não escrevi nada. Fui ao aeroporto recebê-lo, mas não subi para o seu velório no Museu Olímpio Campos — que ele tinha criado e que era um dos seus orgulhos. Fiquei do lado de fora, junto com o povo que, mesmo esperando aquele desfecho havia meses, não conseguia disfarçar a dor e a tristeza.

Meses depois achei um e-mail dele:

Li a resenha do Rafael, nosso Chatôzinho, sobre “Kind of Blue”, citada por um site especializado em jazz. Magnífica! O Rafa é daquelas inteligências que me encabulam pela amplitude de interesses, conhecimento do que fala e certa dose de juvenil arrogância que, aliás, lhe cai bem. Lê-lo em seu blog (que está carente de atualizações) devolve-me à tabaroíce simãodiense de onde, às vezes, Amaral tenta me resgatar. Ouço o velho Miles em sua homenagem.

Mais do que nunca eu devia um texto, quando menos pelos elogios inesperados. Mas só fui escrever quase um ano depois. Era o meu recado particular, disfarçado de peça de campanha dirigida pelo Tarcisio Duarte e narrada pelo Edgard Martins. Foi escrita numa mesinha do café da produtora, em uns dois minutos, enquanto conversávamos. Pelo visto o texto já estava pronto há muito tempo, eu só não tinha escrito. Hoje, procurando outra coisa, descobri que ela estava no YouTube.

Revendo agora, depois de quase dois anos, gosto de pensar que Déda, que sempre teve absoluta consciência do seu papel e da sua missão, talvez tivesse gostado: em nenhum momento a gente esqueceu que o que a gente faz é política com sentimento, e em nenhum momento esqueceu o recado e o exemplo que ele queria nos passar.

Valeu, Déda.

Sobre as eleições de 2014

Agora que acabaram-se as eleições, e Dilma continua presidente, o que mais me impressiona é lembrar que durante quase um ano vi aqui e em outros lugares uma série de análises políticas que, no fim das contas, leram mal a sociedade brasileira.

Vi, e vejo ainda, o pessoal reclamando dos retrocessos do governo Dilma, o mimimi de classe média dando lugar a um niilismo pretensamente esclarecido e com um discurso erroneamente politizado, e que não passa muito de uma certa negação elitista da política que se alastra entre a classe média e a elite cultural deste país.

Vi o pessoal repetindo as diversas variações do discurso da mudança, da demonização absoluta do governo Dilma. Aparentemente, parte da elite intelectual que me cerca via Dilma Rousseff como uma ditadora de extrema direita, capacho de Silas Malafaia. Se um inca venusiano desavisado caísse na minha timeline, acharia que Dilma era a sucessora dileta de Médici. Mais que isso, viria os ecos dos delírios que acompanharam as manifestações de junho de 2013: a de que “o gigante acordou”, a de que o Brasil queria uma mudança urgente, de que havia uma nova geração que pedia avanços mais radicais que Dilma com sua obediência cega à realpolitik era incapaz de realizar.

Mas agora que as eleições acabaram uma coisa ficou bem clara, e me impressiona que as pessoas não falem nisso: no fim das contas a tão antecipada mudança, se viesse, viria pela direita. Não seria Luciana Genro a próxima presidente: seria Aécio Neves. Aécio, do PSDB. É, aquele partido que, deslocado do centro pelo PT, se assemelha cada vez mais à UDN. Essa foi a mudança que mais de 48% da população brasileira quis.

Eu não tenho a mínima pretensão de entender o que foram as manifestações de junho e como está se processando a evolução política do país. Nada do que li me pareceu explicar direito o que foi aquilo — e a votação assustadora do Aécio me parece contradizer a maior parte do que foi escrito, porque o povo brasileiro afinal de contas não achava que mudar e avançar eram sinônimos. Mas desse processo de pouco mais de um ano, o que ficou foi a certeza de que o pessoal que comenta no FB se descolou completamente da realidade. De que eles não conseguem reconhecer a diversidade das forças sociais e de como se dá a disputa por espaço dentro do Estado em um regime democrático. E aderindo em massa ao voto nulo, parecem brincar na base do “se não é como eu quero, então não quero mais brincar”, e o que é pior: do “é melhor sofrer um governo do PSDB do que garantir conquistas importantes, ainda que isso signifique compactuar com esses criminosos nazistas petistas e peemedebistas e pepistas e pessedistas.”

