Of many a poor boy

Estava ouvindo The House of Rising Sun e pensando em como algumas coisas sempre soaram diferentes para mim.

Eu sei que a canção é sobre uma casa de ópio na terra do Idelber. Mas, para mim, sempre foi sobre um puteiro.

Um monte de japonesinhas com formação de gueixa e gestos lânguidos, seus quimonos entreabertos, me tragando para o vórtice da devassidão absoluta, em um turbilhão decadente quase baudelaireano. Rafinha ali, deitadão, servindo-se e sendo servido. Recitando sorridente a velha litania, O Satan, prends pitié de ma longue misère!

Porque essa era a única causa de ruína que eu admitiria possível para mim. Eu poderia me acabar naquela vida, ah, poderia. Já a casa de ópio iria à falência se dependesse de mim.

E as pessoas não acreditam quando digo que, no fundo, eu sou um puritano. God, I know I’m one.

O desiluminado

All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger. All work and no play makes Rafael a dull blogger.

1989

Vinha procurando esses dados há mais de seis anos: os candidatos a presidente do Brasil no primeiro turno das eleições de 1989.

As pessoas, hoje, não parecem fazer idéia do que aquelas eleições representaram. Eram o fim definitivo da ditadura, as primeiras eleições diretas para presidente em 29 anos, e a primeira vez em que pessoas com 16 anos votaram.

Aquelas eleições foram um dos maiores espetáculos de democracia que este país já viu, traduzido na imensidão de joões ninguém que disputaram a eleição. Para mim, pessoalmente, foram o ponto máximo de minha participação política como cidadão. E como a minha vocação para político só não é menor que a vocação para desfilar na Visconde de Pirajá vestido de baiana, deve continuar assim.

Eu me lembrava da maioria dos candidatos; as exceções eram Zamir, Lívia Maria, Eudes Mattar, Antônio Pedreira e Manoel Horta, que não sei de onde saíram e muito menos aonde foram. Aquela eleição foi o ápice de Marronzinho (por acaso sergipano), que aparecia amordaçado no vídeo. Foi quando Enéas apareceu e se tornou lenda, o suficiente para um terceiro lugar em 1994 e, em 2002, para carregar nas costas a Havanir (também sergipana; se junta a Marronzinho e a Lourival Fontes como as grandes contribuições políticas de Sergipe ao Brasil).

Lembro de no Congresso da UBES em Santo André, ainda em setembro, me indignar com os bobões da Convergência Socialista, que queriam o apoio da entidade a Lula já no primeiro turno. Definitivamente, os trotskistas não sabiam fazer política (o PT acabou dando um pé na bunda deles, que formaram o PSTU). Lembro de uma certa simpatia pelo Celso Brant, de uma grande antipatia por Roberto Freire, o divisionista, e de ficar assustado com o crescimento de Afif — por uns quinze dias. Lembro do jingle de Affonso Camargo (“Dois patinhos na lagoa”) e de achar graça na tentativa de substituírem Aureliano Chaves por Sílvio Santos, que chegou a fazer uns dois programas.

Aquela eleição marcou o início da decadência de Brizola e o enterro de Ulysses. Deu 15 minutos de fama a Ronaldo Caiado (não por acaso goiano). Terminei aquela eleição pesando pouco mais de 60 quilos, passei o Natal de cama com febre de não sei quantos graus, mas valeu a pena, sim: no dia 8 de novembro, nós paramos o comício de Lula para que nos vissem chegar, certamente uma das maiores passeatas de estudantes que esta cidade já viu. Eu asseguro: o impeachment de Collor não foi nada perto daquilo. E fomos nós que fizemos aquilo.

Talvez não tenha dado muito certo naquela hora. Nós queríamos um novo Brasil e tudo o que conseguimos foi um Brasil Novo. Mas que valeu a pena, valeu. E isso só quem viveu sabe o que foi.

