Ou de como acordar às 4:02 e conseguir pegar um avião que sai às 5.
Eu estou ficando bom nisso.
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Não adianta: mesmo olhando de cima, Salvador é única. Há algo de diferente nela. É algo que não dá para explicar e, também inexplicavelmente, consegue ser maior que a chegada ao Rio, por mais bonito que o Rio seja. Há alguns anos, indo para Salvador, fomos obrigados a sobrevoar a cidade por meia hora, enquanto esperávamos sei lá o quê. E eu adorei cada minuto. Há algo de especial quando se vê, lá de cima, o Forte de São Marcelo protegendo a cidade de piratas franceses que morreram há muito, muito tempo.
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Minha filha olha a chaminé de Camaçari que lança um rolo forte de fumaça. Entre nós e a chaminé está uma nuvem, pequena, e do nosso ponto de vista, uma e outra são a mesma coisa. Olha, papai, uma fábrica de nuvem!”
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Um alemão passa por mim, e Deus, como ele fede. Lá fora, enquanto fumo um cigarro, ele cruza o meu caminho de novo. Saca um maço de Derby, vermelho, e começa a fumar. O fedorento tem um pulmão de aço.
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Quando saio para fumar, espero o chamado de sempre: “Quer táxi?” É sempre assim, já estou acostumado. Mas parece que os taxistas baianos já estão aprendendo. Eu saio, o taxista olha para mim e algo lhe diz que eu só saí para fumar. Nem se incomodam.
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Eu respeito Luís Eduardo Magalhães e respeito que seu pai queira manter sua memória. Não tenho nada contra todas as homenagens que se façam a ele. Podem dar nomes de avenidas, de ruas, de praças, do que quiserem. Mas eu nunca, nunca vou chamar o Aeroporto Dois de Julho de Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães. Não só é implicância; é que o Dois de Julho é uma data fundamental na história brasileira e merece ser respeitada. Fim de papo.
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As duas comissárias de bordo da Gol são diferentes. Certo, as duas são do interior de São Paulo, mas são diferentes. A lourinha bonita tem o perfil da italiana loura clássica, seus vinte e poucos anos, olhos azuis, um corte de cabelo que ressalta a sua beleza — e é a primeira aeromoça educada que vejo em muito tempo.
Mas é a morena que me parece mais interessante. Mais velha, fala rápido demais, mais feia, tem gestos bruscos, mais vulgar. Mas é muito, muito mais interessante. Eu aposto.
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Quando eu era pequeno, a Transbrasil oferecia umas maletinhas para os viajantes, com uma comida quase decente, vinho, talheres. A Varig, por sua vez, era ainda melhor. Hoje não há comida de avião, nem mesmo na Varig, a última que resiste aos novos tempos de eficiência absoluta.
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Depois de chegar a Fortaleza, vou direto para a Livro Técnico, fazer a feira. Neste momento não consigo de tudo lembrar de tudo o que comprei. Mas foram cerca de 30 livros, alguns repetidos. É a minha feira quadrimestral.
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Em toda a minha vida, só tive um problema com aviões, mesmo considerando que passei uma época viajando bastante. Foi em julho de 1978. Estava voltando de Aracaju com meu pai e algo aconteceu e não pudemos viajar. Lembro de sentar na calçada do aeroporto, com o “Manual da Maga Patalójika”, enquanto ouvia os gritos e os murros no balcão de meu pai. Que não adiantaram muito: não conseguimos viajar.
(Aliás, tive outro, em 1993. O avião em que eu ia do Rio para São Paulo se recusou a levantar vôo. Mas nunca considerei aquilo um problema, porque bebi tanto que cheguei em São Paulo sem saber onde ficava o Largo de S. Francisco, para onde eu ia. Compensou.)
Comprei uma passagem na OceanAir porque ele sairia uma hora depois do da Gol. Empresa nova, uns Fokker 50 simpáticos — turbo-hélices são charmosos, não são? —, e mais tempo para procurar livros; eu ficaria 3 horas em Fortaleza.
Mas quando volto ao aeroporto, me informam que o vôo foi cancelado.
Meu pai gritaria e reclamaria; como não adianta, eu decido que simplesmente vou rir um pouco. Debocho das atendentes que, coitadas, se viram para arranjar lugares em outros vôos em um dia cuja norma é o overbooking. Digo que foi a primeira vez que viajo pela OceanAir, e será a última. Que começaram mal.
Quero ver alguém voltar a dizer que eu sou uma pessoa difícil: de sábado para domingo dormi apenas uma hora e meia, cinco de domingo a segunda. E mesmo assim não grito nem xingo as pobres moças. Eu sou um doce. Eu sou a pessoa mais facinha que eu conheço.
Não tem jeito de conseguirem um vôo para mim e me despacham para um hotel. Comigo irão quatro italianos. É primeira vez que eu reclamo. “Ih, eles vão encher o hotel de puta”. E elas, coitadas, riem também. Sabem que é verdade.
Agora eu vou voltar para o hotel. Vou tirar a roupa, dar para lavarem e assistir a qualquer besteira na TV, enquanto xingo a OceanAir.
Tomara que amanhã eu consiga voltar.