Poema muito do enjoadinho

Falando sério
eu não gosto
de poesia moderna
As pessoas parecem pensar
que basta dividir frases
ao meio
e esquecer a pontuação
para automaticamente
criar um poema.

Poesia é outra coisa.

Poesia não é divã
de analista
não é competição
de domínio do vernáculo
poesia não é
nada disso.

E certamente, meu amigo
poesia não é isto aqui
Isto é apenas prosa
formatada para tentar
mostrar o engodo
que é a maior parte
da poesia moderna.

Episódio de uma noite de verão

O sujeito se aproxima de mim com um sorriso.

— Eu podia pedir uma ajuda ao senhor? É que eu preciso de dinheiro para voltar para casa, meus filhos estão com fome…

Me mostra um papel que não olho. Enquanto abro a carteira para lhe dar 1 real, ele pede:

— Pedir não é vergonha, né? Por favor, não fique com raiva.

— Se eu ficasse com raiva não te dava o dinheiro.

Enquanto me afasto ele me faz uma sugestão bem intencionada:

— Por que o senhor não pára de fumar? Fumar faz mal.

E então, por breves instantes, eu penso em tomar o real que lhe dei.

Cordeiro vestido de lobo

Tem coisas que, contando, ninguém acredita.

Um rapaz bem, digamos, “moreno” foi parar em um evento neo-nazista no Arizona usando uma camiseta em que estava escrito “White Power”.

E não era provocação. Ele falava sério. Ele realmente acredita na supremacia branca.

Foi gentilmente convidado a se retirar do lugar — racistas podem ser gentis com os inferiores que lhes lambem as botas — e teve seu dinheiro devolvido.

A mãe desse menino devia tê-lo enchido de porrada quando ele era criança. Porrada mesmo, daquelas que fazem vizinhos chamarem o juizado de menores. Assim talvez fosse poupada da vergonha de ver o nome de seu pai em tamanho imbecil.

Afundando o Titanic

Eu assisti a “Titanic”. Duas vezes. Nas duas, fui para fazer companhia; saí do cinema impressionado com o artesanato brilhante do filme e com o clichê que era o seu roteiro, e fazendo comparações injustas com “Encouraçado Potemkim”.

Mas da segunda vez, de saco cheio por estar ali, precisei recorrer a pequenos estratagemas para suportar as quase 3 horas de filme.

Perto do final há uma cena melosa — mais que a média — em que uma mãe coloca seus filhos para dormir sabendo que é a última vez. Corta para o navio praticamente na vertical, com as pessoas despencando e se estabocando nas ferragens navio abaixo.

Fiz minha própria sonoplastia: “Ai! Ui! Ai, aí não! Plaft! Ploft!”

Do meu lado uma menina de seus 11 anos, em prantos, me olhava com todo o ódio de que uma criança é capaz.

Acho que naqueles poucos segundos destruí naquela menina quaisquer vestígios de fé no gênero humano.

Ah, que saudades da universidade

De Giovanna Bartucci (psicanalista e ensaísta, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae; é assim que ela assina), analisando o cinema de Almodóvar em um ensaio publicado na D.O. Leitura chamado “Almodóvar ou o desejo como universo”:

O “fato fílmico” nasce, então, do filme feito, definido como um discurso significante localizável. Em outras palavras, o fato fílmico abrange a construção das imagens, a condução expressiva do relato, o desempenho dos atores, ou seja, tudo aquilo que confere ao texto que daí resulta o estatuto de discurso.

Acho que ela quis dizer o seguinte: um filme é um filme.

Mas o melhor mesmo são algumas das outras partes do ensaio:

Talvez devamos, de fato, levar em consideração que ainda que a fixação da pulsão parcial no circuito primário de satisfação esteja presente tanto na neurose, quanto na perversão, as pulsões parciais (libidinais) designam uma geografia dos prazeres erógenos do corpo.

Tudo isso para falar de “Ata-me”. E se você não entendeu nada, por favor, sente-se aqui ao meu lado.

Por essas e outras, estou à beira de um ataque de nervos e prestes a me tornar um ludita vernacular.

Pensando na tal revolução

Howard Dean retirou sua candidatura ontem. É o fim da corrida para ele, o que indica que o candidato democrata quase certamente será John Kerry. Segundo todos os indícios, Kerry é uma espécie de Bush recauchutado. Mas é impossível que consiga ser pior que Bush. O que preocupa, agora, é que segundo algumas análises é mais fácil para Bush derrotar Kerry do que um outsider como Dean.

Recapitulando: Howard Dean é o pré-candidato a presidente democrata que utilizou de forma intensiva a internet como uma de suas principais ferramentas de campanha. Se tornou, em pouco tempo, “o candidato dos blogs”. Mas seu desempenho nas primárias foi pífio, e o resultado é o anúncio de hoje.