CANDIDATOS A PRESIDENTE EM 1989
Fernando Collor – PRN/PST/PSL
Lula – PT/PSB/PCdoB
Leonel Brizola – PDT
Mário Covas – PSDB
Paulo Maluf – PDS
Guilherme Afif – PL/PDC
Ulysses Guimarães – PMDB
Roberto Freire – PCB
Aureliano Chaves – PFL
Ronaldo Caiado – PSD/PDN
Affonso Camargo – PTB
Enéas Carneiro – PRONA
Marronzinho – PSP
Paulo Gontijo – PP
Zamir – PCN
Lívia Maria – PN
Eudes Mattar – PLP
Fernando Gabeira – PV
Celso Brandt – PMN
Antônio Pedreira – PPB
Manoel Horta – PDC do B

(Os números da eleição podem ser encontrados aqui.)

Receita de mulher

Um amigo diz que mulher tem que beber.

Outro diz que mulher tem que deixar um rastro de perfume quando passa. Mulher que não cheira, não presta.

O avô do Bia diz que mulher tem que saber contar piada.

E o Vinícius diz que mulher tem que ter saboneteiras.

Eu tenho outra teoria. A mulher tem que entender de algumas coisas: um pouco de cinema, um pouco de literatura, um pouco de música, um pouco de política, um pouco de arte. Não precisa ser muito, porque muito não se deve exigir: só o bastante para ter uma opinião, o suficiente para não passar vergonha, para não ficar calada numa mesa de bar, entediada e entediando.

Mas tem que haver um contraponto, e é aí que está o segredo.

A mulher tem que gostar de filmes bobos.

Porque é isso que faz a mulher, é esse toque feminino, da donzela à espera do cavaleiro que a salvará — mas não em um cavalo branco, porque aí é “Uma Linda Mulher” e clichê demais; e tampouco pode ser mais que um toque. Aquele mínimo de solidez tem que ser contrabalançado em uma leveza meio etérea, algo que se sabe que está ali, mas que não se pode pegar — e se se pudesse, se esvaneceria no ar.

O contrário é mulher que gosta de Godard, e ninguém que goste de Godard pode estar em seu juízo perfeito.

A mulher tem que gostar, por exemplo, de Notting Hill. Tem que saber quem é Kurosawa — não precisa gostar, só precisa saber quem é –, tem que conhecer um tiquinho de cinema francês e ter visto pelo menos um Buñuel; mas tem que dar um sorriso bonito e franco quando vê o Hugh Grant pedindo para a Julia Roberts ficar.

Não precisa chorar, nem deve, porque mulher que chora nessas horas também chora em outras menos apropriadas; mas precisa sentir a beleza boba e fútil da coisa, e não ter vergonha disso, nem querer parecer o que não é — o que só não é pior do que realmente ser. Precisa apenas saber que algumas coisas não devem ser explicadas, jamais, porque então correm o risco de desaparecer. A mulher tem que ser alguém que, mesmo sem conhecer as notas musicais, fecha os olhos e sorri tranqüila para si mesma quando ouve um trechinho de Albinoni.

Porque se fosse para fazer outra analogia, eu poderia dizer que mulher não pode ser Wagner, nunca; e se for Vivaldi se torna vulgar e dispensável. Talvez seja isso. A mulher, a mulher mesmo, tem que ser um andante de Albinoni que gosta de Notting Hill.

Minhas namoradas

A tinha um jeito despojado, de quem veste uma calça jeans e esquece de tudo o mais para se concentrar no essencial.

B tinha um jeito adolescente resoluto, de quem vai fazer tudo o que deve assim que completar 18 anos.

C tinha um ar pé no chão e diligente, de quem trabalharia duro a vida inteira e não deixaria nada faltar em casa.

D tinha um ar infantil e ingênuo, que foi perdendo com o tempo.

E E… Bem, pelo menos E tinha uma bunda muito bem feitinha.

Cena baiana II

Salvador, 1989.

Em Aracaju eu tinha encontrado um amigo de escola, ele disse que também estava morando em Salvador. Ficamos de nos encontrar qualquer dia daqueles.

Dia daqueles saio da agência e vou até um bar na Pituba, onde nos encontramos, ele com um amigo meio bobo mas gente boa. A noite avança entre cerveja e tira-gosto. Xangai aparece por ali e dá uma canja, marido se alevanta pra nóis fazer um calamengau. Uma mulher de seus trinta e poucos anos dá mole e eu me levanto para ver no que vai dar. A coisa promete, ela faz pose de quem faz pose de mulher recatada, e então Paulo me chama e avisa: “A gente tá saindo e não vai pagar”.