Por isso tenho orgulho de ter votado em Dilma Rousseff, no primeiro e no segundo turnos. Porque desde o início me recusei a colocar em risco algo que me parecia importante: a continuidade de um projeto que, se imperfeito, ainda assim é melhor do que as alternativas concretas postas na mesa.

Até entendo e poderia justificar os votos na Luciana Genro, por exemplo, no primeiro turno. Não votaria nela, por mais agradável aos meus ouvidos que seja o seu discurso e sua firmeza inquestionável de propósitos. Não votaria porque eleição para mim não é brincadeira; mas também porque no fim das contas sua posição é a mais confortável possível. Ela pode ter o discurso que quiser (assim como aquele valentão de subúrbio que atende pelo vulgo de Levy Fidelix) porque sabe que não será obrigada a negociar com as diversas forças da sociedade — forças que fazem de Jair Bolsonaro ou Marco Feliciano representantes do povo tão legítimos quanto Jean Wyllys (ou mais: Bolsonaro teve cerca de três vezes mais votos que Wyllys. E se em 2014 Jean decuplicou sua votação em relação a 2010, Marco Feliciano dobrou a sua, e ainda teve mais do dobro dos votos do seu nêmesis. Ou seja: por menos que a gente goste, o povo brasileiro gosta mais de Marco Feliciano do que de Jean Wyllys, e sua voz também precisa ser ouvida. Se você não gosta disso, vamos falar sobre armas e células e guerrilha. Eu topo).

Por menos que gostemos, qualquer governo vai fatalmente ter que negociar. É claro que é possível avançar mais — e eu me juntaria ao coro daqueles que dizem que o Governo Dilma foi tímido, que poderia ter avançado mais, até que deu uma guinada para a direita. Acontece que hoje a disputa não era entre esse projeto e um mais progressista, como o de Luciana Genro: era entre esse, que bem ou mal ainda representa avanços e realizou, sim, a maior revolução social da história deste país, e um que significaria um dos maiores retrocessos que esse país poderia atravessar.

Numa disputa acirrada como foi essa, na minha humílima opinião a abstenção significa tão somente um ato de covardia e colocar o país em um risco imensurável. E talvez por isso, uma das coisas que mais me impressionaram positivamente foi perceber que, entre a classe média que não se rendeu ao canto alcaloide dos tucanos, a maior parte dos votos em Dilma não era de pessoas com interesses diretos no governo — com benesses, cargos ou quetais que queriam preservar. Além do voto legítimo do pobre ou nova classe média que hoje come e compra calça jeans, muitos dos que votaram em Dilma fizeram isso para preservar benefícios que melhoraram as vidas dos outros, como o Bolsa Família.

O mais engraçado é que algumas vezes tive um tiquinho de vontade que Aécio se elegesse. Primeiro porque seria justamente essa classe média que votou nele, e que se beneficiou imensamente com os governos Lula e Dilma, a sua primeira vítima – conquistas como o Bolsa Família, por serem lei, seriam mais difíceis de derrubar. E depois porque aí eu retomaria este blog apenas para poder escrever posts de oposição.

É sempre fácil ser oposição. É a posição mais cômoda, porque você precisa apenas apontar o que está errado — e em um regime democrático nada está totalmente certo. Você pode ter os mais puros ideais, não precisará firmar compromissos nem entender que política é sempre negociação, mesmo na Coréia do Norte. É muito bom ser vestal, porque seu discurso será sempre correto, porque ninguém poderá lhe questionar. É a satisfação ilusória da pureza inexistente.

Infelizmente, avanços como os dos últimos 12 anos não foram feitos com esse tipo de postura. Foram feitos colocando a mão na massa, com compromissos, negociações, negaceios e guinadas. Com idas e vindas — muitos dos quais pouco recomendáveis, mas necessários. Isso é política. Só para lembrar, Luciana Genro, Eymael, Eduardo Jorge e Rui Costa Pimenta teriam que fazer isso, se eleitos.

