Por quem os sinos dobram

Posso ser um ignorante selvagem, mas Hemingway, para mim, é a maior fraude da literatura.

Por que ninguém fala que seus personagens masculinos são sempre uns viadinhos chorões, por mais machos que queiram parecer?

Por que suas mulheres, mesmo a combatente Maria, são sempre umas idiotas que se contentam em ser acessórios em um mundo eminentemente masculino?

E quanto à linguagem, ao estilo… Bem, Dashiell Hammett fez tudo aquilo, e primeiro. Só que é escritor de romance policial, não tem o moral de um escritor “sério” como Hemingway.

Não interessa que a linguagem seca, concisa de Hemingway não seja primitiva, e sim o resultado de muito esforço. E daí? Consciente ou não, brilhante ou não, ele continua um chato.

E Deus sabe o quanto eu tentei mudar essa opinião. Li o primeiro livro, achei ruim, mas tentei o segundo. Achei ruim, mas tentei o terceiro. Achei ruim, mas tentei o quarto.

Hemingway conseguiu me vencer.

Uma pequena explicação

O título deste blog não é só uma frase com uma cadência minimamente interessante. Ele tem uma razão e ser.

São pensamentos mal passados porque nenhum deles é o que se pode chamar de uma exposição completa. Nenhum está perfeito, nenhum reflete absolutamente o que eu teria a dizer sobre o assunto.

É uma forma de aproveitar a natureza urgente do gênero, incompleta.

Ferrovias

Uma das coisas que de vez em quando me impressionam é o quanto a História pode ser recente. Estamos tão acostumados a viver em um mundo com características específicas, cada vez mais baseado na eletricidade, que esquecemos como até há pouco as coisas eram bem diferentes.

Nos Estados Unidos, até o século passado havia uma série quase incontável de horas oficiais, cerca de 100. Só o Estado de Winsconsin tinha mais de 30. Isso só acabou ao meio-dia de 18 de novembro de 1883, como se pode ver neste artigo da Atlantic Monthly.

A unificação dos horários, que até então tinha tido pouca importância, se tornou necessária para evitar acidentes nas ferrovias que e espalhavam pelo país. Antes não havia a necessidade dessa correção absoluta. O tempo não era tão medido em segundos como começava a ser naquela época.

Mas para as ferrovias, horários diferentes poderiam significa acidentes sérios nas ferrovias.

As ferrovias foram decisivas para o estabelecimento dos Estados Unidos como uma nação, e das grandes. Elas unificaram goegraficamente o país, e tornaram possível a administração de dimensões continentais. Mas foram ainda mais importantes, e isso é interessante.

E pensar que isso tem pouco mais de 100 anos. Daqui a pouco vai ser quase impossível lembrar dos tempos emque se vivia sem internet.

Ainda os Fab Four

A Julia continua brigando comigo.

Não é questão de gostar ou não. Gosto é como… Como… Gosto é como nariz, cada um tem o seu.

Mas fatos são fatos.

Os Beatles foram o primeiro fenômeno cultural de massas mundial. Xeroxes mal tiradas como Bundudos e assemelhados são apenas tentativas pré-fabricadas de repetir, em laboratório, o fenômeno. Curiosamente, do ponto de vista da legitimidade cultural, “Egüinha Pocotó” é mais “real”‘ do que “Não se reprima”. Não é algo esquematizado por empresários de acordo com uma necessidade de mercado, e sim uma manifestação da cultura popular. Se é bom ou não é outra questão.

“Febre de Juventude”, que por sinal é um filmezinho bem razoável para a Sessão da Tarde, é interessante. E o fato de ilustrar um aspecto da beatlemania não diz absolutamente nada a respeito da questão musical. Não se discute aqui a questão da beatlemania, e sim da qualidade e permanência musical da banda.

Dizer que os Beatles eram “bons” é um eufemismo. Nenhuma outra banda teve o alcance e a influência que eles tiveram. Nao apenas por suas qualidades, mas pelo fato de serem as pessoas ertas no tempo certo.

Quanto ao Zé e ao João, lá do New Kinkos, terem partido para uma carreira exclusivamente cinematográfica, bem… Só mostra que música não era bem o negócio deles, não é? Criação musical, então, nem pensar…

Frampton

Anos 70, mais precisamente 78. Frampton é o grande superstar solo. E, conhecido em Salvador como grande guitarrista, há uma lenda esquisita sobre ele: a de que não tem a mão, algo assim.