Eu devia ter lembrado de quem era Paulo antes de aceitar o convite. Ele era expulso da sala com uma freqüência ainda maior que a minha. Foi ele quem subiu em seu buggy na porta do Arqui, depois de conseguir uma transferência para o Unificado, e xingou Marlene Chagas de todos os palavrões imagináveis — e para a nossa felicidade também dos inimagináveis. Era ele que tinha uma cara de marginal, cabelos louros escorridos encimando uma cara comprida e um olho meio torto.

Agora só me resta ir atrás do sujeito, eu que nunca gostei de sair sem pagar de lugar nenhum.

Daqui a pouco chega o garçom, correndo esbaforido, dizendo que a gente vai ter que pagar. E Paulo manda o sujeito à merda, e o garçom sai correndo dizendo que vai chamar a polícia.

A gente também sai correndo pela Pituba na direção contrária, e em poucos metros eu, que nunca corri senão de cachorro grande e de mulher feia, já estou botando os bofes pela boca, puta merda, puta merda. Viramos uma esquina onde dois homens tocam violão; adivinhando que não vou mais agüentar muito tempo, pulo o muro e me escondo, encostadinho entre o muro e as plantas. Ouço o garçom passar correndo, mas espero. A cara enterrada no canteiro, terra preta de vez em quando tem um gosto muito bom.

Alguns minutos depois uma mão me levanta pela gola. É um dos homens que estavam na esquina. O sujeito diz que é policial, me revista, pergunta o que aconteceu.

“Moço, eu tô morando aqui há um mês. Não conheço ninguém na cidade. Moro em Sergipe, sabe? Vim estudar pro vestibular.” Mostro a minha carteira de identidade, que é de Aracaju, para comprovar que tudo o que eu digo é a mais pura verdade. “Aí hoje eu tava no Porto da Barra, conheci aqueles dois sujeitos, a gente começou a conversar, e me chamaram pra cá, e a gente começou a beber, eu levantei pra ir no banheiro e quando voltei eles tavam saindo dizendo que não iam pagar. Eu não tinha dinheiro pra pagar a conta toda, aí tive que vir com eles.”

“Qual o nome deles?”

“Um é Márcio, o outro é Roberto. O senhor já viu eles por aqui?”

“Eles te ofereceram drogas?”

“Não, não, só cerveja, mesmo.” Mas me arrependo, devia ter inventado que o filho da puta do Paulo é traficante para ver se a polícia lhe dá umas porradas, que ele merece.

Me mandam esperar para ver o que farão comigo. Enquanto o tal policial conversa com o outro, que deduzo ser um vigia noturno, resolvo que minha cara de menino não é o bastante. Peço o violão, toco um pouco, faço a maior cara de puta arrependida que consigo fazer, e então o sujeito diz para eu ir embora, mas que a partir de agora devo ter cuidado que aqueles baianos não valem nada, que é um povo muito descarado, tá cheio de marginal pela rua, você deu muita sorte, e percebo que ele não tinha lido minha carteira de identidade direito e não viu que eu também era um daqueles baianos. Só não era descarado.

E enquanto eu saio atrás de um táxi, pensando em ligar para esculachar aquele filho da puta do Paulo, o sujeito passa e pergunta para onde eu estou indo, e eu digo e ele me dá uma carona, enquanto continua a falar desses baianos que não valem nada, quando é justamente um policial baiano que me dá a carona.

Mas isso não é nada. Nunca mais vi a balzaca. Não deu tempo de pegar o telefone dela. Ela era uma lourona bonita, bem interessante. Tinha uns peitões sugestivos, ah, muito sugestivos, e o seu jeito de olhar me fazia algumas das mais belas promessas que eu já tinha visto naqueles meus dezoito anos.

Diário de bordo V

Quase 24 horas socado em um hotel, esperando entregarem minha roupa e descobrindo que é possível, sim, pentear o cabelo com um garfo — o que transforma Didi Mocó em um gênio visionário –, enquanto tenta assistir a alguma coisa na TV, dá nisso.

Crítica cinematográfica a 2 Fast 2 Furious:

Tem uns carros na parada. Os sujeitos fazem pega. Aí eles apertam um botão e sai um fogo do escapamento e o carro dispara e eles ganham a corrida. Vrum vrum. Irado, velho.