Por isso essa decepção com a minha timeline. Por ver que tanta gente foi incapaz de entender — ou, se entendeu, dar as costas assim mesmo — que no segundo turno o que estava em jogo não eram os ideais mais altos da política como se entende nos bares em torno das universidades, mas a possibilidade concreta de uma série de avanços sociais e econômicos sofrerem um retrocesso importante. Essa é a grande característica de eleições revogatórias como essa pela qual passamos.

Política é isso. Alguém disse que era a arte do possível, e estava muito próximo da verdade. Essa parte da esquerda que vejo cá no Facebook parece ter esquecido isso, entrado num loop infinito das opiniões dos pequenos guetos que se retroalimentam e validam suas escolhas. É uma pena.

Mas que se dane. São oito da noite, eu já bebi quase duas garrafas de vinho e Dilma ganhou. Acho que tive um papel pequenininho nessa vitória. E isso para mim é o bastante.

Diário de guerra

Procurando arquivos antigos deste blog, achei uns textos que comecei a escrever em 2008 e nunca terminei. Era uma espécie de diário de campanha, escrito, se não me engano, para poder comparar depois com os resultados. As exigências da campanha e o cansaço natural acabaram fazendo com que ele durasse pouco mais que os primeiros 10 dias; ou talvez não tenha sido por isso, tenha sido apenas porque melhor que registrar ou comentar uma campanha é fazê-la. O que sobrou está aí. E de repente me vi transportado a uns dias que já tinha esquecido.

***

19 de agosto
Amanhã começa.

Até agora, Almeida Lima tem impressionado pelo volume de campanha. 30 carros de som na rua, dizem que a maioria vindos de Brasília (segundo alguns, presente do Roriz). Gente pra cacete segurando bandeiras nos cruzamentos.

É engraçado que ele, um candidato isolado politicamente, tenha tantos carros de som na rua, tantos cabos eleitorais. Dizem que é o dinheiro de Renan Calheiros e de Roberto Jefferson. Não parece improvável. A não ser que Almeida realmente tenha se dado àquele desfrute, à humilhação de ser chamado de “boneca” em plenário por Tasso Jereissati, sem receber nada em troca.

Mas amanhã é que a guerra começa mesmo.

20 de agosto
Começou. Depois de mês e meio de punheta, de caminhos falsos e verdadeiros, o programa está no ar. A gente fez um programa correto: a biografia de Edvaldo e um resumo das obras desses dois anos, além da sua fala introdutória à campanha. É o caminho mais correto possível, uma apresentação simples do candidato.

Mendonça apresentou uma biografia medíocre, sem emoção, e se amparou no apoio dos sogros, o ex-governador João Alves Filho e a senadora Maria do Carmo Alves — a mulher está em São Paulo se tratando de uma doença grave. Ficou esquisito. Programa mal concebido, mal dirigido e mal escrito. Isso é ruim, eu queria que Mendonça crescesse um pouco e embolasse com Almeida, mas se continuar assim a vaca dele vai para o brejo rápido demais.

Almeida fez basicamente uma biografia longa e a sua própria fala. A biografia é uma coisa bisonha: filmada em preto e branco, com atores. Falso, artificial. O texto é bem escrito, mas a insistência em mostrar que o sujeito vendia cajus quando era criança é uma bobajada: hoje o cabra é milionário, comprou uma rádio assim que saiu da Prefeitura, tudo isso soa falso. Como soa falsa a fala dele. O sujeito tem boa impostação de voz, mas tudo nele é fake e excessivamente professoral. Me lembrou Lombardi mandando abrir as portas da esperança. Ele não cria empatia. Almeida acabou incorrendo no erro oposto ao de Mendonça.

Essa nós ganhamos.

21 de agosto
A quali confirmou tudo aquilo que imaginamos. Apresentamos o melhor programa, as pessoas não gostaram da biografia de Almeida, e a única coisa que notaram fora do programa de Edvaldo foi a presença de Maria do Carmo, como uma moribunda. Eu pensava que a fala de João seria mais significativa e teria mais recall. Estava errado.