Eu era menino e não entendia essa história. Quer dizer que ele tocava com uma prótese? Como conseguia? Anos depois, lembrando disso, ache que fosse só mais uma lenda urbana — como os troféus que Tostão teria quebrado, em sua raiva do futebol.

Mas o que acontece é que Frampton tinha sofrido um acidente de carro em janeiro e quebrado o braço, as costelas, os pés e as mãos.

É assim que as lendas urbanas se criam. Um pedaço de informação vai sendo deturpado por ignorância e interpretações. E o resultado são absurdos por que só crianças de 7 anos podem se justificar por acreditar.

"Beleza Americana" e "Sexto Sentido"

Dei uma olhada no finalzinho de “Beleza Americana” ontem à noite.

Sempre achei que foi uma injustiça esse filme ter ganho o Oscar de melhor filme em 99. Não que seja um filme ruim, como já vi gente dizer. Mas porque havia um concorrente superior: “Sexto Sentido”.

“Sexto Sentido” é um roteiro brilhante. Sei de gente que diz ter percebido que o personagem de Bruce Willis estava morto antes do filme acabar, mas eu não devo ser tão inteligente — ou tão mentiroso. É o que eu acho genial no filme: a forma como ele vai dando pistas claras todo o tempo, mas que você, por estar preso a uma pré-concepção simples, a de que ele tinha sobrevivido, simplesmente não vê.

É um caso deslumbrante de prestidigtação. E o cinema é pouco mais que isso, ou pelo menos era em sua origem. Mèlies ficaria orgulhoso.

Mas ontem fiquei pensando se não fui muito injusto com “Beleza Americana”. É melhor do que eu pensava, e os pequenos subtextos que se vê na parte final são uma bela crônica do subconsciente suburbano americano.

E os peitinhos da Mena Suvari são umas gracinhas.

Be Bop

E já que falei em bebop, um pouquinho da minha história com o jazz.

Durante muito tempo, eu gostava mesmo era daquele jazz tradicional — Armstrong, Fats Waller, Duke Ellington, aquele pessoal de antes da II Guerra.

Um dia conheci um americano, Steve Weissman, que tinha pego o finalzinho daquela fase do jazz tradicional. Judeu nova-iorquino, tocou vibrafone em algumas orquestras, e acabou se tornando produtor da MCA. Um fato curioso é que ele estava a dois quarteirões do Dakota quando Lennon foi assassinado; correu para lá e ainda conseguiu tirar algumas fotos de Lennon agonizando.

Steve tinha uma coleção imensa de discos de jazz, e estava decidido a se livrar dos discos de jazz tradicional. E assim comprei uma caixa de Hoagy Carmichael, uma de Sinatra e a Orquestra de Tommy Dorsey e um disco de Louis Armstrong. O velho e bom vinil americano, que sempre foi imensamente superior ao brasileiro. Desconfio que o de Armstrong seja uma raridade.

Steve não gostava muito daqueles discos. Ele gostava mesmo era de bebop, e do alto dos seus 60 e poucos anos não entendia como eu podia preferir o jazz tradicional.

Eu não gostava daquelas coisas tipo Miles Davis, Dizzy Gillespie… E para falar a verdade, não gostava porque não conhecia. O pouco que tinha ouvido não tinha me empolgado. Parecia chato.

O tempo passou e perdi Steve de vista. Demorou muito tempo até eu começar a ouvir bebop — graças a uma coleção de CDs, desses vendidos em bancas de jornal. E nessa brincadeira comprei discos de gente como Chet Baker, Miles Davis, Charlie Parker.

O engraçado é que não eram sequer bons discos; eram basicamente refugo. Mas mesmo o refugo de músicos desse calibre pode proporcionar uma experiência excepcional.

Simplesmente não dá para reisistir a um solo de Charlie Parker. Ou Monk. Ou Charlie Mingus. O bebop é algo mágico; é uma evolução da música, é algo que transcende os limites da música pop para equipará-la à erudita.

O que eu não sabia antes de descobrir o bebop é que o jazz não é exatamente um gênero musical, com regras rígidas. Jazz é, basicamente, um jeito de tocar.