***

Assisti a um compacto de “Anos Rebeldes”, também. Vi na época, 1992, e não me impressionou nem um pouco. Achei fraco, na verdade, com uma ou outra exceção. Agora, revendo, alémde tudo isso ainda aparecem as falhas técnicas: bebê com fralda descartável, uma bolsa que aparece na mão da morta, e por aí vai.

Em compensação, Armação Ilimitada era realmente brilhante.

E vi Purple Rain, do artista que voltou a ser chamado de Prince. Que coisa bisonha é aquela eu não sei. E não falo só do filme, chato. São aquelas roupas. Aqueles penteados que faz todo mundo parecer o Duran Duran. Aquelas roupas que os hippies mais alucinados dos anos 60 teriam vergonha de usar. Aquela bateria. Principalmente aquela bateria.

***

Na van que me leva para o aeroporto vai um piloto da Varig. É provavelmente o carioca mais chato que eu já vi. Vai reclamando de um atraso do motorista até chegarmos. Fico calado que o problema não é meu; mas no final eu estou torcendo para que ele ganhe um esporro da direção da Varig, porque ele está isposto a criar um problema para o motorista, que não teve culpa. Tem gente que nasceu para encher o saco dos outros, e o tal piloto é uma delas.

***

Quando passo a mochila pelo raio X, o sujeito me pergunta, provavelmente incomodado por só ver livros dentro dela:

“É papel que o senhor está levando aí?”

“Livros.”

“Abra, por favor”.

Eu abro. Ele olha, meio ressabiado, e diz que tudo bem. Fecho a mochila e não resisto:

“O senhor esqueceu a bomba no fundo da mochila”.

“Como é?”

“Nada, brincadeira.”

“Essa brincadeira pode fazer a Polícia Federal lhe revistar.”

“É, eu sei que nos Estados Unidos essa brincadeira dá problema.”

Ele, ofendido em sua honra de funcionário público:

“Não só lá. A fiscalização que tem lá, tem aqui também, tão rigorosa quanto eles.”

Eu, quase dobrando em direção à sala de embarque, preciso dar a última frase:

“É, mas lá eles são malucos, aqui não”.

E, cá comigo: “Só idiotas.”

***

Na sala de embarque, portão I — separado dos outros por ser no térreo — a funcionária da OceanAir representa seu papel numa comédia com quatro espectadores. Recita o texto comum a todas as funcionárias que guardam o portão, com a gravidade que lhe é necessária. Nao interessa que os quatro passageiros olhem para ela com uma expressão de “por que o sistema e som? Só tem a gente aqui”. Não interessa que ela pudesse simplesmente dispensar tudo e comunicar o essencial aos passageiros. Ela tem o seu roteiro a seguir, e o faz com a dignidade de uma funcionária responsável, com a dignidade dos músicos do Titanic tocando enquanto o barco afunda.

***

Enquanto outra van — não ando tanto de van desde que morava no Rio — me leva até o avião, eu tenho uma surpresa. O avião não é o tal Fokker 50, é um Brasília. Tudo bem. Aviões da Embraer me trazem lembranças curiosas, especificamente o Bandeirante; mas eu nunca andei em um Brasília, vai ser interessante.

As pessoas que gostam de aviões grandes, como o 737-300, não sabem o que é avião. Para que você possa falar com orgulho, é preciso ver a hélice rodando, ouvir o ronco alto dos motores.

Aviões pequenos têm ainda outra vantagem. É tudo tão perto, a hélice a menos de um metro de você, e então você faz parte do avião. É diferente varar uma nuvem em um jato e em um avião pequeno. Você realmente está lá, você sente o corpo do aviãobrigando com a resistência das gotículas de água. E as manobras feitas por um avião pequeno são outra coisa.

Eu tinha me arrependido de ter comprado essa passagem. Paguei mais caro em troca de uma hora a mais em Fortaleza, que acabou se tornando 24. Mas na primeira nuvem o arrependimento passou.