O Damien transformou o comercial “Vida” em uma peça lindíssima. O belga está se revelando um puta diretor publicitário. E ele nem sabia disso.

Assisti de novo aos programas dos proporcionais [candidatos a vereador]. É bom rir. Mas o melhor é ver que a Ivana, que é cantora, é uma bela apresentadora. Outro talento que a gente descobre. Isso é bom.

22 de agosto
Programa de saúde. Blindagem necessária e valorização do trabalho realizado. Não gostei muito do programa, saiu “picotado” demais, o ritmo não é o melhor possível. Eu acho que o ideal seria um programa mais lento, mais emotivo, mais consistente em termos de informação. Mas comparado aos outros da noite, é bem superior.

Tive um acesso de riso quando vi Mendonça e Maria do Carmo em pé, no programa. Mendonça falava e Maria, em pé ao lado dele, fazia cara de zonza. A impressão que dá é a de que ele está segurando a mulher para que ela não caia; ele parece de ventríloquo e ela parece um boneco mudo. Que coisa bisonha. Gargalhei durante a cena inteira, nem mesmo ouvi o que ele dizia. E quando ele está terminando de falar, a impressão que se tem é a de ele a solta por uns segundos, e ela parece que começa a cair e então ele a segura de novo. Tosco. Acho que nunca ri tanto, parecia uma crise histérica. Talvez seja mesmo.

E o louco do Almeida simplesmente repetiu o primeiro programa, sem tirar nem pôr. Não consigo conceber uma explicação para isso. Apostam aqui que isso se dá pelo narcisismo dele: ele adora se ver, acha que todos adoram vê-lo, e aí empurrou aquela merda. Deus queira que ele continue se achando tão bom.

23 de agosto
Agora é oficial, a gente não pode mais mostrar imagens externas em movimento nos comerciais. Pode nos programas, mas não nos comerciais. A justiça eleitoral é de uma estupidez impressionante. Mas esperar o quê de advogados, afinal? Vamos ter que trocar os pés-de-boi, os comerciais diretos que falavam sobre a obra de Edvaldo. Isso é mais preocupante porque que a última onda do tracking demonstrou um crescimento significativo a partir do dia 19, quando os comerciais entraram no ar. Eles lembraram ao povo o volume e a qualidade das obras de Edvaldo. Agora é descobrir uma solução criativa para contornar esse problema.

A quali confirmou tudo o que esperávamos. Destaque para a rejeição causada pela aparição de Maria no programa de Mendonça. Coitado de Mendonça.

Rosalvo o encontrou no almoço e lhe deu um bom conselho: em vez de bater só na gente, ele devia bater também em Almeida. É Almeida quem está se consolidando como o nome da oposição. Almeida não tira votos da gente, tira votos dele. Até a cor do bloco de oposição, o verde, Almeida tomou deles. Mas duvido que Mendonça siga os conselhos do pândego, e a gente vai continuar apanhando e a porrada não vai surtir efeito.

25 de agosto
Mendonça Prado fez um programa fazendo uma denúncia sobre o Santa Maria. Mostrou uma rua em condições desumanas. Fez o melodrama típico de apresentadores de programas de mundo cão. Alguém devia dizer a ele que a Prefeitura está investindo 66 milhões de reais ali, urbanizando o bairro todo e construindo 2 mil casas. É claro que o bairro está em más condições; se não estivesse, não precisava de obras desse porte. Se ele tivesse visto os programas da gente saberia disso. De qualquer forma, ele deveria lembrar que quem botou aquele pessoal ali, naquelas condições sub-humanas, foi a sogra dele, Maria. A gente acertou em escolher Infraestrutura como o tema de hoje, porque acabamos apresentando a nossa versão na mesma hora, com mais competência, e não fica parecendo uma resposta.

O programa de Almeida parece ter finalmente encontrado um eixo decente: estão mostrando as obras que ele fez há 12 anos, quando foi prefeito. Não têm imagens em movimento — pelo visto não cuidaram do arquivo –, e por isso usam muitas fotos. Aposto que isso vai acabar cansando.