Acho que que jazz é a forma superior de música popular, e o bebop é a forma superior do jazz.

Se eu fosse recomendar o roteiro para quem quer entender o jazz, eu recomendaria que ouvisse por fases. Em primeiro lugar, o velho e bom dixieland, a origem de tudo. Depois, os grandes dos anos 20 e 30 — Duke Ellington, as big bands. Que se ouça primeiro Ella Fitzgerald, perfeita, e só depois Billie Holiday. E então que se passe para o bebop, porque aí já se sabe de onde aqueles solos, aquelas estruturas, aquelas atmosferas vêm. Que ouçam Charlie Parker, John Coltrane (absolutamente, absurdamente maravilhoso). A delicadeza de Chet Baker. E que se ouça então Miles Davis, a quintessência do bebop.

(Bem, só um adendo: eu gosto de bebop. Mas ainda detesto fusion.)

Elvis

The Pelvis sempre me intrigou.

Minha formação musical parte dos Beatles. E só a partir daí derivou para o blues, para o jazz, para o bebop. Por isso cresci comungando daquela opinião — extravasada por Lennon e por quase todos os roqueiros da história — de que Elvis Presley morreu em 59, quando se alistou no Exército. Quando voltou, dedicou-se principalmente ao cinema e, nos intervalos, gravou músicas irrelevantes.

Não deixa de ser verdade. Quando surgiu, Elvis era algo diferente; basta ouvi-lo e vê-lo para ver que aquele menino, ainda louro, era um gênio. O rock and roll não seria o mesmo sem ele; talvez nem fosse alguma coisa. A carga sensual que ele dava às suas interpretações foram decisivos para fazer do rock o que ele foi nos anos 60. Se para um roqueiro dos anos 60 ele teria se vendido ao virar o all american boy, para ele aquilo era apenas o que se esperava dele. Não é justo aplicar a ele os valores da década de 60.

Mas Elvis perdeu o bonde. Não se pode culpá-lo: no fundo, era só um caipira do Tennessee, e sua visão de carreira era a mais convencional possível. Eram outros tempos, e os Beatles ainda não haviam aparecido para mudar as regras do mercado. Há um filme dele, Easy Come, Easy Go, que mostra claramente o quanto ele não compreendia a revolução de costumes que havia ajudado a gerar. A carreira de Elvis durante os anos 60 foi, para dizer o mínimo, irrelevante. Ele tinha virado um astro de cinema — o mais bem-pago de Hollywood, a propósito –, mas sempre foi um péssimo ator.

Acontece que Elvis é, também, um dos principais casos de reinvenção da própria carreira. Em 1968 ele apresentou um especial na NBC que ficou conhecido como The Comeback Special. Qualquer um que assista percebe o quanto Elvis apostava naquele show; ele sabia que sua carreira dependia daquilo.

E foi aí que o velho roqueiro, que Ed Sullivan proibía ser filmado abaixo da cintura, reinventou sua carreira. Ele não era mais um roqueiro; ali ele dava o passo decisivo para se tornar um cantor popular, o Frank Sinatra da geração que crescera ouvindo rock and roll e que agora, mais velha, ficava mais vez mais… Ia dizer brega, mas a palavra certa seria corny.

A partir daí Elvis virou aquela mistura de Liberace com o Elvis dos anos 50. Seu mise en scène se tornou, se não caricato, pelo menos esquematizado. Menos que roqueiro, ele era um showman.

Não sei se isso foi bom ou ruim. São gêneros diferentes, e o roqueiro tinha morrido, mesmo. Mas não se pode negar que ele foi capaz de se reinventar, e a imagem do “Rei” que ficou não é o do roqueiro rebolando epilepticamente no palco, mas o sujeito meio brega que ficava dando golpes estilizados de caratê no palco.

No entanto, quem assiste ao especial da NBC pode perceber, claramente, que o momento em que ele se sente mais à vontade é justamente quando, com sua antiga banda (entre os quais Scotty Moore, um dos grandes guitarristas da primeira fase do rock), ele faz uma jam session de seus antigos sucessos. Por incrível que pareça, ali se vê que há ainda um roqueiro embaixo daquele sujeito que se prepara para melar as calcinhas de quarentonas gordas nos palcos de Las Vegas.