***

Eu nunca tinha visto uma aeromoça só em um avião. Elas sempre vêm em duplas, como notícias ruins. Mas o avião é pequeno, e ela está ali, sozinha. Meu bisavô dizia que aeromoça é uma copeira de luxo; e nunca, nunca essa sensação foi tão forte quanto ao ver a moça ali, preparando o gelo para as bebidas que iria servir dali a pouquinho. Solitária, sem companhia. É o grupo que as torna mais fortes; é a interação entre elas que lhes dá aquela aura de desbravadoras do ar da Pan Air. Sozinhas, são como andorinhas que não fazem verão. Sao só moças que servem as bebidas e reclamam se você está lendo com a bandeja abaixada enquanto o avião se prepara para pousar.

Diário de bordo IV (ou desventuras de um baiano na Terra do Sol)

Ou de como acordar às 4:02 e conseguir pegar um avião que sai às 5.

Eu estou ficando bom nisso.

***

Não adianta: mesmo olhando de cima, Salvador é única. Há algo de diferente nela. É algo que não dá para explicar e, também inexplicavelmente, consegue ser maior que a chegada ao Rio, por mais bonito que o Rio seja. Há alguns anos, indo para Salvador, fomos obrigados a sobrevoar a cidade por meia hora, enquanto esperávamos sei lá o quê. E eu adorei cada minuto. Há algo de especial quando se vê, lá de cima, o Forte de São Marcelo protegendo a cidade de piratas franceses que morreram há muito, muito tempo.

***

Minha filha olha a chaminé de Camaçari que lança um rolo forte de fumaça. Entre nós e a chaminé está uma nuvem, pequena, e do nosso ponto de vista, uma e outra são a mesma coisa. Olha, papai, uma fábrica de nuvem!”

***

Um alemão passa por mim, e Deus, como ele fede. Lá fora, enquanto fumo um cigarro, ele cruza o meu caminho de novo. Saca um maço de Derby, vermelho, e começa a fumar. O fedorento tem um pulmão de aço.

***

Quando saio para fumar, espero o chamado de sempre: “Quer táxi?” É sempre assim, já estou acostumado. Mas parece que os taxistas baianos já estão aprendendo. Eu saio, o taxista olha para mim e algo lhe diz que eu só saí para fumar. Nem se incomodam.

***

Eu respeito Luís Eduardo Magalhães e respeito que seu pai queira manter sua memória. Não tenho nada contra todas as homenagens que se façam a ele. Podem dar nomes de avenidas, de ruas, de praças, do que quiserem. Mas eu nunca, nunca vou chamar o Aeroporto Dois de Julho de Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães. Não só é implicância; é que o Dois de Julho é uma data fundamental na história brasileira e merece ser respeitada. Fim de papo.

***

As duas comissárias de bordo da Gol são diferentes. Certo, as duas são do interior de São Paulo, mas são diferentes. A lourinha bonita tem o perfil da italiana loura clássica, seus vinte e poucos anos, olhos azuis, um corte de cabelo que ressalta a sua beleza — e é a primeira aeromoça educada que vejo em muito tempo.

Mas é a morena que me parece mais interessante. Mais velha, fala rápido demais, mais feia, tem gestos bruscos, mais vulgar. Mas é muito, muito mais interessante. Eu aposto.

***

Quando eu era pequeno, a Transbrasil oferecia umas maletinhas para os viajantes, com uma comida quase decente, vinho, talheres. A Varig, por sua vez, era ainda melhor. Hoje não há comida de avião, nem mesmo na Varig, a última que resiste aos novos tempos de eficiência absoluta.

***

Depois de chegar a Fortaleza, vou direto para a Livro Técnico, fazer a feira. Neste momento não consigo de tudo lembrar de tudo o que comprei. Mas foram cerca de 30 livros, alguns repetidos. É a minha feira quadrimestral.

***

Em toda a minha vida, só tive um problema com aviões, mesmo considerando que passei uma época viajando bastante. Foi em julho de 1978. Estava voltando de Aracaju com meu pai e algo aconteceu e não pudemos viajar. Lembro de sentar na calçada do aeroporto, com o “Manual da Maga Patalójika”, enquanto ouvia os gritos e os murros no balcão de meu pai. Que não adiantaram muito: não conseguimos viajar.

(Aliás, tive outro, em 1993. O avião em que eu ia do Rio para São Paulo se recusou a levantar vôo. Mas nunca considerei aquilo um problema, porque bebi tanto que cheguei em São Paulo sem saber onde ficava o Largo de S. Francisco, para onde eu ia. Compensou.)