Fico impressionado ao ver como o sujeito mente. Eu sei que ele não fez metade do que diz que fez, mas ele mente e diz a verdade com a mesma ênfase, é impressionante. Não dá para diferenciar.

E nós fizemos um programa perfeito. Perfeito. Modéstia à puta que pariu, o fato é que a gente entende desse babado. Demos um baile nos outros e desmontamos todos os seus argumentos. Mostramos as obras de Edvaldo, o PAC no Santa Maria, um baile.

26 de agosto
O pessoal que fica segurando as bandeiras de Almeida nos cruzamentos não usa mais as camisas verdes com o A de Almeida. Agora nego segura o pau de Almeida sem se identificar. É mais uma estupidez da justiça eleitoral, exigir que o pessoal que trabalha para um candidato não se identifique. Eles acham mesmo que aquele pessoal fica o dia inteiro nos cruzamentos, debaixo de um sol desgraçado, de graça? Qual o problema?

A quali confirmou o chocolate de ontem. O programa de Mendonça foi considerado apelativo, e Almeida conseguiu um certo recall mostrando fotos de suas obras. Eu estava errado, pelo visto, mas continuo achando que esse eixo vai se esgotar e ele vai começar a bater na gente. Não entendi por que não bateu ainda na saúde, porque esse é sempre o ponto mais óbvio. Talvez porque Edvaldo tenha aumentado o volume de recursos próprios investidos em Saúde para 18% enquanto Almeida, que pegou em 6%, baixou para 4%. Esses dados vão ser aproveitados na hora certa, se for preciso. Outra coisa: ontem ele fez um rap sobre a dengue; acho que esqueceu que na gestão dele teve epidemia, sim. Ou então aposta que a gente esqueceu.

E o povo está blindando Edvaldo. Não é a gente, é o povo. Isso é fantástico, por si só e porque é um grande indicativo de vitória. Almeidinha, você não vai ter nem 20% dos votos.

27 de agosto
Programa sobre Educação já na produção, tudo caminhando bem. O programa de Proteção Social ficou lindíssimo. E vai ajudar a resolver uma dúvida minha. Tenho a impressão de que o eleitor anda mais refratário a sentimentalismo barato — o que torna mais difícil uma denúncia como a do Vale do Cotinguiba, em 94. A recepção ao programa de hoje vai ser um bom indicativo. Se bem que há variáveis demais: há uma certa boa vontade em relação a Edvaldo. Mas acho que o segredo está na forma como se faz esse tipo de peça.

29 de agosto
Pela primeira vez, o Mendonça Prado fez um programa quase bom. Eu não sei se é por falta de dinheiro ou por falta de talento, mesmo, mas insistem num formato esquisito: o sujeito o tempo todo no vídeo, plano americano, jogando uma cacetada de propostas. Para começar, Mendonça não é simpático. Para terminar, as propostas soam vagas, excessivamente ambiciosas, parecem promessa típica de político. Tem muito tempo que não faço campanha de oposição, provavelmente nem sei mais fazer, mas se eu estivesse ali faria menos propostas, mas mais conseqüentes, mais detalhadas; mostraria, por exemplo, de onde tiraria o dinheiro. Acho que passa mais credibilidade. Sei lá.

Mas hoje ele resolveu bater no trânsito. Questionou os parquímetros. E disse que vai substituí-los pela zona azul. O programa me soou mais denso. Fizeram apenas uma grande idiotice: chamaram o Cássio Taniguchi — “Olha com quem eles foram se pegar”, disse o Rosalvo — para dizer o que poderiam fazer com a avenida Euclides Figueiredo — justamente uma das grandes que Edvaldo está terminando de recapear agora. E o sujeito se sai com essa: “As calçadas são muito largas, podemos diminuí-las”. Isso não vai dar bom recall, eu aposto.

Almeida deu uma boa porrada na saúde, e bateu de novo na dengue. Acho que o ataque vai surtir efeito; foi pelo menos mais bem articulado que os de Mendonça. Mas aí ele tem que aparecer falando com aquela voz de Lombardi e aquele ar arrogante e pouco confiável. E joga as propostas mirabolantes dele. É impressionante como o programa está ruim.