Esse “fracasso” de Dean fez algumas pessoas apontarem “o estouro de uma nova bolha da internet”; e chegou-se à conclusão de que o uso de blogs em campanhas eleitorais é um fracasso.

Enterrar a importância de ferramentas da internet, como weblogs, em campanhas eleitorais por causa do fracasso de Dean é apressado demais. Pelo que pude entender, a internet teve muito a ver com seu crescimento e pouco com sua queda. Os erros de Dean foram políticos; talvez o mais importante deles tenha sido perder o timing, não ter percebido a hora de passar da crítica destrutiva a Bush para a formulação de propostas consistentes. E não se pode esquecer que, por ser a mais visível e a mais radical, foi a candidatura que mais apanhou da TV e dos jornais. Em relação à internet talvez tenha havido o mesmo erro que já vi outras pessoas cometerem em mídias tradicionais: o insularismo, a tendência a acreditar no próprio otimismo. Finalmente, outro erro típico: Dean se expôs demais, cedo demais.

O fato é que algo novo começou, e Dean foi um dos principais catalisadores da novidade. Se vai adiante, ou não, talvez ainda seja cedo para dizer. Mas Lênin podia ter certeza absoluta do que aconteceria assim que ele pisasse na Estação Finlândia? Fidel tampouco sabia se ia descer a Sierra Maestra nos braços do povo ou em um caixão.

Pela primeira vez desde o surgimento da televisão, uma revolução em comunicações está acontecendo. A internet é um meio novo e de comportamento ainda imprevisível, mas já não dá para negar sua importância. Ela pode ser mensurada, quando menos, pelas dezenas de milhões de dólares que a candidatura de Dean amealhou de pequenos doadores, boa parte através da Internet. Dean mobilizou as bases democratas como nenhum outro candidato conseguiu nas últimas décadas. Isso só aconteceu graças à internet, à sua capacidade de criar e manter comunidades ativas.

E, embora seja cedo demais, já se pode avaliar algumas dessas transformações.

A primeira delas é que o uso de internet em campanhas implica uma mudança do que os universitários chamam de paradigma. Pode-se contruir não apenas uma campanha tradicional, mas um verdadeiro movimento. No caso dos Estados Unidos, pode dar a partidos tradicionais bases ativas que só se encontram nos partidos de esquerda, como o PT e o PCdoB brasileiros.

Isso cria um novo problema, no entanto. A internet força uma descentralização em campanhas jamais vista. Ainda não dá para entender totalmente esse novo panorama, mas as mudanças serão definitivas. Uma campanha eleitoral, por definição, precisa ser centralizada e ter uma estratégia definida. É o que evita que um idiota descontente cause algum dano ao externar suas opiniões, como Dave Winer fez com Dean logo após a primária de Iowa. Essa descentralização forçada, ainda que relativa e passível de ser minimamente controlada, modifica totalmente o modo de comando, e exige que se adote uma nova atitude relativa à forma como ela caminha. É um problema grande para quem tem que administrar uma campanha.

Mas Marx dizia que um problema só surge quando já existe a solução.

Para esse tipo de campanha funcionar, é preciso que se esteja preparado para um fluxo de informações que não se pode controlar totalmente. E isso é um grande avanço; no que diz respeito ao marketing político, é uma revolução. Ao mesmo tempo, o poder multiplicador da internet entre formadores de opinião é algo que não se consegue com simples programas e comerciais de TV. Será mais fácil transformar eleitores em agentes, envolvê-los na campanha — em suma, construir um movimento horizontal, e não vertical.

Esse é um bom começo.

Constatação

Cheguei à conclusão de que, já que vou passar mais tempo que o normal em Aracaju, preciso arranjar uma namorada com carro. Alguém tem que me levar aos lugares aonde preciso ir.

Alguém conhece alguma sergipana gostosinha, bonitinha, com carro, disponibilidade absoluta de tempo, disposição para ficar esperando horas e horas e que não conheça o meu passado?

Roda mundo

Sabe quando você está ficando velho?

É quando as coisas que lhe circundavam na infância desaparecem sem deixar vestígio.

Antigamente os barbeiros ofereciam graciosamente a seus clientes a possibilidade de leitura de revistas Manchete, com seus lampejos fotográficos de um mundo que ficava cada vez menor e mais familiar.

Morreu a Manchete e morreram os barbeiros.

E as Caras que se lêem nos cabeleireiros mostram outro mundo e outros interesses, menores, mais mundanos, mais fúteis.

Ficção científica

Dia desses fui parar no site de um escritor de ficção científica chamado Terry Bisson. E acabei lendo um de seus contos, They’re made out of meat.

O conto é uma delícia. Tão engraçado, e tão interessante, que achei que mais gente gostaria de conhecê-lo. Pedi autorização ao autor para fazer a tradução e postar aqui, e ele foi gentil o bastante para permitir.

Há muitos outros contos no site de Bisson, e valem a pena por uma olhada.

Com vocês, Terry Bisson.