Comprei uma passagem na OceanAir porque ele sairia uma hora depois do da Gol. Empresa nova, uns Fokker 50 simpáticos — turbo-hélices são charmosos, não são? —, e mais tempo para procurar livros; eu ficaria 3 horas em Fortaleza.

Mas quando volto ao aeroporto, me informam que o vôo foi cancelado.

Meu pai gritaria e reclamaria; como não adianta, eu decido que simplesmente vou rir um pouco. Debocho das atendentes que, coitadas, se viram para arranjar lugares em outros vôos em um dia cuja norma é o overbooking. Digo que foi a primeira vez que viajo pela OceanAir, e será a última. Que começaram mal.

Quero ver alguém voltar a dizer que eu sou uma pessoa difícil: de sábado para domingo dormi apenas uma hora e meia, cinco de domingo a segunda. E mesmo assim não grito nem xingo as pobres moças. Eu sou um doce. Eu sou a pessoa mais facinha que eu conheço.

Não tem jeito de conseguirem um vôo para mim e me despacham para um hotel. Comigo irão quatro italianos. É primeira vez que eu reclamo. “Ih, eles vão encher o hotel de puta”. E elas, coitadas, riem também. Sabem que é verdade.

Agora eu vou voltar para o hotel. Vou tirar a roupa, dar para lavarem e assistir a qualquer besteira na TV, enquanto xingo a OceanAir.

Tomara que amanhã eu consiga voltar.

Manifesto da Associação de Proteção aos Tios Sukita

Rafael Galvão e Luiz Biajoni, membros-fundadores e Veneráveis Laranjas da Associação de Proteção aos Tios Sukita, vêm a público denunciar como sua inimiga número 1 a senhorita Anna Carolina, do blog Appothekaryum.

Esta senhorita declarou guerra à existência destes pobres solteirões à beira da decrepitude que acompanha a meia-idade, com provocações baixas e torpes personificadas na exibição de uma latinha de Sukita em seu blog, provocação clara ao sofrido e humilde co-fundador, o Venerável Biajoni.

A provocação chegou ao máximo quando, exibindo todo o seu desprezo, a senhorita Anna Carolina fez um comentário curto e grosso neste blog, em meio a sorrisinhos perversos. Falou o que falou porque sabe que nós, tios Sukita, já estamos fora da tal categoria. A gente simplesmente tem que encontrar alternativas. E a mencionada pela malvada não é uma delas.

A senhorita Anna Carolina tentou nos humilhar e espezinhar. Em fotos no seu blog, exibe suas formas magras, numa provocação fria que muito se assemelha ao canalha que come uma banana diante da jaula dos macacos. Sabe que nós, tios Sukita, estamos mais acostumados a pelancas, peitos que beiram o umbigo, manchas senis nos braços e, no caso deste neo-fetichista, cotovelos ásperos e enrugados; no caso do velho fetichista que é o Venerável Bia, bundas moles.

Essa mulher vil chega ao limite da provocação ao anunciar que vai jogar suas calcinhas para o Wando, a quem obviamente considera ridículo, sabendo muito bem que o tal cantor é um dos símbolos de nossa faixa etária com sua boca de chupa-ovo e seus cabelos pintados. Fica dizendo que não podemos passar por adolescentes, o que é uma grande injustiça porque nos respeitamos: nossos suéteres pendurados no ombro não combinam com bermudões mostrando o rego da bunda. Nós somos coroas quase enxutos e nos orgulhamos dessa condição.

O que essa senhorita de maus bofes faz é chutar cachorro morto, é tirar dinheiro de pobre, é roubar dentadura de velho. Essa mulher sem coração debocha dos tios Sukita mesmo sabendo que, recentemente, o Venerável Biajoni levou um pé na bunda clássico de uma dessas Ninfetas do Demônio, transformado em post neste blog há alguns meses. Ela não tem coração.

Nada que nos surpreenda, no entanto. Essa mulher de má índole, capaz de atos vis como tomar um Batman das mãos inocentes de uma pobre criança, resolveu voltar suas baterias contra os tios Sukita, categoria que já tem seus próprios problemas de adequação ao mundo para nos preocupar. Não satisfeita em infernizar pobres crianças, em destruir todos os seus sonhos, resolveu também bater nos pobres velhinhos supra-assinados, retirando deles todas as esperanças de parecerem descolados.