O nosso programa de Educação ficou lindíssimo. Os drops com dados que o Paulinho criou ficaram fantásticos, espalhados ao longo do programa. A diferença entre os nossos programas e os deles é gritante. Não só no conteúdo, na forma também.

30 de agosto
A quali mostrou que a tirada do Taniguchi foi mal recebida: “E a gente vai andar onde?” Povo 1 x 0 tecnocratas. Lindo. Mostrou também algo que eu não esperava: o povo sabe muito bem que trocar parquímetros por zona azul é, nas palavras deles, “trocar 6 por meia dúzia”.

31 de agosto
Eu estou apostando que Almeida Lima vai terminar em terceiro, que Mendonça Prado vai ultrapassá-lo. Em parte pela conjuntura política, mas em parte porque o programa de Almeida me parece meio desvairado.

Alceu Valença se ofereceu pra regravar o jingle de Aracaju. Estamos chiques. Chique no último.

1 de setembro
Talvez o que mais maravilhe a gente seja a forma como o povo esteja demonstrando carinho por Edvaldo. É algo que ninguém esperava. Eu acho que isso se deve a uma série de fatores. O primeiro é a bênção de Déda sobre Edvaldo; o segundo, a mitificação natural que acontece durante uma campanha; e terceiro o conforto natural que Edvaldo começa a sentir no seu papel de prefeito.

O programa de Mobilidade Urbana ficou redondíssimo. A gente usou o mesmo tema que Mendonça usou no programa de sexta — a diferença é que conseguimos ser levados a sério e ele não.

Mendonça fez o programa de sempre, agora sobre juventude. É um tema do qual eu nunca gostei, por ser limitado demais. Acho que deveria ser tratado sempre em conjunto com outros temas, como uma espécie de tema transversal. Mas alguém deve ter convencido o coitado de que ele tem respaldo junto à juventude, e o sujeito concentrou o programa nisso. Foi um dos seus piores programas até agora. Mostrou também a sua carreata com João Alves. É perceptível que não tinha ninguém, até porque eles não têm mais o dinheiro do Estado para distribuir 30 litros de gasolina para os participantes. Mas pelo menos pode dar a impressão de que a sua campanha existe nas ruas.

Já Almeida voltou a centrar fogo na saúde. Repetiu o programa de sexta, basicamente, tirando as partes que tiveram menos aceitação. É um programa muito ruim, o dele. Quando a campanha acabar eu descubro qual é a equipe. Porque o texto do primeiro programa era muito bom; minha impressão é a de que são bons profissionais em uma circunstância ruim.

2 de setembro
E o Déda viu o programa ontem e disse: “Não tenho nada a acrescentar a esse programa”. É um dos maiores elogios que a gente pode receber. É difícil, para quem nunca viu o cabra, entender o que ele é, ou a sua inteligência e sensibilidade.

Nova pesquisa, agora do Jornal da Cidade/Instituto Soma: Edvaldo com 54,1% dos votos válidos. Bate com os números anteriores. Agora é esperar a da Globo/Ibope, na quinta. Deve dar números semelhantes.

3 de setembro
Engraçado: agora que todo mundo admite a possibilidade de Mendonça ultrapassar Almeida, começo a ter dúvidas da aposta que eu queria fazer. Não sei direito. Talvez porque o programa de juventude de Mendonça tenha sido horroroso, talvez porque parece que nada que ele diga merece ser levado a sério. De qualquer forma, ele está aí como herdeiro do bloco de oposição, talvez suba com isso. Eu não sei, sinceramente.

Sinto falta de um pouco de medo. Não cautela, porque isso a gente tem; mas medo, mesmo, um sentido um pouco maior de urgência.

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Resumo da ópera: a campanha seguiu por mais um mês. Houve momentos em que me arrependi de ter dito que “sentia falta de um pouco de medo”, e nunca mais digo isso novamente em uma campanha.

A informação sobre a epidemia de dengue durante a administração de Almeida não foi utilizada originalmente no programa, mas em um debate. Eu estava na platéia e vi Almeida ficar com a mesma cara de menino pego em flagrante roubando um pirulito que mostrou ao receber um esporro antológico de Aluízio Mercadante no Senado, em 2003.