Perversa e má, a senhorita Anna Carolina — que bem poderia ser parecida com a sua xará cantora, dizer que gosta de mulher e nos poupar tamanha humilhação — debocha de nossas existências e assume um tom provocador que, embora sejamos homens de paz e amor (principalmente paz, porque amorzinho meia-bomba só 3 vezes por mês e olhe lá), nos obriga a tomar uma posição firme e com os punhos em pé — inclusive porque, a esta altura da vida, punhos são a única coisa que ficam em pé.

É chegada a hora de darmos um basta a isso. Essas meninas que se recusam a ser seduzidas por nós, tios Sukita com toda a carga de experiência que uma vida de cantadas infrutíferas em bares traz, devem ser denunciadas como inimigas de toda a humanidade. Essas meninas que vagam por aí apregoando as vantagens óbvias da juventude e que se tornam o pesadelo dos homens que suaram toda a vida para serem coroas legais precisam ser detidas, a qualquer custo.

A guerra está declarada.

Em nosso primeiro contra-ataque, anunciamos aqui que vamos colar a cabecinha ruiva da senhorita Anna Carolina na nossa Mulher Frankenstein Para Onanistas Fetichentos, maravilhosa colagem concretista desconstrutivista com o melhor de cada mulher deslumbrante. Essa será a nossa vingança, a primeira em uma guerra que prometemos encarniçada e sem tréguas. A senhorita Anna Carolina, aquele ser perverso que se compraz em debochar dos velhinhos, verá o que acontece quando ela cai na mão — literalmente — de jovens bobinhos e cheios de hormônios.

À vingança!

À vitória!

Pedi e vos será dado

O Bia, aquele senhor com quem não falo há 8 meses, perguntou que cara de pidão é essa daí de cima, e lembrou: pidão é o Alexandre.

Alguém faça o favor de dizer a esse senhor com quem não falo há 11 meses que, depois de ler a Prisão Vergonha do Dale Carnegie Alex, estou pensando em deixar esse meu orgulho besta de lado e seguir o seu exemplo.

O sujeito é meio podólatra, você já deve saber. E um sem-número de leitoras o agracia com imagens de seus pés nus, voluptuosos, curvos, bicolores. Fico imaginando o Alex babando e tremendo enquanto olha as fotos, mas deixa pra lá.

Eu não fui agraciado pelas Parcas, sempre elas, com essa preferência. Eu sou um sujeito desgraçadamente normal. Continuo achando pé uma coisa que serve apenas para você andar, para doer no fim do dia se você é balconista e para dar topada, mas aprendi a respeitar o fetiche dos outros. Na verdade, até acho chique, moderno, bem de acordo com esses tempos em que a sacanagem cresceu tanto em importância. Fetiche. Soa bem. Fetichista. Soa melhor ainda.

Por isso pensei: o Alexandre pede fotos de pés e recebe. O provérbio bíblico. Ah, eu vou entrar nessa também.

O único problema é aquela falta tediosa de fetiches, então resolvi achar algum. Não é algo fácil de resolver. O óbvio — peitos, bundas, coxas, ventres depilados em forma de Minnie Mouse — é só isso, óbvio. Panturrilhas bem feitas são legais, mas uma apreciação estética não é um fetiche.

Tomou um pouco de tempo, mas descobri um fetiche digno desse nome. Algo único, verdadeiramente singular.

Cotovelos.

Não conheço ninguém que tenha tara por cotovelos. Ninguém, ninguém dá a mínima por cotovelos. Mera articulação relegada ao descaso, não merece sequer uma nota no rodapé da história. Ninguém jamais ouviu falar no cotovelo de Cleópatra, no cotovelo de Catherine Zeta-Jones. Helena causou uma guerra e a destruição de Tróia, mas ninguém sequer olhou para o seu cotovelo alabastrino. Lady Godiva montou um cavalo branco e saiu nua por aí, mas alguém notou seu cotovelo macio e delicado? Ninguém.

Eu, finalmente dono de um fetiche, e dono de um fetiche só meu, vou reparar essa injustiça histórica. Portanto, caríssimas leitoras, podem mandar fotos dos seus cotovelos.