(Uma explicação sobre a importância que dávamos à dengue. Em 2008 Aracaju teve uma epidemia, e das grandes. Morreu gente. Mas em abril nós já tínhamos a sensação de que aquilo acabaria sendo uma vantagem para nós, por causa da ação rápida de Edvaldo, e o episódio acabaria reforçando a imagem de Edvaldo como administrador eficiente e forte. Almeida, no entanto, resolveu apostar na dengue. E disse que “em sua gestão não houve epidemia de dengue”. Foi uma das coisas mais estúpidas que alguém poderia dizer. Porque houve uma pequena epidemia, sim — mas se ele não tivesse falado isso não faria diferença, já que à época o combate à dengue não era atribuição municipal. Ou seja, ele tomou para si uma responsabilidade que não era sua, e o tiro saiu pela culatra.)

Mendonça Prado, contando com a força de João Alves Filho, realmente conseguiu ultrapassar Almeida Lima. Deu uma boa subida depois de se sair bem em um debate e, finalmente, aproveitar competentemente esse material no programa. Mas Edvaldo ganhou no primeiro turno.

E eu, mais uma vez, aprendi um bocado com a campanha.

Não costumo rever campanhas, porque depois que passam elas me incomodam, e só consigo ver os erros nelas, meus e dos outros. Mas dia desses revi alguns programas dessa campanha. Embora a minha campanha preferida de 2008 seja a de Kassab em São Paulo, eu tenho que admitir que nós fizemos um belíssimo trabalho. E é isso o que a gente leva da vida.

Essa gente que bota gosto ruim no nosso amor

Assim que vim morar em Sergipe, no começo dos anos 80, um comercial da Telebrás falava de Canindé do São Francisco — cidade onde hoje está a Usina Hidrelétrica de Xingó. O município sergipano mais distante da capital, situado no alto sertão, na esquina com a Bahia e Alagoas, finalmente ganhava acesso à telefonia, pouco mais de 100 anos depois de sua invenção. Esse era o nível do desenvolvimento da região.

Passaram-se dez anos e então, aí pelo começo dos anos 90, eu costumava ir regularmente à cidade, passar fins de semana na fazenda de um amigo. Aprendi a reconhecer a região e a caatinga. Mas depois fui embora de Sergipe, não vi mais Canindé, não vi mais caatinga e nem essas coisas de sertão.

Passei pela cidade novamente no começo de 2004, e mencionei o fato neste blog para fazer um agradecimento extemporâneo. Aquele sertão que eu conhecia razoavelmente continuava basicamente o mesmo, apenas com as melhorias naturais do tempo. Ao longo das estradas que hoje compõem a Rota do Sertão, e cortam boa parte do sertão sergipano, as paisagens urbanas se mantinham mais ou menos as mesmas de 1992. Cidade após cidade, a mesma miséria, a mesma sensação de fim de mundo. Claro que naqueles 11, 12 anos a região tinha crescido. Mas era um crescimento inercial, o crescimento natural e mínimo de todo lugar abandonado por Deus. Lembro de estar parado num povoado de Canindé e observar um homem forte passando na rua. Era o meio do dia. Fiquei impressionado ao perceber o que a falta de oportunidades fazia com aquelas pessoas: gente que pela constituição física estava acostumada ao trabalho duro, mas condenada a vagar pelo meio do povoado por falta do que fazer.

Agora vejo um artigo da jornalista Eliane Cantanhêde falando da ascensão do Brasil à posição de sexta potência econômica do mundo. Falando mal, obviamente: ela se pergunta que desenvolvimento é esse, se a pobreza está em todo lugar, e usa o Nordeste como exemplo da miséria que esses governos incompetentes não conseguiram resolver.

É um padrão de comportamento típico de certos setores da imprensa: a notícia é boa, não traz nada negativo, mas há que fazer um pequeno esforço e ver como se pode falar mal; com jeitinho sempre se descobre que é possível fazer um comentário desagradável, e se a gente procurar vai ver que o país continua a mesma merda de antes, na verdade até pior. Jornalistas de oposição — e o termo é usado aqui propositalmente — parecem ter complexo de viralata, e se o copo não estiver completamente cheio tem que estar totalmente vazio.

De qualquer forma, eu não sei o quanto a Cantanhêde conhece o Nordeste, para falar assim com propriedade da evolução da região. Mas ao usá-lo como exemplo para questionar a qualidade e mesmo a veracidade do desenvolvimento brasileiro, ela mostra desconhecer, se não a realidade, a história recente do torrão natal do ex-presidente Lula.

O artigo da Cantanhêde me fez lembrar que passei por Canindé e por aquele povoado novamente há umas duas semanas. E para isso precisei atravessar outras cidades — aquelas mesmas que até cerca de oito anos atrás pareciam paradas no tempo.

Eu não impressiono com muita coisa, porque já me acostumei a fingir que a idade me dá o direito de ter uma atitude blasé diante da vida. Mas eu fiquei bobo, genuinamente embasbacado. Em menos de sete anos construiu-se um mundo completamente diferente. As cidades cresceram absurdamente, a ponto de algumas delas se tornarem praticamente irreconhecíveis para mim. Os sinais de desenvolvimento se espalham por elas: lojas de material agropecuário, redes locais de lojas de móveis — o comércio floresceu de uma maneira que me deixou de boca aberta. É outro lugar. O que antigamente eram variedades indistintas do fim do mundo, hoje são lugares possíveis de se morar. Além disso um detalhe curioso: assentamentos de Sem-Terra — Sergipe tem um dos melhores programas de reforma agrária do país, se não o melhor — estão dando origem a novas cidades.

Muito desse desenvolvimento se deve à ação do governo de Sergipe, que inverteu o mecanismo político ao intervir diretamente nos municípios e levando para o interior um tipo de desenvolvimento que, até pouco tempo atrás, estava restrito à capital. Mas o principal elemento de transformação do sertão foi o Bolsa Família, o Luz para Todos, os investimentos federais.

Ver as cidades do Alto Sertão sergipano me lembrou que costumamos — eu inclusive — falar do Bolsa Família e de outros programas do Governo Federal a partir de um ponto de vista urbano. Se isso não é um erro, agora estou convencido de que é insuficiente. Por mais benefícios que o BF tenha trazido para as cidades médias e grandes, não é nada que se compare ao efeito redentor alcançado nos lugares mais miseráveis como o sertão. É imensurável, mas estapafurdiamente óbvio.

É por isso que é tão estranho o parágrafo final da Cantanhêde:

O que está em pauta não é (só) o ritmo da economia e o complexo equilíbrio entre crescimento mais baixo e inflação debochada, mas principalmente a qualidade do desenvolvimento. Há que se discutir por que, para que e para quem o Brasil assume ares de potência.

Então, dona Cantanhêde, deixa eu explicar uma coisinha para a senhora: o que fez a diferença nesses anos — e agora, depois de ver o que aconteceu com o sertão nesses últimos anos, tenho mais certeza do que nunca — foi justamente a qualidade do desenvolvimento promovido pelos governos Lula e Dilma Rousseff. Não há novidade nisso, mas jornalistas de oposição como a senhora parecem se recusar a entender, não importa quantas vezes isso lhes seja repetido e demonstrado. Foi justamente porque a qualidade do desenvolvimento mudou que nossa economia conseguiu aguentar os trancos da crise econômica mundial e ultrapassar a inglesa. É, aquela mesma que por sua vez continua recitando o ideário que a senhora acha bonito.

O artigo da Eliane Cantanhêde me lembrou algo mais legitimamente nordestino do que suas impressões: um trecho de “Karolina com K”, uma das obras primas de Luiz Gonzaga. Mais especificamente o trecho em que Karolina, doidinha para ir embora do forró e ficar sozinha com o seu sanfoneiro, vê o pessoal indo atrás deles e comenta: “Olha, Gonzaga! Puxa mesmo que a cabrueira vem aí atrás, parece que eles tão querendo botar gosto ruim no nosso amor!”

Karolina não sabe, mas a cabrueira continua agoniada, botando gosto ruim nas coisas que não consegue compreender nem aceitar.